Autor: Paulo Henrique de Figueiredo
Kardec afirmou que o Espiritismo é uma ciência. Mas vai cair em erro aquele que considerar essa afirmação imaginando o atual conceito dessa palavra. Isso porque em nosso tempo ela está associada ao materialismo. Normalmente, mesmo que a maior parte dos estudantes universitários e mesmo professores sejam espiritualistas, todos precisam adotar a doutrina do nada para que sua produção seja aceita, ou corre o risco de cair na marginalidade acadêmica e perder oportunidades. O espiritualismo é mesmo ridicularizado como crendice, ingenuidade, absurdo. Invariavelmente, mistura-se a crença em Deus e na imortalidade da alma com o pensamento dogmático das religiões, isso porque em nossa sociedade foi esse quase o único espaço que o espiritualismo pôde se refugiar.
Como evidenciamos, a ciência era muito diferente na época de Kardec, e o entendimento disso é fundamental para se compreender o Espiritismo e o impacto de sua doutrina revolucionária.
Afirmou o professor Rivail:
“A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas.”
(LIVRO DOS MÉDIUNS, PÁGINA 443)
Quando se lê esse trecho hoje, quase ninguém se questiona sobre o que significa ciências morais. Ou então busca um significado aproximado ou um raciocínio dedutivo. Há também para quem esse termo passa batido. No entanto, sua compreensão é essencial. O termo “ciência moral” estava presente na tábua de classificação das ciências daquele tempo. Para ser compreendido precisamos consultar livros daquele tempo. Vejamos.
No século 19, as ciências se dividiam entre as que tinham por objeto o mundo físico (física, química, botânica, fisiologia, astronomia, geologia, mineralogia), chamadas ciências físicas ou naturais; e as que tinham por objeto os fenômenos derivados das aptidões humanas, ou ciências morais (filológicas, sociais e políticas, históricas). Na universidade, o campo das ciências morais era liderado por professores espiritualistas, que adotaram essa orientação de forma racional e não dogmática, como exigia o pensamento positivo da época. Essas primeiras ciências morais tratam das manifestações exteriores dos fatos morais, como a linguagem e os fatos históricos e sociais. Resta o estudo da própria alma, ou fatos do espírito humano, como se definia por uma expressão daquele período. Esses formam o grupo das ciências filosóficas. Considerado os valores humanos da razão, sentimento, vontade, criatividade, as divisões das ciências eram: psicologia, lógica, moral e estética. Quando os objetos dos estudos eram a causa primeira e o absoluto, as ciências denominavam-se teodiceia (atributos de Deus e sua providência) e metafísica (causa ou princípio de tudo o que existe). Quanto ao método, a psicologia adotava a observação, enquanto as outras ciências filosóficas adotavam o método racional, e para a metafísica, o reflexivo. O conteúdo dessas ciências morais forneceram os temas para os diálogos com os espíritos superiores que resultou na doutrina espírita.
Tudo isso pode ser encontrado em detalhes nos manuais de filosofia do século 19.
Esse foi o contexto original do surgimento da doutrina espírita. Essa recuperação conceitual é necessária para se compreender a postura dos espíritas que leram os livros e revistas do professor Rivail durante sua publicação e participaram do desenvolvimento da doutrina espírita, formando a comunidade de pesquisadores.
Os recursos da história e filosofia das ciências, sem os prejuízos do anacronismo (ler o passado pelos olhos do presente) são muito importantes para recuperar o sentido original do Espiritismo. Mesmo no entendimento do significado adequado seja de uma só palavra. Quando Allan Kardec considerou o espiritismo como ciência, mas ele o qualificou como ciência filosófica (espiritualista na academia de então), avançando, porém, quanto à metodologia:
“Até ao presente, o estudo do princípio espiritual, compreendido na Metafísica, foi puramente especulativo e teórico. No Espiritismo, é inteiramente experimental.”
Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/