Autor: Rogério Miguez
Considerando a descrição de Allan Kardec a respeito dos Espíritos superiores, a muitos acode a ideia destes Espíritos se encontrarem todos bem próximos de Jesus em evolução, este, o único Espírito perfeito a se ter notícia de já haver reencarnado na Terra, sendo os atributos daqueles um verdadeiro desafio a todos nós conquistá-los, senão vejamos:1
Segunda Classe: Espíritos Superiores
Esses em si reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade. Da linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma linguagem invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes, sublime. Sua superioridade os torna mais aptos do que os outros a nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se complacentemente com os que procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está bastante desprendida das ligações terrenas para compreendê-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a curiosidade impele, ou que, por influência da matéria, fogem à prática do bem. Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e então nos oferecem o tipo da perfeição a que a Humanidade pode aspirar neste mundo.
O Mestre de Lyon destaca alguns nomes de representantes desta classe de Espíritos participantes na elaboração das obras espíritas, a começar em O Livro dos Espíritos, nos Prolegômenos, quando informa: “Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema. Nada contém que não seja a expressão do pensamento deles e que não tenha sido por eles examinado”. (Op.cit.)
Ora, como esta parte do livro foi assinada por: “São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito de Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg”, entre outros, podemos concluir serem todos estes exemplos de Espíritos superiores, exceto O Espírito de Verdade, o qual, apesar de algumas poucas opiniões contrárias, segundo nosso entendimento, não se enquadra mais na ordem dos superiores, pois já é Espírito puro, o degrau acima da classe dos superiores, a primeira classe, e todos, indistintamente, inclusive Allan Kardec, estiveram sob Seu comando e diretrizes ao participarem na elaboração de todas as obras fundamentais e subsequentes.
O Codificador também aponta diretamente pelo menos outro superior: Erasto2, quando este escreveu sobre o papel dos médiuns,e ao observarmos outros textos ou mensagens ditadas por este Espírito, mais admiração nos provocam.
Entretanto, é interessante notar, o próprio Codificador registrou textos sobre este grupo de Espíritos nos fazendo ponderar sobre a distância ainda existente entre o estágio evolutivo deles e a perfeição3:
402. […] Graças ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos. Por isso é que os Espíritos superiores assentem, sem grande repugnância, em encarnar entre vós. Quis Deus que, tendo de estar em contato com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na fonte do bem, a fim de igualmente não falirem, quando se propõem a instruir os outros. (Negritamos)
Se o livro foi ditado e revisado por Espíritos superiores, eles estão aqui a falar deles mesmos. E mais, como se denota deste texto, na parte destacada da resposta, conclui-se terem ainda alguma repugnância em entrar em contato conosco quando reencarnados, pois, serão obrigados a viver de novo sujeitos a todas as necessidades materiais impostas pelo corpo físico, tendo-as, a grande parte deles, já superado plenamente. O convívio com Espíritos ainda viciosos e maldosos deve igualmente provocar certo desconforto entre estes luminares. Além disso, os Espíritos superiores ainda possuem certas fraquezas, seus possíveis calcanhares de Aquiles, pois, se não os tivessem, Allan Kardec não teria escrito sobre a possibilidade de eles falirem em contato com o vício, caso não pudessem se fortalecer através da emancipação durante o período de sono.
A questão da repugnância é confirmada ao menos em outra ocasião4:
226- 7ª. Por que permitem os Espíritos superiores que pessoas dotadas de grande poder, como médiuns, e que muito de bom poderiam fazer, sejam instrumentos do erro?
“Os Espíritos de que falas procuram influenciá-las; mas, quando essas pessoas consentem em ser arrastadas para mau caminho, eles as deixam ir. Daí o servirem-se delas com repugnância, visto que a verdade não pode ser interpretada pela mentira“. (Negritamos)
Agora trata-se de outra modalidade de repugnância, entre outras causas possíveis, vinda do fato destes Espíritos terem de se aproximar “perispiritualmente” de encarnados, os médiuns, quando estes últimos ainda apresentam seus perispíritos irradiando vibrações e energias densas, impregnadas de toda sorte de fluidos materiais, certamente provocando certa indisposição em Espíritos que já deixaram para trás os vícios materiais ainda hoje cultuados. Deve ser de fato muito desagradável, por exemplo, um Espírito superior receber via perispírito, fluidos impregnados de: fumo, álcool, condimentos variados de nossa grosseira alimentação, sem falar das vibrações destoantes geradas pelas nossas mentes pouco acostumadas ao cultivo e vivência das muitas virtudes. Diante desta relevante informação, veja-se a responsabilidade dos médiuns no preparo de si mesmos para, eventualmente, receberem mensagens e orientações destes abnegados trabalhadores da segunda classe dos Espíritos.
Entretanto, há outra questão na primeira obra fundamental, podendo nos levar a dúvidas em relação a algumas das informações citadas anteriormente:
578.Poderá o Espírito, por própria culpa, falir na sua missão? “Sim, se não for um Espírito superior.”5
Aparentemente esta questão conduz a uma contradição: Allan Kardec havia registrado que os Espíritos superiores ainda são passíveis de falir em suas missões quando em contato com o vício, contudo, agora informa sobre a possibilidade de uma missão deixar de ser cumprida, caso o Espírito missionário não seja superior! Como conciliar?
Conforme destacamos acima, caso os Espíritos superiores não pudessem se fortificar via contatos nos planos espirituais quando estão adormecidos, poderiam falhar em suas missões; como existe este revigoramento, não falham.
Cabe igualmente destacar que a classificação dos Espíritos elaborada por Allan Kardec não representa uma divisão estanque e definitiva, sem largas fronteiras entre classes. Deve-se considerar a existência de Espíritos na segunda classe ocupando diversas posições evolutivas, ou seja, não são todos plenamente cientistas, sábios e bondosos, possuem estas características em graus heterogêneos, muitos assim estão na fronteira entre a terceira e segunda classes.
A Escala Espírita apresentada pelo Mestre de Lyon é didática, não enveredemos pelo entendimento de que um Espírito poderia ganhar um galardão definitivo ou um diploma ao adentrar na segunda classe, significando desta maneira serem perfeitos, pois ainda não o são.
Esta talvez seja a razão de se ter dito serem os nossos guias espirituais Espíritos superiores6, fato que causa alguma estranheza imaginar que nós Espíritos medianos possamos ter como anjo guardião: Erasto, São Francisco ou Santo Agostinho, entre outros; na realidade temos Espíritos superiores como guias, mas acreditamos não sejam aqueles bem próximos de serem classificados como puros. Mesmo assim, nossos guias são entidades de grande evolução, capazes de nos orientar com segurança por toda a nossa existência.
Pelo visto, podemos vislumbrar o quanto ainda nos falta para sermos chamados de superiores, contudo, se iniciarmos uma mudança imediata, poderemos rapidamente adentrar a segunda ordem, aquela a abrigar todos os que já deixaram para trás os muitos chamamentos do mundo e já caminham céleres rumo à perfeição.
Referências
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 69ª ed. Brasília: FEB, 1987. Item 111.
2 _____._____. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 54ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. Dissertação de um Espírito sobre o papel dos médiuns – item 225.
3 _____._____. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 69ª ed. Brasília: FEB, 1987. Q. 402.
4 _____._____. O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 54ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. Da influência moral do médium – item 226 – 7ª.
5 _____._____. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 69ª ed. Brasília: FEB, 1987. Q. 578.
6 _____._____. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 1ª edição de bolso. Rio de Janeiro: CELD, 2001. II – Preces por si mesmo – item 11.
O consolador – Artigos