Autor: Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
A sociedade do século XXI enfrenta, globalmente considerada, situações que são comuns a muitos povos, em muitas nações: produção e comercialização, praticamente indiscriminada: de armamento nuclear; terrorismo sob várias e sofisticadas formas, com objetivos diferentes e sempre destruidores; droga que se alastra e consolida numa rede de traficantes e toxicodependentes; doenças cuja cura definitiva dos pacientes e erradicação total do mal estarão longe; desemprego que atinge todos os países, com taxas preocupantes em muitos deles; discriminação sob os mais diversos processos e maquiavélicas formas, desde logo, na distribuição da riqueza, inclusive, da que não foi colocada no mundo por nenhuma pessoa física, grupo ou instituição, que são os recursos naturais; conflitos locais, regionais e internacionais, cujas consequências se refletem mundialmente, com maiores repercussões nos povos mais desfavorecidos e indefesos; deficientes políticas para a saúde, educação, economia, trabalho e assistência social, entre outras.
Elencaram-se, apenas, algumas situações difíceis, sem objetivos pessimistas, bem pelo contrário, acreditando que o Homem, com todo o seu potencial, vai conseguir resolver grande parte dos problemas, no curto e médio prazos, porque estão em causa valores como a segurança, a sustentabilidade de alguns sistemas político-sociais, o bem-estar e felicidade da humanidade, encabeçados pela superior dignidade da pessoa humana.
A realidade atual deve ser analisada com uma perspectiva de esperança na alteração, para melhor, de muitas daquelas situações. Seguramente que o ceticismo, a frustração, o desespero e outros sentimentos negativistas não só não contribuem para resolver os problemas como, eventualmente, podem prejudicar a busca das melhores soluções.
Uma atitude de confiança nas capacidades humanas e no desenvolvimento de boas práticas constitui algumas das estratégias possíveis para se erradicarem do indivíduo, da comunidade e do universo, diversas patologias preconceituosas, que impedem o homem de se manifestar pelo seu lado bom, que lhe será inato. O processo que pode, em grande parte, contribuir para uma sociedade melhor, no sentido da justiça, da paz e do bem-estar coletivos, passa, também, e necessariamente, pela educação e formação éticas.
Na verdade, todo desenvolvimento, progresso, ordem e bem-estar de um povo passam por um processo de educação e formação profissionais, pelo trabalho e pela responsabilidade. De fato, de acordo com normas constitucionais, vigentes em todos os Estados Democráticos de Direito, todo cidadão deve trabalhar, garantindo-lhe o Estado e a comunidade, em situações de normalidade constitucional, o direito à livre escolha da profissão e local para a sua realização.
Concorda-se que: «O livre exercício da profissão cai sob o direito fundamental da livre escolha do gênero e lugar de trabalho. Se se negasse à pessoa humana, de modo radical, o livre exercício de uma profissão, isto equivaleria a uma coação ao trabalho, mesmo quando a escolha da profissão se pudesse realizar livremente. Daqui se segue como norma geral: a) Cada qual pode estabelecer-se onde quiser, isto é, onde julgue encontrar condições apropriadas e convenientes para o exercício de sua profissão ou atividade; (…) b) Cada qual pode exercer a profissão a seu modo» (WELTY, 1966:193-4).
Verifica-se, frequente e persistentemente, uma grande preocupação das comunidades, das organizações corporativistas, liberais, e outras, bem como por parte do indivíduo, particularmente considerado, pela reivindicação de direitos: muitos destes, legítimos, legais e justos; outros, que mais se aproximam da manutenção e/ou atribuição de novos privilégios.
Mas, ainda assim, poucos, muito poucos são aqueles que reivindicam direitos para os que: já não fazendo parte do aparelho produtivo, do exercício de uma autoridade, que estão afastados da vida ativa, por razões diversas, não têm condições para fazer valer os seus direitos, ou alguns deles, ao nível dos direitos humanitários à saúde, ao trabalho, ao conforto e à dignidade.
Nesta situação se colocam milhares de idosos, os desempregados, os sem-abrigo, os marginais, os imigrantes e crianças e jovens em risco. Com exceção das Instituições de Solidariedade Social, Humanitárias, do Voluntariado e outras de defesa dos mais fracos e desfavorecidos, que têm demonstrado que é possível haver mais justiça e solidariedade, muito mais se poderia e deveria fazer ao nível das grandes organizações sindicais, patronais, ordens e do próprio Estado, para promoverem ações que visem acabar com tanta discriminação.
