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Algumas cogitações sobre fatalidade, livre-arbítrio e outros dilemas

Autor: Jorge Hessen

No dia 25 de janeiro de 2012, três prédios ruíram na Rua Treze de Maio, no Rio de Janeiro, e dezenas de pessoas desencarnaram sob os escombros. Existem casos terríveis de mortes coletivas narradas pelo jornal, revista, rádio, televisão e internet…

Como apreender a magnanimidade da Bondade de Deus e o ensinamento do Cristo, ante as trágicas mortes coletivas, a exemplo das ocorridas em l961, naquele patético incêndio do “Gran Circus Norte-Americano”, em Niterói? Como compreender os óbitos registrados no terremoto que atingiu a cidade histórica de Bam, no Irã, no final de 2003? Como explicar o acidente com o Boeing da Flash Airlines, que ocorreu no Egito, provocando a morte de 148 pessoas que estavam a bordo daquela aeronave, em 3 de janeiro de 2004? Qual o significado dos que foram tragados pelas águas do Tsunami, tragédia cujas dimensões deixaram o mundo inteiro consternado? O que pensar, ainda, sobre o naufrágio do Titanic, transatlântico que transportava cerca de 2.200 pessoas? O que dizer das quase 3.000 vítimas decorrentes do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, a 11 de setembro de 2001? Como interpretar esses destinos?

No dia 17 de julho de 2007, ocorreu aquele acidente aéreo com o Airbus da TAM, que se chocou contra um prédio da empresa, ao lado do Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo. Parecem-nos evidentes episódios de resgates coletivos. Quanto aos parentes mais próximos das vítimas de tais tragédias, como inseri-los no contexto dos fatos? Pela lógica da vida, eles (os parentes, sobretudo os pais), muitas vezes, foram cúmplices de delitos lamentáveis no passado, e, por isso, necessitam passar por essas penas, entronizando-se, aqui, a ideia de que o acaso não existe na concepção espírita.

Para as tragédias coletivas, somente o Espiritismo tem as respostas coerentes, profundas e claras, que explicam, esclarecem e, por via de consequência, consolam os corações humanos, perante os ressaibos amargosos dessas situações. O fato é que nós criamos a culpa, e nós mesmos formatamos os processos para extinguir os efeitos.

Muitos desses acertos de contas são demonstrados pelos Espíritos, em diversas obras da literatura espírita. André Luiz narra um desastre aéreo, em que o piloto, confuso pelo denso nevoeiro, não pôde evitar o choque da grande aeronave, espatifando-se contra a montanha. Neste caso, um instrutor espiritual comenta que “as vítimas certamente cometeram faltas em outras épocas, atirando irmãos indefesos da parte superior de torres altíssimas para que seus corpos se espatifassem no chão; suicidas que se lançaram de altos picos ou edifícios, que por enquanto só encontraram recursos em tão angustiante episódio para transformarem a própria situação”. (1)

Autores espirituais explicam, a respeito desse assunto, que indivíduos envolvidos em crimes violentos, no passado e, também, no presente, a lei os traz de volta, por terem descuidado da ética evangélica. Retornam e se agrupam em determinado tempo e local, sofrendo mortes acidentais de várias naturezas, inclusive nas calamidades naturais. Assim, antes de reencarnarmos, sob o peso de débitos coletivos, somos informados, no além-túmulo, dos riscos a que estamos sujeitos, das formas pelas quais podemos quitar a dívida, porém, o fato, por si só, não é determinístico, até porque dependem de circunstâncias várias em nossas vidas a sua consumação, uma vez que a lei cármica admite flexibilidade, quando o amor rege a vida e “o amor cobre uma multidão de pecados”. (2) 

