Autor: Davilson Silva
“O que fulano tem que eu não tenho?” “Por que beltrano merece, e eu não?” “Faço melhor que sicrano”. Ou o que é pior: “Tomara que ele se dê mal!” Essas e outras expressões partem sempre do sentimento de inveja, um dos mais mesquinhos da criatura humana. Cobiçar ou invejar, entende-se popularmente por crescer o olho grande nas coisas dos outros. O invejoso carrega o verme parasito do orgulho e da vaidade alimentado por ele, a corroer-lhe as entranhas.
A inveja não passa de lastimosa doença da alma, um mal moral. Olho grande ou olho gordo, ou mau-olhado, é a inveja, objeto de escusa de quem do indivíduo invejoso prefere manter-se distante. A inveja é uma energia negativa que, segundo pensam, pode atingir a pessoa, daí se evitar os portadores dessa triste enfermidade a fim de não se envolver com o seu problema.
Esquivar-se ao encontro de alguém com esse tipo de conflito é um ato instintivo. Trata-se de um comportamento maquinal em face de algo que suscita um prenúncio ou indício de alguma ocorrência desagradável, na opinião de muitos. Torna-se impossível alguém de bem com a vida solidarizar-se com a repulsa e a frustração crônicas de uma individualidade negativa. A inveja tem por motivo o desagrado de um desejo ou duma exigência malsucedida.
Entre um grupo consanguíneo, em um escritório, numa fábrica ou em local de reunião política, literária ou mesmo recreativa e também religiosa, não raro, haverá alguém ou alguns que não conseguem conter esse sentimento infeliz da sua existência. No fundo, no fundo, o invejoso julga-se incapaz por não conseguir atingir certo objetivo, um anseio, e esse desejo frustrado bem que pode turvar-lhe o juízo.
Sofre, e não admite
Em hipótese alguma, o invejoso admite ser vítima dos desgostos que sofre; é um tormento mudo; o orgulho e a presunção dele não o permitem. Invejosos não aceitam que sofrem, e jamais confessarão que sentem inveja: ora sentem autopiedade, ora raiva, e o seu rancor, a dó de si mesmo vira desforra, submetendo o invejado a uma pena que vai desde o insulto até um ato execrável de consequências trágicas.
Todavia acontece um fato deveras interessante. O desejo de cobiçar as coisas dos outros ou de ser melhor que eles ocorre em geral junto aos mais próximos do invejoso. O invejoso, em regra, possui árdego desejo de conseguir as conquistas do próximo, e não sente inveja em caráter efetivo de quem está fora do seu alcance como pessoas famosas, as chamadas celebridades. Querer alguém o que ao outro pertence é natural, próprio do ser humano, dizem psicólogos. Segundo eles, um parente, um vizinho, um colega de trabalho, de ideal, de corporação são os que mais sofrem os efeitos da inveja.
É comum existir mesmo essa curiosa conduta entre aqueles do mesmo nível, da mesma comunidade ou de quaisquer grupos. É claro que também há esse tipo de conflito de seguimento diverso e complexo entre membros de uma minoria prestigiada e dominante, constituída de indivíduos mais aptos, mais poderosos, dando como exemplo os da elite empresarial, científica, artística, esportiva, política, militar.
Tipos de invejosos
Consoante pensamos, há quatro tipos de invejosos mais ou menos aproximados: O invejoso light, o invejoso complexado, o invejoso rancoroso e o invejoso tirânico.
Invejoso light: É aquele cuja inveja é moderada. Nele há um pendor para realizar algo ou atingir uma meta que permanecia no íntimo, só lhe faltando coragem de levá-la a efeito ou nunca presumindo que poderia concretizá-la. A inveja, neste caso, impele-o a pôr em prática coisas iguais ou diversas, de preferência melhor que as do invejado, embora este seja mais inteligente, mais habilidoso, mais apto que ele. O invejoso light parece humilde por reconhecer o valor dos outros. No entanto, não se tem certeza do grau de sinceridade, ao enaltecer alguém, quando diz ter-lhe inveja “no bom sentido”. Tenta surpreender, esforça-se por onde se igualar ao objeto de inveja ou por competir com ele em mérito ou qualidade. Se não tiver o talento, a inteligência, a aptidão que imagina ter, corre o risco de fazer-se digno de escárnio.
