Revista Espírita, março de 1859
Sendo os médiuns os intérpretes das comunicações espíritas, seu papel é extremamente importante, e não se poderia dar mais atenção ao estudo de todas as causas que podem influenciá-los, não somente por si mesmos, mas, também, por aqueles que, não sendo médiuns, se servem de sua intermediação, a fim poderem julgar o grau de confiança que merecem as comunicações que possam receber.
Todo o mundo, dissemos, é mais ou menos médium; mas convencionou-se dar esse nome àqueles nos quais as manifestações são patentes, e, por assim dizer, facultativas. Ora, entre estes últimos, há aptidões muito diferentes: pode-se dizer que cada um tem a sua especialidade. Ao primeiro aspecto, se desenham duas categorias muito nitidamente talhadas: os médiuns de influências físicas, e aqueles das comunicações inteligentes. Estes últimos apresentam numerosas variedades, cujas principais são: os escreventes ou psicógrafos, os desenhistas, os falantes, os audientes e os videntes. Os médiuns poetas, músicos e poliglotas são variedades dos escreventes e dos falantes. Não voltaremos às definições que demos desses diferentes gêneros, mas não queremos lembrar, senão sucintamente, o conjunto, para maior clareza.
De todos os gêneros de médiuns, o mais comum é o dos escreventes; é aquele mais fácil de se adquirir pelo exercício; também é para esse lado que se dirigem, e com razão, os desejos e os esforços dos aspirantes. Eles mesmos apresentam duas variedades que, geralmente, são encontradas em várias outras categorias: os escreventes mecânicos e os escreventes intuitivos. Nos primeiros, o impulso da mão é independente da vontade; ela se move por si mesma, sem que o médium tenha alguma consciência do que escreve, podendo seu pensamento estar em qualquer outra coisa. No médium intuitivo, o Espírito atua sobre o cérebro; seu pensamento atravessa, por assim dizer, o pensamento do médium, sem que haja confusão. Disso resulta, nele, a consciência do que escreve, frequentemente mesmo, uma consciência antecipada, porque a intuição antecede, algumas vezes, o movimento da mão e, todavia, o pensamento expresso não é o do médium. Uma comparação bem simples nos faz compreender o fenômeno. Quando queremos conversar com alguém cuja língua não conhecemos, nos servimos de um intérprete; o intérprete tem consciência do pensamento dos interlocutores, deve compreendê-lo para exprimi-lo, e, todavia, esse pensamento não é o seu. Pois bem! O papel de um médium intuitivo é o de um intérprete entre o Espírito e nós. A experiência nos ensinou que os médiuns mecânicos e os médiuns intuitivos são igualmente bons, igualmente aptos para receberem e transmitirem boas comunicações. Como meio de convicção, os primeiros valem mais, sem dúvida, mas quando se adquiriu a convicção, não há mais preferência útil; a atenção deve se dirigir inteiramente sobre a natureza das comunicações, quer dizer, sobre a aptidão do médium para receber as dos bons e as dos maus Espíritos, e sob esse aspecto diz-se que ele é bem ou mal assistido: aí está toda a questão, e essa questão é capital, porque só ela pode determinar o grau de confiança que ele merece; é um resultado do estudo e da observação para o qual remetemos ao nosso artigo precedente, sobre os escolhos dos médiuns.
A dificuldade, com um médium intuitivo, consiste em distinguir os pensamentos que lhe são próprios dos que lhe são sugeridos. Essa dificuldade existe para ele mesmo; o pensamento sugerido lhe parece tão natural que o toma, frequentemente, pelo seu, e duvida de sua faculdade. O meio para convencê-lo, ele e os outros, é um exercício frequente. Então, no número das evocações nas quais concorreu, apresentar-se-ão mil circunstâncias, uma multidão de comunicações íntimas, particularidades das quais não se poderia ter nenhum conhecimento prévio, e que constatarão, de modo irrecusável, a inteira independência de seu próprio Espírito.
As diferentes variedades de médiuns repousam sobre aptidões especiais, e até o presente não se sabe muito qual lhes é o seu princípio. À primeira vista, e para as pessoas que não fizeram desta ciência um estudo continuado, não parece mais difícil, para um médium, escrever versos que prosa; sobretudo se for mecânico, o Espírito, dir-se-á, pode tão bem fazê-lo escrever numa língua estrangeira, fazê-lo desenhar ou ditar-lhe a música.