Situações instigantes 

Existem outras situações instigantes, legítimos dilemas morais. Sem fugir do tema, porém permitindo-nos uma digressão sobre as narrativas acima, interpolamos situação equivalente, considerando o livre-arbítrio e o fatalismo histórico. Escrevemos recentemente sobre uma pesquisa realizada pela Universidade de Michigan (EUA). Foi empregado um ambiente virtual com todas as imagens, sons e consequências das ações dos voluntários, incluindo os gritos de desespero daqueles seres virtuais cujos destinos (mortes) seriam traçados pelos voluntários. O ambiente cibernético apresenta-se com um trem se dirigindo para uma passagem estreita onde estão cinco pessoas que não têm como sair do seu caminho. Só os participantes têm a possibilidade de redirecionar o trem para outra passagem, onde só há uma pessoa que não conseguirá escapar. Acionaríamos ou não a alavanca para mudar o trem de rota?

Considerando essa experiência fatalística, construamos o seguinte cenário: estamos conduzindo um automóvel e nos defrontamos com situação bem real de atropelarmos um grupo de crianças, entretanto, em frações de segundos, podemos desviar o trajeto do veículo e entrechocar-nos com apenas uma criança. Será que optaríamos por desviar o veículo rumo à única criança para preservar a vida do grupo? Sabemos ser uma situação embaraçosa, porquanto estamos diante de duas soluções extremas, ambas trágicas, o que redundará terrível perplexidade para uma opção. Eis aí um dilema penoso perante o mandamento “não matarás”. Sabemos que é muito delicado e improvável tal episódio, mas se verdadeiro, como resolver? Não desviar do grupo de crianças para preservar apenas uma vida? Será que violaríamos uma regra moral considerando a escolha entre “um mal maior e um mal menor?”. E se a única criança fosse nosso filho?

Podemos por nossa vontade, intenções e por nossos atos, fazer que não ocorram eventos que deveriam verificar-se, se essa aparente mudança tiver cabimento na sequência da vida que escolhemos. “Para fazer o bem, como nos cumpre – pois que isso constitui o objetivo único da vida – é-nos facultado impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a produção de um mal maior.” (3)

Carlos David Navarrete, coordenador do experimento de Michigan, descobriu que o mandamento divino “não matarás” foi esmagado literalmente pelos participantes, pois 90% dos voluntários acionaram várias vezes a chave para mudar o trem de rota, decidindo quem deveria morrer, tendo como justificativas o jargão: “um mal menor” é “melhor” do que “um mal maior” (!…) (4)

Cremos que estamos diante de situação funesta e fatalística, mas, será que existe fatalidade nos acontecimentos da vida? Os fatos de nossa existência estariam, assim, irremediavelmente traçados? 

Não somos fantoches ante os fatalismos 

A fatalidade, como comumente é percebida, supõe deliberação precedente e irrevogável de todos os episódios da vida, qualquer que seja a gravidade deles. Mas, se tal fosse a ordem das coisas, seríamos quais fantoches destituídos de anseios. De que nos serviria a inteligência, desde que houvéssemos de estar inexoravelmente dominados, em todos os nossos atos, pela força do destino?

A Doutrina Espírita elucida que “semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral, já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem nem mal, crimes ou virtudes”. (5) No entanto, a fatalidade não é uma palavra sem sentido. Existe na disposição que ocupamos na Terra e nas funções que aqui cumprimos, em decorrência do modo de vida que escolhemos como prova, expiação ou missão.

Padecemos inevitavelmente todas as atribulações dessa existência e todas as tendências boas ou más que nos são intrínsecas. Aí, porém, finaliza a fatalidade, pois da nossa vontade depende ceder ou não a essas tendências. As particularidades dos acontecimentos, essas ficam subordinadas às circunstâncias que criamos pelos nossos atos, sendo que nessas ocorrências podemos ser influenciados pelos pensamentos que os Espíritos sugerem. Há fatalidade, por conseguinte, nos episódios que se apresentam, por serem estes consequência da escolha que fazemos. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser-nos possível, pela nossa prudência, modificar-lhes o curso. “Quanto aos atos da vida moral, esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.” (6)

Considerando as situações funestas da Terra, o ser humano adquire mais experiência e mais energias iluminativas no cérebro e no coração, para defender-se e valorizar cada instante de sua vida. Com as verdades reveladas pelo Espiritismo, compreende-se, hoje, a justiça das provações, entendendo-as como sendo uma amortização de débitos de vidas pregressas.

