Autor: Jorge Gomes
“É curioso que a maior parte destes Espíritos, que são aqui ajudados, não são propriamente maus, são pessoas normais”, comentava Margarida, médium psicofónica do grupo mediúnico com que colaborava há alguns anos.
A observação é interessante e reflete a realidade observada ao longo de décadas.
Aliás, o próprio Allan Kardec em livros de sua autoria, como O Céu e o Inferno, desdobra considerações certeiras sobre o pós-vida material, e pormenores dessa natureza não ficavam de lado. Análise centrada na valiosa experiência em pesquisa mediúnica que o caracteriza, extrai conclusões importantes qualquer que seja o tempo sob a nossa atenção na história da humanidade.
Como seria de esperar, nas reuniões mediúnicas que se realizam um pouco por todo o planeta esses resultados ressurgem diante de quem estiver atento.
Ainda assim, pensando nos cenários míticos desenvolvidos pelas religiões, desenhava-se um inferno e um céu para a vida que surge depois do corpo material morrer. Vistos como regiões pós-morte do corpo físico em inúmeras culturas ao longo do tempo e do espaço, essas ideias antecedem, e muito, o surgimento do próprio cristianismo. A questão é que esses “sítios”, a existirem, na verdade não estão por fora do ser espiritual, mas, pelo contrário, na prática geram-se dentro da própria consciência, vórtice em que se encontram gravadas as leis perenes que gerem a natureza humana. É de observar que isso pode ocorrer na condição de Espírito encarnado e/ou desencarnado, uma vez que a transferência de plano – material ou espiritual – evidencia um mero processo de continuidade da vida mental de cada um. Uma boa notícia consiste em saber que, no caso do chamado “inferno”, as situações de infortúnio não vão estender-se para sempre, pois todos os que atravessamos esses patamares da vida interior acabaremos por encontrar recursos de melhoria pessoal, com feliz renovação dos objetivos de vida.
Posto isto, ressurge o comentário acima: “a maior parte destes Espíritos, que são aqui ajudados, não são propriamente maus, são pessoas normais”.
Sendo certo que as reuniões mediúnicas em causa servem para ajudar aqueles que partem da vida material distraídos ou comprometidos com a sua própria consciência – no caso sobretudo de já serem capazes de fixar a ajuda que lhes é oferecida –, o comentário foi até traduzido em números para deixar a margem subjetiva das meras suposições. Para conferir, pode ver o póster “Reuniões Mediúnicas: Uma análise estatística”, de onde extraímos esta tabela (1):
A base para esse facto apoiou-se na Escala Espírita. Kardec explica-a num contexto evolutivo em O Livro dos Espíritos, livro segundo, capítulo 1, ponto VI. Nesse quadro destacamos a ordem dos Espíritos imperfeitos e, dentro dela, a classe dos Espíritos neutros. Estes são aqueles que tanto fazem em escassa dimensão tanto o bem como o mal, ou então, sem rigor, nem uma coisa nem outra.
Essa inação espiritual também pode ser conhecida por amorfismo. Este estado vibratório acanhado adormece as usinas espirituais do psiquismo do ser humano, encarnado ou desencarnado, limitando quase ao mero nível da matéria densa as perceções do ser espiritual. É por essa razão que muitos de nós desencarnamos, inclusive espíritas, claro, e ao retomarmos a consciência já na vida espiritual sentimos a deceção que daí pode resultar. Por vezes nem conseguimos ver os amigos ou familiares próximos, desencarnados e esclarecidos, que nos vêm dar as boas-vindas no “regresso a casa” depois da “bolsa de estudo” que é a vida material. Ouve-se dizer que a sementeira é livre, mas a colheita é obrigatória. (2) Quem não cultiva não pode esperar colheita. A vantagem é que este processo se renova em ciclos sucessivos de acordo com a lei do progresso espiritual. Esse facto abre veredas de muita esperança.
Não basta não fazer o mal, necessário é fazer o bem. (3)
O interesse prático de estarmos atentos, no dia a dia, ao que pensamos e sentimos é inegável. Aproveitar o caminho para despertar as usinas afetivas do psiquismo – respaldadas na gratidão pelas bênçãos que a Vida Maior verte a cada minuto sobre os nossos passos, e em que não reparamos apenas porque são abundantes – amplia, por exemplo, a capacidade visual e auditiva do ser espiritual que somos. Olhar a flor que sorri no caminho, o incansável raio de sol e factos afins permite encantarmo-nos mais vezes com a linda escola em que estamos a aprender há já tanto tempo, o planeta Terra.
Os amigos espirituais costumam dar-nos a ideia de que respiramos, mesmo sem sabermos, na atmosfera inesgotável do amor de Deus. Mesmo que o escafandro do egoísmo, do orgulho ou da vaidade nos queiram isolar dessa atmosfera psíquica, o fato artificial criado por nós próprios acabará por se romper e desmantelar, libertando as potencialidades generosas do amor incondicional e da sabedoria, as lições mais básicas que estamos a colher na escola terrena.
Referências
1- Tabela disponível na Internet: clique aqui Eis duas informações com objetivo de facilitar a compreensão do quadro em foco: A duração em minutos foi anotada caso a caso no dia seguinte à reunião mediúnica a partir da gravação em áudio, com começo no início do transe mediúnico e terminando no momento em que a entidade espiritual comunicante é desligada do médium, seguindo com os amigos espirituais que a vieram receber. O número 7 equivale na Escala Espírita aos Espíritos neutros.
2- “Mas, tendo sido semeado, cresce.” – Jesus de Nazaré (Marcos, 4:32).
3- Questão 642 de O Livro dos Espíritos: “… cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.”
Nota
Jorge Gomes, escritor, ex-vice-presidente da Federação Espírita Portuguesa e ex-editor do Jornal de Espiritismo publicado pela ADEP – Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal, da qual é membro, reside na cidade de Porto, Portugal.
O consolador – Artigos