Todavia, não é nada disso. Se bem que se vejam, a cada instante, desenhos, versos, música feitos por médiuns que, em seu estado normal, não são nem desenhistas, nem poetas, nem músicos, nem todos estão aptos para produzirem essas coisas. Apesar de sua ignorância, há neles uma faculdade intuitiva, uma flexibilidade que faz deles instrumentos mais dóceis. Foi o que bem expressou Bernard Palissy quando se lhe perguntou por que havia escolhido, para fazer os seus admiráveis desenhos, o senhor Victorien Sardou, que não sabe desenhar; é porque disse, acho-o mais flexível. Ocorre o mesmo com as outras aptidões; e, coisa bizarra, vimos Espíritos se recusarem a ditar versos a médiuns que conheciam a poesia, e dá-los agradável mente a pessoas que não lhe sabiam as primeiras regras; é o que prova, uma vez mais, que os Espíritos têm o seu livre arbítrio, e que é em vão que gostaríamos de submetê-los aos nossos caprichos.
Resulta das observações precedentes, que um médium deve seguir o impulso que lhe é dado, segundo a sua aptidão; que deve tratar de aperfeiçoar essa aptidão pelo exercício, mas que procuraria inutilmente adquirir aquela que lhe falta, ou pelo menos que isso seria em prejuízo daquela que possui. Não forcemos nosso talento, não faríamos nada com graça, disse La Fontaine- podemos acrescentar, não faríamos nada de bom. Quando um médium possui uma faculdade preciosa, com a qual pode se tornar verdadeiramente útil, que se contente com ela, e não procure uma vã satisfação de seu amor-próprio numa variedade que seria o enfraquecimento da faculdade primordial; se esta deve ser transformada, o que frequentemente acontece, ou se deve adquirir uma nova, isso ocorrerá espontaneamente, e não por um efeito de sua vontade.
A faculdade de produzir efeitos físicos forma uma categoria bem talhada, que se alia raramente com as comunicações inteligentes, sobretudo com as de alta importância.
Sabe-se que os efeitos físicos são obrigação dos Espíritos de baixo estágio, como entre nós os grandes esforços dos saltimbancos; ora, os Espíritos batedores pertencem a essa classe inferior; agem, o mais frequentemente, para se divertirem ou vexarem, mas, algumas vezes, por ordem de Espíritos elevados que deles se servem, como nos servimos dos trabalhadores; seria absurdo crer que Espíritos superiores viessem divertir-se fazendo as mesas girarem ou baterem. Servem-se desses meios, dizemos nós, como intermediários, seja com o objetivo de convencerem, seja para se comunicarem conosco, quando não lhes oferecemos outros meios; mas o abandonam no momento que possam atuar por um meio mais rápido, mais cômodo e mais direto, como abandonamos o telégrafo aéreo, desde que tivemos o telégrafo elétrico. Não se devem desprezar os efeitos físicos, porque, para muita gente, são um meio de convicção; oferecem, aliás, um precioso objeto de estudo sobre as forças ocultas; mas é notável que os Espíritos os recusem, em geral, àqueles que que não têm mais necessidade, ou que, pelo menos, não aconselham se ocupar de modo especial. Eis o que escreveu, a esse respeito, o Espírito de São Luís, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
“Zombaram das mesas girantes, não zombarão jamais da filosofia, da sabedoria e da clareza que brilham nas comunicações sérias. Isso foi o vestíbulo da ciência; é aí que, ao entrar, devemos deixar os preconceitos, como se deixa o casaco. Não posso vos convidar muito a fazerem, de vossas reuniões, um centro sério: que em outro lugar façam demonstrações físicas, em outro veja-se, em outro ouça-se, que, entre vós, compreenda-se e se ame. Que pensais ser, aos olhos dos Espíritos superiores, quando fazeis girar uma mesa? Ignorantes. Os sábios passam seu tempo a repassar o a, b, c da ciência? Ao passo que vendo-vos procurarem as comunicações sérias, considerar-vos-ão como homens sérios em busca da verdade.”
É impossível resumir, de modo mais lógico e mais preciso, o caráter dos dois gêneros de manifestações. Aqueles que têm comunicações elevadas, deve-as à assistência dos bons Espíritos: é um sinal de sua simpatia por ele; renunciá-las para procurar os efeitos materiais, é deixar uma sociedade escolhida por outra mais baixa; querer aliar as duas coisas, é chamar, ao redor de si, seres antipáticos, e, nesse conflito, é provável que os bons se irão e os maus permanecerão. Longe de nós desprezar os médiuns de influências físicas; têm sua razão de ser, seu fim providencial; prestam incontestáveis serviços à ciência espírita; mas quando um médium possui uma faculdade que pode colocá-lo em relação com seres superiores, não compreendemos que dela abdique, ou mesmo que deseje outras, de outro modo que por ignorância; porque, frequentemente, a ambição de querer ser tudo, faz que se acabe por não ser nada.