Nossos registros históricos pelas vias reencarnatórias muitas vezes acusam o nosso envolvimento em tristes episódios, nos quais causamos dor e sofrimento ao nosso próximo. Muitas vezes, em nome do Cristo, ateamos fogo às pessoas, nos campos, nas embarcações e nas cidades, num processo cego de perseguição aos “infiéis”. Com o tempo, ante os açoites da consciência, deparando-nos com o remorso, rogamos o retorno à Terra pelo renascimento físico, com prévia programação, para a desencarnação coletiva, em dolorosas experiências de incêndios, afogamentos e outras tantas situações traumáticas para aliviar o tormento que nos comprime a mente.

Ao reencarnarmos, atraídos por uma força magnética (sintonia vibratória), consequente dos crimes praticados coletivamente, reunimo-nos circunstancialmente e, por meio de situações drásticas, colhemos o mesmo mal que perpetramos contra nossas vítimas indefesas de antanho. Portanto, as faltas coletivamente cometidas pelas pessoas (que retornam à vida física) são expiadas solidariamente, em razão dos vínculos espirituais entre elas existentes. Destarte, explica Emmanuel: “na provação coletiva verifica-se a convocação dos Espíritos encarnados, participantes do mesmo débito, com referência ao passado delituoso e obscuro. O mecanismo da justiça, na lei das compensações, funciona então espontaneamente, através dos prepostos do Cristo, que convocam os comparsas na dívida do pretérito para os resgates em comum, razão por que, muitas vezes, intitulais doloroso acaso às circunstâncias que reúnem as criaturas mais díspares no mesmo acidente, que lhes ocasiona a morte do corpo físico ou as mais variadas mutilações, no quadro dos seus compromissos individuais”. (7)

Embora muitos acidentes nos comovam profundamente, seriam as tragédias suficientes para o resgate de crimes cruéis praticados no pretérito remoto? Estamos convencidos de que não, muito embora as situações – como essa vivenciada no dia 17 de julho de 2007 – nos levem a questionar, como, por exemplo: Por que esses acontecimentos funestos que despertam tanta compaixão? Seria uma Fatalidade? Coisa do destino? Que conceitos estão nos desenhos semânticos dessas palavras? 

Só o momento da morte é fatal 

Para o espírita “fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte” (8), pois, como disseram os Espíritos a Kardec: “quando é chegado o momento de retorno para o Plano Espiritual, nada “te livrará” e frequentemente o Espírito também sabe o gênero de morte por que partirá da Terra”, “pois isso lhe foi revelado quando fez a escolha desta ou daquela existência”. (9) Mais ainda: “Graças à Lei de Ação e Reação e ao Livre-Arbítrio, o homem pode evitar acontecimentos que deveriam realizar-se, como também permitir outros que não estavam previstos”. (10) A fatalidade só existe como algo temporário, frente à nossa condição de imortais, com a finalidade de “retomada de rumo”. Fatalidade e destino inflexível não se coadunam com os preceitos kardequianos. Quem crê ser “vítima da fatalidade” culpa somente o mundo exterior pelos seus erros e se recusa a admitir a conexão que existe entre eles.

O homem comum, nos seus interesses mesquinhos, não considera a dor senão como resgate e pagamento, desconhecendo o gozo de padecer por cooperar, sinceramente, na edificação do Reino do Cristo. Aquele que se compraz na caminhada pelos atalhos do mal, a própria Lei se incumbirá de trazê-lo de retorno às vias do bem. O passado, muitas vezes, determina o presente que, por sua vez, determina o futuro. “Quem com ferro fere, com ferro será ferido” (11), disse o Mestre. Porém, cabe uma ressalva, nem todo sofrimento é expiação. No item 9, cap. V, de O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec assinala: “Não se deve crer, entretanto, que todo sofrimento por que se passa neste mundo seja, necessariamente, o indício de uma determinada falta: trata-se, frequentemente, de simples provas escolhidas pelo Espírito para sua purificação, para acelerar o seu adiantamento”. (12) São claras as palavras do Codificador.

