Autor: Irmão X (espírito)
É narrado um episódio autêntico que certo orientador do mundo israelita enviou um discípulo, que se notabilizara na interpretação dos Profetas, para determinada cidade, cujos habitantes se chafurdavam em vícios e enfermidades de toda espécie, com a recomendação de prestar-lhes concurso ativo.
Dois lustros correram, e porque as notícias do burgo fossem cada vez mais inquietantes, o guia do povo chamou o enviado, que compareceu, em atitude hierática, mostrando, na túnica lirial e no semblante mortificado de jejuns, a rigorosa observância da Lei.
Às primeiras interpelações ouvidas, respondeu, em tom grave:
– Mestre, para dar exemplo de virtude, retirei-me para o campo, onde todos sabem que existo.
-Compreendo – disse o mentor -, a solidão é necessária para que o pensamento se refaça com a inspiração divina; contudo, sem ligação com as criaturas humanas, é impraticável qualquer obra de auxílio.
E o entendimento continuou:
– Para não errar, vivo em completo mutismo, no fervor da oração.
– Medida essencialmente importante, mas, ainda que tenhamos de aprender em duras experiências, é preciso falar para que o bem seja feito.
– Expondo a pureza dos meus sentimentos, visto-me exclusivamente de branco…
– Costume honroso; no entanto, isso não deve impedir que nossa roupa se manche no trabalho de ajuda aos outros, para ser novamente lavada em momento oportuno.
Minhas refeições são apenas de ervas.
– Hábito excelente; contudo, para trazer o corpo em condições de servir, é importante não desertar dos sistemas da alimentação comum, embora seja nossa obrigação garantir a simplicidade e fugir aos desregramentos, usando a carne, o leite, os ovos, as folhas, os frutos e as raízes dos animais e das plantas, tão somente na quota indispensável à manutenção da existência.
– Durmo sem qualquer agasalho, fustigando as tendências inferiores…
– Louvável propósito, mas, na preservação da saúde orgânica, é justo repousar, nos moldes em que os outros descansam, a fim de que a vida no corpo nos ofereça rendimento para o melhor.
– Faço, porém, muito mais… Tenho o leito eriçado de pregos, castigando a volúpia da carne…
– Nobre intento, sem dúvida… Entretanto, vale mais combater a nós mesmos, na prestação de serviço ao próximo, para que a nossa luta não seja vã…
Silenciando o pupilo, indagou o chefe:
– E a tarefa de que te incumbiste?
– Mestre – replicou o mensageiro, desapontado -, sinceramente devo dizer que os cuidados na apresentação da virtude me tomam o tempo todo…
Nisso, belo cavalo de alvo pelo entrou no átrio da casa, conduzindo pobre ferido, cujas últimas energias o deserto esgotara…
O velho orientador comandou as providências iniciais de socorro e, trazendo o discípulo à frente do soberbo animal que escarvava o solo, falou com bondade:
– Pois olha, meu filho, este cavalo igualmente mora no retiro da Natureza, não se expressa em linguagem humana, veste-se todo em cabelos cor de neve, come apenas a erva do chão, dorme ao relento, é calçado de cravos perfurantes e não passa de um cavalo… Mesmo assim, é o companheiro dos viajantes fatigados e, ainda agora, acaba de arrebatar um mercador prestimoso à sepultura de areia…
Em seguida, demandou o interior para confortar o recém-chegado, deixando o aprendiz a meditar quanto à vontade da virtude vazia.
Nota
O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.
Obra completa: https://www.febeditora.com.br/contos-desta-e-doutra-vida