Autor: Arthur Bernardes de Oliveira
Entre os árabes existe uma expressão (Macktub) que define o tipo de pensamento que predomina entre eles a respeito do homem e de seu destino. Segundo eles, tudo está escrito. Há uma determinação superior que governa nossos passos. Tudo está previsto, tudo predeterminado. É a doutrina do fatalismo, do determinismo.
Interessante que na vida tudo parece conduzir para esse tipo de entendimento. Havia um dito popular, quando eu era menino, que expressava bem esse pensamento. Costumava-se dizer que “quem nasce para tostão nunca chega a mil réis”. O ditado é antigo, por isso a presença de uma moeda que os mais jovens não chegaram a conhecer.
Quantas vezes ocorre a um indivíduo salvar-se de um acidente para imediatamente cair em outro. Quanta luta, às vezes, sem resultado nenhum. O problema é tão sério que Kardec não se furtou a examiná-lo buscando a orientação dos Espíritos superiores, conforme se vê nas questões 851 a 867 e nas questões 525 a 540 de O Livro dos Espíritos.
Recordando: a doutrina do fatalismo é a que admite que o curso da vida humana esteja, em graus e sentidos diversos, previamente fixado, sendo a vontade ou a inteligência impotentes para dirigi-lo ou alterá-lo. Quer dizer: quem nos criou já nos traçou um roteiro e nada contra esse roteiro podemos fazer. Seríamos, segundo essa teoria, meros robôs, sem direitos e sem vontade, cumprindo um papel para o qual não fomos sequer consultados.
Indaga-se: é a doutrina do fatalismo absolutamente falsa? Estamos ou não estamos sujeitos a determinadas ocorrências contra as quais nada podemos fazer? Essa a questão.
O livre-arbítrio
Segundo a Doutrina Espírita nós somos dotados por Deus do direito de decidir, por nós mesmos, o caminho que vamos seguir. Agimos de acordo com a nossa consciência e segundo a nossa vontade. Somos livres para fazermos o que quisermos, mas somos igualmente responsáveis pelas conseqüências do que fizermos. Quando Deus nos criou, deu-nos a todos uma mesma origem e estabeleceu para todos a mesma destinação. Para todos: o progresso final, a perfeição possível.
Da origem ao objetivo final, há um caminho a percorrer. Esse caminho é construção nossa. Não importa o tempo que iremos levar nessa construção. A vida não tem pressa. O certo é que existe aí uma fatalidade: Todos iremos chegar lá, um dia. Nessa caminhada, nós nos ferimos a nós mesmos e ferimos aos nossos companheiros de jornada. Feridas que precisam ser cicatrizadas. Doenças que precisam ser tratadas. É a intensidade dos ferimentos e a gravidade das doenças que dirão do tempo e da forma do tratamento a que seremos submetidos. Como se vê, o nosso livre-arbítrio cria um tipo de fatalidade para nós. Pelo livre-arbítrio, cometemos erros, ferimos o próximo, semeamos discórdias, desequilíbrios, doenças. Esses ferimentos, esses desequilíbrios terão que ser tratados fatalmente.
Escolha das provas
Os erros cometidos, quando estagiamos pelo planeta, terão que ser corrigidos através de nossa experiência no planeta. Não é justo que outros venham retirar os espinhos que nós semeamos pelos caminhos. Fazemos isso por meio da reencarnação. É através delas que vamos curando as feridos que fizemos no próximo e tratando as que fizemos em nós mesmos. Esse tratamento é doloroso. Doloroso e demorado, porque essencial ao nosso aprendizado. Para que os erros não voltem a acontecer, não se repitam.
As reencarnações são programadas. Projetam uma tarefa a se cumprir, num tempo determinado. Quando nascemos, trazemos a provisão de fluido vital necessário ao cumprimento da tarefa. Tal qual o oxigênio que o mergulhador carrega no seu escafandro para suportar o trabalho no fundo do mar. Esgotado o oxigênio, o mergulhador tem que subir, vir à tona. Esgotado o fluido vital, o Espírito encarnado tem que voltar à sua condição de Espírito: é a morte.
O tratamento das nossas doenças, enquanto encarnados, é feito em etapas preestabelecidas. E tem um tempo de alta, tempo em que o tratamento parece concluído. Às vezes, são necessárias várias encarnações para que a saúde volte a ser plena. Durante o tratamento (a encarnação) nós podemos cometer outros erros. Acumular novos débitos. Criar novas fatalidades futuras.
A escolha das provas é feita com a nossa participação. Escolhidas, elas acontecerão. Quando fazemos a escolha, nós nos criamos certa fatalidade que culmina com a única fatalidade definitiva: a morte. Os Espíritos não deixam dúvidas, quando dizem: “Fatal no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou de outra, a ele não podeis furtar-vos”.
Então, como ficamos? Existe ou não a fatalidade?
A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie de destino, que é a conseqüência mesma da posição em que vem a achar-se colocado. Falamos das provas físicas, pois que, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. (Questão 851)
E por que há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem? – São, talvez, provas que lhes caiba sofrer e que elas escolheram, mas, muitas vezes, são simples conseqüências de suas próprias faltas; de sua imprudência ou imprevidência ou irresponsabilidade.
Pode-se entender que se não for a hora, qualquer que seja o perigo que nos ameace, nós não morreremos? – Sim, assim é: temos milhares de exemplos disso, todos os dias.
Então não precisamos de cuidados médicos quando a saúde se abala! Se não for a hora a gente não morre mesmo. – Negativo: são as precauções tomadas que nos são sugeridas com o objetivo de evitar a morte que nos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não se dê.
O consolador – Ano 1 – N 48