Não estão corretos aqueles que generalizam e afirmam que todo sofrimento é resultado de erros praticados no passado. O desenvolvimento das potencialidades – a subida evolutiva – requer trabalho, esforço, superar desafios. Neste caso é a provação, e, não, a expiação, ou seja, são as tarefas a que o Espírito se submete, a seu próprio pedido, com vistas ao seu progresso, à conquista de um futuro melhor.

Dentro do princípio de Causa e Efeito, quem, em conjunto com outras pessoas, agrediu o próximo não teria que ressarcir o débito em conjunto? É esse o chamado “carma coletivo”. (13) Toda ação que praticamos, boa ou má, recebemos de volta. Nosso passado determina nosso presente, não existindo, pois, favoritismos, predestinações ou arbítrios divinos. A doutrina espírita não prega o fatalismo e nem o conformismo cego diante das tragédias da vida, mesmo das chamadas tragédias coletivas. O que o Espiritismo ensina é que a lei é uma só: para cada ação que praticamos, colheremos a reação.

O importante para os que ficam por aqui, na Terra, para que tenham o avanço espiritual devido, é não falir pela lamentação, pela revolta, pois “as grandes provas são quase sempre um indício de um fim de sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, desde que sejam aceitas por amor a Deus”. (14) 

Em suma 

Diante do exposto, afirmamos que a função da dor é ampliar horizontes, para realmente vislumbrarmos os concretos caminhos amorosos do equilíbrio. Por isto, em presença dos compromissos cármicos, em expiações coletivas ou individuais, lembremo-nos sempre de que a finalidade da Lei de Deus é a perfeição do Espírito, e que estamos, a cada dia, caminhando nesta destinação, onde o nosso esforço pessoal e a busca da paz estarão agindo a nosso favor, minimizando ao máximo o peso dos débitos do ontem.

Referências

1.       Xavier, Francisco Cândido. Ação e Reação, Cap. XVIII, RJ: Ed. FEB, 2005.

2.       Cf. Primeira Epístola de Pedro, Cap. 4:8.

3.       Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB 2001, síntese das questões. 851, 860, 861 e 866 e 872.

4.       Disponível em <http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=dilema-moral&id=7205&nl=nlds.> acessado em 15 de janeiro de 2012.

5.        Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB 2001, síntese das questões. 851, 860, 861 e 866 e 872.

6.       idem, síntese das questões. 851, 860, 861 e 866 e 872.

7.       Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, RJ: Ed. FEB, 2002, Perg. 250.

8.       Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed. FEB, 1979, pergs. 851 a 867.

9.        Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed. FEB, 1979, pergs. 851 a 867.

10.     Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed. FEB, 1979, pergs. 851 a 867.

11.     Cf. JOÃO. 18:11.

12.     Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, item 9, cap. V.

13.     A palavra karma é oriunda da raiz sânscrita “kri”, cujo significado é ação. Karma é, portanto, Lei de Causa e Efeito, ou ainda, de acordo com a terceira lei de Newton, conhecida como o “princípio da ação-e-reação”, que diz: “a toda ação corresponde uma reação, com mesma intensidade, mesma direção, mas de sentido contrário”. E o Cristo, ao recolocar a orelha do centurião romano, decepada pela espada de Pedro, sentenciou: “Pedro, embainha tua espada, pois quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Podemos notar, aí, dois enunciados da mesma Lei de Ação e Reação: um, de maneira científica e, outro, de modo místico. O vulgo diz: “Quem semeia vento, colhe tempestade”.

14.     Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, RJ: Ed. FEB, 1989, Cap.14.

O consolador – Ano 5 – N 248

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