Haverá, porventura, alguma falta de sensibilidade para os valores da solidariedade, da caridade e da entreajuda; alguma ausência de ética para o dever de proteger os mais fracos e discriminados. Interiorizar um conjunto de valores, no domínio da ética social, que conduzam às boas práticas da convivência humana, digna entre cidadãos, que deveriam ter todos o mesmo estatuto de cidadania, poderá ser uma outra estratégia que, apoiada em diversos recursos humanos e financeiros, eliminaria esta chaga social que alastra com o aumento da discriminação e da exclusão social, política, laboral, cívica, religiosa e outras, mais se aproximando de uma “globalização da exclusão”, porque remete milhões de cidadãos, grande parte dos quais já deram, enquanto novos, o seu melhor à sociedade que agora os exclui para os guetos da miséria, do esquecimento e do ostracismo. Não é justo, e quem tem responsabilidades, neste medonho paradigma da exclusão, deverá responder por isso e colaborar, ativamente, na construção de uma nova sociedade da inclusão de todos.
Uma ética societária, que apele para o compromisso do dever e motive para o cumprimento dos deveres sociais de solidariedade, de respeito pela dignidade de toda pessoa humana e recuperação/integração de todos quantos estão excluídos, constitui, no início deste século XXI, um imperativo universal.
Assuma-se, inclusivamente, a Ética no seu sentido pragmático, de boas práticas, porque o importante e decisivo é que todo cidadão interiorize o conceito do dever, como uma boa didática ao serviço daqueles que mais necessitam e já acima identificados.
Uma Ética dos valores religiosos, políticos, sociais, econômicos profissionais e cívicos. Porque a Ética é a «Arte de dirigir as ações do homem para a produção da maior quantidade possível de felicidade em benefício daqueles cujos interesses estão em jogo…» e na medida em que «O princípio de utilidade oferece os critérios pelos quais podemos aprovar ou reprovar as ações humanas. Isto, porque o que determina a aprovação ou reprovação de um ato é a forma como ele contribui para o aumento ou diminuição da felicidade ou do sofrimento dos indivíduos considerados. (BENTHAM, 1978, in PELUSO, 1991:32 e 34.)
A comunidade em geral e o indivíduo em particular devem preparar-se para a construção de uma Nova Ordem Internacional para a Ética e para a Justiça, que imponha a igualdade no respeito pelas diferenças, sem discriminações: sejam privilégios, sejam exclusões negativas, num espírito de solidariedade, cada vez mais abrangente, aceitando, naturalmente, as diferenças entre indivíduos e povos, porque ela é natural e caracteriza cada parte.
A igualdade deve ser estabelecida, precisamente, no que respeita ao relacionamento interpessoal, no acesso às oportunidades e aos bens comuns, porque, no restante, é muito complexo, eventualmente injusto, tratar de forma igual aquilo que é desigual. O conceito de Justiça, a partir do respeito pelas diferenças, pode ser um atributo das democracias modernas.
Logicamente que «As oportunidades devem se estender a todos os membros da sociedade e essa possibilidade deve ser garantida pelas instituições. As maiores expectativas daqueles em melhor situação são justas se, e somente se, funcionam como parte de um esquema que melhore as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade. (…). Nesta perspectiva, o princípio da diferença deve estar sempre presente porque é um princípio de justiça» (SILVA, 2002:51-52).
A sociedade entre os vários grupos, quaisquer que sejam a natureza e os fins, naquilo que favorece o todo, deve revelar-se em todo o processo social, porque se em cada etapa se atingir um bem maior para o maior número, então, no final do percurso: «A uma solidariedade de ser-em-comum corresponderá uma solidariedade de ação-em-comum e uma solidariedade de fim-comum: o fim do Universo ou o bem-comum do Universo» (SILVA, 1966:81).
Bibliografia
PELUSO, L. A. (1991). A Ética Utilitarista como Ciência Social Aplicada: A Visão Engenharial de Jeremy Bentham. In Reflexão, Campinas, PUC-Pontifícia Universidade Católica, Nº 49 Jan./Abr. Pp. 27-47.
SILVA, A., S. J. (1966). Filosofia Social, Évora: Instituto de Estudos Superiores de Évora.
SILVA, K. F. (2002). As Concepções de Justiça segundo Platão e Rawls. In Phrónesis – Revista de Ética, Campinas: PUC-Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Vol. 4 (1) Jan/Jun, Pp. 37-58.
WELTY, E. (1966). Manual de Ética Social III – O Trabalho e a Propriedade. Trad. José da Silva Marques, Lisboa: Editorial Áster.
O consolador – Artigos