Invejoso complexado: “Quem sou eu!”, responde, se alguém ressalta nele alguma valia. Como o do primeiro tipo, ele dá ares de respeito, de reverência, de modéstia, mas esses sentimentos lhe são postiços. Não rivaliza como o do tipo anterior, pois, acha-se impotente, incapaz. Sente-se um infeliz, um malsucedido, vê inimigos em toda a parte e costuma acusar a sociedade, a Deus e o mundo pelos malogros; portanto, jamais sentirá o menor desejo de erguer alguém que mereça estímulo, salvo se lhe apeteça um favor, alguma vantagem material. Sem coragem de pôr-se melhor, reconhece-se um coitadinho, prefere permanecer invejoso. Esse tipo, se acaso solerte e tortuoso, isto é, falso e malévolo, e sendo um covarde, costuma juntar-se aos que, como ele, sintam inveja de alguém; tudo pode principiar com o tal do bullying no que se refere a espalhar um apelido, uma fofoca, podendo depois, covardemente, causar sérios danos, prejuízos à vítima, igual aos das categorias a seguir.
Invejoso rancoroso: O invejoso rancoroso é também um complexado. Só que o seu complexo é de superioridade. A sua inveja mórbida não admite o bom êxito, méritos e vantagens do invejado, e como ninguém é perfeito, ele se vale da mínima falha do seu rival para difundir a suspeita e o julgamento irrefletido. Oposto à verdade, à justiça, ele chega a febricitar de tanta inveja e vibra contra o invejado, se este consegue o que ele não conseguiu. Ele também se sente um coitadinho e, ao mesmo tempo, chega a ter ódio de si mesmo, mas logo, por vingança, dirige a energia desse ódio contra quem considera inimigo. Quando oportuno, boicota o objeto de inveja, critica-o satírica e mordazmente, reduze-o a nada. Cínico e sem escrúpulo além de hipócrita e sarcástico, a sua inveja odienta vai desde insinuações maldosas e falsas acusações até um possível ato deplorável.
Invejoso tirânico: Este tipo de invejoso é dos piores. Nele, observa-se defeitos e respostas inerentes aos do tipo anterior. Se exerce um cargo de autoridade ou se desempenha função de liderança, é capaz de usar de suas prerrogativas para oprimir, humilhar o objeto de inveja. Por julgarem-no importante, ele se vê em cima de um pedestal bem alto e, da mesma forma que o invejoso rancoroso, é claro, não aceita a superioridade de ninguém, principalmente, de quem inveja.
Não é inveja
Contudo, pelo fato de a pessoa produzir intelectualmente algo, fabricar alguma coisa ou fazer seja lá o que for, e uma ou mais pessoas fazerem melhor que ele, de modo mais aperfeiçoado, não há inveja nisso; só depende da consciência de cada um. Não podemos ver como invejoso, por exemplo, quem aperfeiçoou o telefone inventado por Graham Bell. Apenas há inveja no momento em que o desejo de fazer a mesma coisa, de pô-la em prática de um modo ou de outro, tenha como causa uma emulação que encerra despeito, amor-próprio ferido, movido pelo ciúme, sentimentos contrários à Lei de Amor e Caridade, oferecida por Mestre Jesus.
Atenção! Ser invejado não quer dizer ser vítima. Lembra-se daquele anúncio transmitido tempos atrás na TV o qual mostrava um garotinho que dizia cantando para o coleguinha: “Eu tenho, você não tem”? O invejado, apesar de legítimos os seus atributos qualitativos, em substância, pode não passar de um vaidoso que desmerece, humilha o próximo, escarnecendo dele com o seu orgulho, explícita ou implicitamente, e isso é falta de amor ao próximo e a Deus.
Alguém me perguntou: “Como nos livramos dos invejosos?” “Livremo-nos antes da inveja”, respondi. Quem sabe, se não estamos incluídos num daqueles tipos de invejosos? Se porventura dissermos publicamente: “não sinto inveja” —cuidado! —, pode ser um indício: quem não é invejoso, não sabe que é; mas, quem é invejoso pensa que não é…
Evitemos falar aquilo que pode atrair inveja. “Não fales de tua sorte a um homem mais desgraçado do que tu”, ressalvava o sábio e vetusto Pitágoras… “A inveja é uma das mais feias e mais tristes misérias do nosso globo”, no parecer do Espírito São Luiz.* Adeptos do Espiritismo sabem como ninguém do tamanho da gravidade desse sentimento que nos distancia de Deus e dos bons Espíritos, sobretudo, confrades e confreiras que escrevem, falam, administram a mídia e as instituições espíritas. Orar e vigiar para não cairmos em tentação, orar pelos que nos perseguem e caluniam, recomendou-nos o Mestre. Neste caso, vigiemos sim nossos pensamentos e sentimentos, orando por nós mesmos, de preferência, antes de orarmos a Deus em favor de algum invejoso que porventura nos importune, nos atormente a proferir calúnias.
* KARDEC, Allan. Revista espírita:jornal de estudos psicológicos. São Paulo: Edicel — Editora Cultural Espírita Ltda., s/d. Ano I, julho de 1858, vol. 7 p. 183.
O consolador – Ano 7 – N 328