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Espiritismo é uma religião?

Autor: Clésio Tapety

No livro “O que é o Espiritismo”, Allan Kardec afirma:

“O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia ele compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações.

Pode-se defini-lo assim:

O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal”.

Dessa forma, a princípio, Kardec conceituou o Espiritismo como sendo apenas ciência e filosofia, não o considerando uma religião. Por tal fato, ainda hoje, muitos não consideram o Espiritismo como uma religião.

Chico Xavier, por sua vez, médium de inegável influência no pensamento espírita mundial, costumava se manifestar sobre o assunto da seguinte forma: “Se tirarmos Jesus do Espiritismo, vira comédia. Se tirarmos Religião do Espiritismo, vira um negócio. A Doutrina Espírita é ciência, filosofia e religião. Se tirarmos a religião, o que é que fica? Jesus está na nossa vivência diária, porquanto em nossas dificuldades e provações, o primeiro nome de que nos lembramos, capaz de nos proporcionar alívio e reconforto, é Jesus”.

Sem dúvida, a influência salutar de Chico Xavier foi decisiva para que se consolidasse no movimento espírita a ideia de tríplice aspecto da Doutrina Espírita.

Mas a dúvida persiste em muitas cabeças: estariam Allan Kardec e Chico Xavier em discordância? Ou seria uma discordância apenas aparente?

Não é raro presenciarmos discussões homéricas, às vezes até agressivas, em torno do assunto. De um lado os que defendem com unhas e dentes o aspecto religioso do Espiritismo. De outro, não menos incisivos, os que defendem o cientificismo absoluto da Doutrina Espírita, sem nenhum vínculo com qualquer aspecto religioso.

Quem está com a razão?

Infelizmente, a maioria das pessoas está acostumada a formar suas convicções com uma visão unilateral, baseando-se apenas em um único referencial, como na história dos cegos que discutiam a respeito da forma de um elefante.

A história é mais ou menos assim: Numa antiga cidade da Índia, viviam seis cegos. Eles sempre ouviam falar no majestoso elefante do Rajá. Até que, um dia, resolveram examinar diretamente o grande animal. Chegando perto do elefante, o primeiro cego conseguiu colocar a mão na sua barriga. Então, gritando, disse:

– O elefante é como um muro! Porém, o segundo cego segurou numa das presas e, ouvindo o amigo, protestou:

– Não, o elefante é pontiagudo e duro como uma lança!

O terceiro cego, agarrando a tromba, discordou:

– O elefante é como uma serpente!

O quarto cego, pegando a enorme perna do animal, disse:

– Vocês estão loucos: o elefante é como o tronco de uma árvore!

O quinto cego, ouvindo a confusão dos amigos, decidiu saltar para cima do animal. Segurou, então, uma das grandes orelhas do elefante e disse:

– Todos vocês são idiotas se não percebem que o elefante é um grande leque de abano!

Por fim, o sexto cego, cuidadosamente segurou a cauda e disse:

– Calem-se todos! O elefante é uma corda resistente!

Os cegos, pegando uma parte do elefante, conheciam apenas uma parte do animal. Entretanto, cada cego era muito orgulhoso. Pensava que sua parte correspondia ao todo, criando toda a confusão.

Muitas pessoas comportam-se como os seis cegos da Índia. Percebem e compreendem uma parte da realidade e concluem, orgulhosamente, que descobriram toda a verdade.

Onde quero chegar com tudo isso?

Ora, é preciso ter em mente que Allan Kardec não considerava o Espiritismo como uma religião dogmática, ritualística, formada por sacerdotes etc. Para a época de Kardec, a palavra religião significava culto, coisa impraticável no Espiritismo. Dessa forma, entendendo-se a palavra religião meramente como culto realmente, o Espiritismo, não é uma religião.

Entretanto, tomando-se um outro conceito de religião e entendendo essa palavra não mais por culto e sim por laço moral de ligação entre os homens e entre os homens e Deus, aí sim Kardec admite que o Espiritismo seja religião.

É ele mesmo quem comenta o assunto em um discurso proferido na Sociedade Espírita de Paris, em 1º de novembro de 1868 e publicado na Revista Espírita de dezembro do mesmo ano. Na ocasião, Kardec afirma o seguinte:

“Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembleias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos; é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço. Uma religião, em sua acepção nata e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças…”

“O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é pois, um laço, um laço essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito …”

“Se assim é, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida senhores. No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as mesmas leis da natureza.”

“Porque, então, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes se levantou a opinião pública.”

Como se vê, o Espiritismo não é religião no sentido tradicional da palavra religião, mas o é no sentido filosófico, de onde surgem os laços morais que ligam os homens entre si e a Deus.

Portanto, não sejamos como aqueles seis cegos da Índia.

Conforme o ensinamento do mestre lionês, o Espiritismo é e não é uma religião, dependendo do referencial adotado com relação ao termo “religião”. Se levarmos em conta a palavra religião como sinônimo de culto, o Espiritismo não é religião! Entretanto, se levarmos em conta a palavra religião como tudo aquilo que nos liga a Deus, sim, o Espiritismo é religião!

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