Autora: Eugênia Pickina
Não é a carne e o sangue, e sim o coração que nos faz pais e filhos
Schiller
Em famílias sem disfunções graves, o natural é que ninguém ocupe o posto permanente de “filho favorito”. Certo?
Mas, na casa da Marcela, uma amiga da faculdade, o filho primogênito era desde o nascimento o favorito. Todos sabiam disso abertamente. A lógica familiar era dirigida por um indisfarçável rivalidade entre os irmãos.
A literatura científica e os exemplos da vida real revelam que o favoritismo é comum, infelizmente. Em 2015, por exemplo, o Centro de Pesquisas Familiares da Universidade de Cambridge publicou um relatório no qual o favoritismo dos pais reconhecido pelos filhos aparecia como um dos principais fatores do distanciamento e ressentimento entre irmãos na vida adulta.
Para os pais que têm os filhos pequenos há maneiras de evitar o favoritismo?
Lembrando que todos os filhos precisam se sentir amados e valorizados por si mesmos, uma parentalidade mais equânime pressupõe os pais evitarem no dia a dia comparações. Além disso, para aqueles que têm um “filho favorito”, respirar fundo e procurar entender a diferença entre “filho favorito” e “o filho com quem sinto mais afinidade e por quê”… Essas reflexões ajudam a correção da atitude inconsciente de dar destaque a um filho em detrimento dos outros, criando rivalidade e feridas psíquicas no organismo familiar.
De outro lado, se os filhos falam abertamente sobre quem é o favorito, é muito importante os pais discutirem esse tema, pois as histórias que os filhos contam a si mesmos sobre o valor que têm aos olhos dos pais podem ser agradáveis ou demolidoras.
Uma sugestão que funciona? Tentar no dia a dia colocar em prática junto aos filhos o lema “nada de favoritos”. É preciso reprimir com determinação nosso impulso natural de polarizar e, como pais, nós nos educarmos para aceitar e conviver de modo empático com as diferenças.
Por fim, ler e reler o trecho abaixo do poeta Khalil Gibran tanto fortalece uma parentalidade positiva quanto corrige o favoritismo:
Vossos filhos não são vossos filhos:
são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós,
e embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis doar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos;
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis
fazê-los como vós,
porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados
como flechas vivas.
Notinha
A posição de “filho favorito” também não é fácil. Esse tratamento preferencial tem um alto custo: muitas vezes, a negociação de seu próprio projeto vital. Ainda, é comum que o filho que detenha o posto privilegiado desenvolva uma personalidade imatura, baixa autoestima e pouca tolerância à frustração.
O consolador – Ano 13 – N 663 – Cinco-marias