Autor: Jorge Hessen
Sabemos que o Espiritismo tem por finalidade a nossa reforma íntima, porém, percebemos que, no Movimento Espírita brasileiro, coexistem interpretações diferentes sobre a rota segura de se lograr esse escopo. Não há dúvida de que essas diferenças fazem parte do processo, porém, precisamos estar atentos ao lidar com as divergências das práticas, considerando-se os múltiplos níveis de consciência.
É compreensível que confrades intelectualizados, ainda não moralizados, ao ingressarem nas hostes espíritas, imponham seus pontos de vista, “racionalmente”, diversas vezes, em confronto com a Codificação. Porém, como o Espiritismo está muito acima das ilações academicistas, as discrepâncias metodológicas não chegam a afetar a Doutrina em si, em seu contexto já consolidado. Todavia, costumam gerar alguns óbices ao Movimento, que a superioridade das boas práticas doutrinárias culminará por superar, com o tempo, esses embaraços.
Observamos diversas vezes, entre os adeptos do Espiritismo, um comportamento encharcado de misticismos, profundamente clerical, na maneira de interpretar e de praticar a Doutrina Espírita. Essa postura inadequada tem gerado problemas complicados de serem contornados no seio do Movimento Espírita, como a ritualização de práticas bizarras, abuso de poder nas hierarquias das diretorias de Centros Espíritas, e outras dificuldades que desequilibram todo um conjunto.
Experimentamos uma conjuntura de difíceis transformações, pois o povo brasileiro herdou uma péssima educação religiosa ancestral. Bom seria se os cônscios adeptos do Espiritismo conseguissem extirpar, definitivamente, esse mal progressivo que acarreta prejuízo ao Movimento Espírita.
A visão contemplativo-religiosa da Doutrina, ainda, coloca-se como prioritária, para, supostamente, atender, mais de imediato, os sofrimentos morais, econômicos, sociais, emocionais, que açoitam a sociedade contemporânea. A visão de um Espiritismo sob o ângulo cientificista é compreensível, somente, para aqueles confrades de formação acadêmica e que se dedicam a eventuais experiências para, apenas, reconfirmarem os fatos que, desde o mestre lionês, já foram sobejamente provados.
Todavia, ao invés da ritualística mística, que tem minado o edifício doutrinário, e avesso aos embates extremos cientificistas que cristalizam o sentimento, cremos que o razoável será a entronização dos conceitos filosóficos doutrinários, ensejando, desse modo, um comportamento ético-moral saudável, no qual a consequência religiosa será inevitável, porém, distante das fórmulas que identificam as religiões utilitaristas, apresentando-se como seitas que já estão, de há muito tempo, superadas.
A Doutrina Espírita é pura e incorruptível. Porém, o Movimento Espírita, ou seja, a organização dos homens para praticá-la e divulgá-la é suscetível dos mesmos graves prejuízos que dificultaram a ação do cristianismo tradicional, hoje bastante fracionado. Por muitas e justas razões, devemos ficar atentos aos que se tornam líderes esquisitos e esdrúxulos, com comportamentos alienados, procurando apresentar propostas de exaltação do seu ego e gerando, à sua volta, uma mística que, infelizmente, vem desaguando em determinadas posturas, absolutamente incompatíveis com o Espiritismo.
Conhecemos práticas estranhíssimas ao Projeto Espírita, a saber: dirigentes promovendo casamentos, crismas, batizados, velórios (tudo no salão de palestras), além das sempre “justificadas” rifas e tômbolas nos Centros, festival da caridade, tribuna para a propaganda político-partidária, preces cantadas etc. Isso, sem nos aprofundarmos nos inoportunos trabalhos de passes com bocejos, toques, ofegações, choques anímicos (?), estalação dos dedos, palmas, diagnósticos pela “vidência” sobre doenças e obsessões, apometrias, desobsessão por corrente magnética etc.
Preservar, portanto, o trabalho de divulgação doutrinária, corretamente, sem os infelizes desvios que se observam em alguns setores do nosso Movimento, é dever que devemos impor a nós mesmos, ou seja, fidelidade aos preceitos Espíritas.
O mestre lionês sempre preconizou a unidade doutrinária. Não há o menor espaço para compor com outras ideias que não sejam, ou convergentes e em uníssono com as suas, ou reflexos resplandecentes delas. Unidade doutrinária foi a única e derradeira divisa de Allan Kardec, por ser a fortaleza inexpugnável do Espiritismo. Por isso, necessita ser o nosso lema, o nosso norte, a nossa bandeira. A via mais segura para esse desiderato é a do esclarecimento, do estudo, do convencimento pela razão e pelo amor, jamais pelos anátemas, óbvio!…
Para os mais radicais, a pureza doutrinária é a defesa intransigente dos postulados espíritas, sem maior observância das normas evangélicas; para os não menos extremistas, é a rígida igualdade de tipos de comportamento, sem a devida consideração aos níveis diferenciados de evolução em que estagiam as pessoas. A rigor, os espíritas não são proibidos de coisa alguma, mas precisam saber que devem arcar com a responsabilidade de todos os atos, conscientes do desequilíbrio que possam praticar. Que terão que reconstruir o que destruírem e responderão pelo mal praticado e harmonizarão o que desarmonizarem. É da Lei de Causa e Efeito!
Portanto, do exposto, reafirmamos que espírita cristão deve ser a nossa conduta, ainda mesmo que estejamos em duras experiências. Espírita cristão deve ser a designação do nosso nome, ainda mesmo que respiremos em aflitivos combates íntimos. Espírita cristão deve ser o claro objetivo de nossa instituição, ainda mesmo que, por isso, nos faltem as passageiras subvenções e honrarias terrestres, consoante nos ensinam os Espíritos superiores.
O consolador – Ano 11 – N 511 – Artigos