fbpx

Gabriel D’Annunzio

No mundo das letras italianas há um nome que, pelo seu indiscutível valor, conseguiu atravessar as fronteiras da grande pátria de Dante e projetar-se nos demais países: Gabriel D’Annunzio. 

D’Annunzio, Espírito já muito trabalhado em várias existências, tendo-se dedicado em cada uma delas a determinadas facetas da cultura e da arte, e, tendo palmilhado os mais diversos palcos da Civilização, onde predominavam as luzes e as sombras próprias de cada uma delas, entrou, portanto, nesta nova existência, com tendências, aptidões, cultura, heroicidade, amor, delicadeza, fé e energia tão marcantes, que lhe emprestavam uma fisionomia dificilmente compreendida pelos seus contemporâneos, imbuídos ainda de ideias e pensamentos muito aquém dos pensamentos superiores e das ideias arejadas desse Espírito. 

Dizem que soube viver as existências mais diversas e daí o encontrar-se nele, mescladas, “a natureza do vate e a do político, a do entusiástico apologista da beleza e a do soldado irrepreensível, a do reformador do espírito juvenil, do prodigioso inventor de alegorias e a do observador mais arguto, assíduo e vigilante”. 

Não é de admirar, pois, não fosse bem compreendido, mas, como Espírito superior sofria, calma e serenamente, muitos ataques, muitas injustiças e, quiçá, difamações. 

Conta-se que, por ocasião do nascimento de Gabriel D’Annunzio, seu avô materno, Dom Filipe de Benedictis, então presente, “quis enrolar nas faixas do garoto 400 liras, em piastras de prata, para que o recém-nascido entrasse na vida com uma boa couraça de escudos”. 

A esse propósito, Mário Giannantoni, ao traçar a sua biografia, teve estas palavras muito sugestivas:

“Armadura frágil, em verdade, e que se quebraria já nos mais tenros anos, cedendo o lugar à outra, à que devia resistir aos embates mais rudes do destino: a couraça da vontade.”

Efetivamente, D’Annunzio era dotado de indomável força de vontade, característica própria, aliás, de todo Espírito evoluído.

Logo ao nascer, sua mãe – Luísa D’Annunzio –  teve ocasião de pronunciar estas palavras proféticas:

“Nasceste em Março e em sexta-feira. Que grandes feitos não praticarás no mundo?”

Já moço, quando então se exilara em França, teve ensejo de conhecer e visitar Madame Mathieu, que outra não era senão “médium”, embora a denominassem de velha feiticeira. Essa médium lhe anunciou que um dia ele haveria de ser como um rei. E realmente D’Annunzio imperou como um rei na Literatura. “Na Itália ninguém produziu, em matéria de beleza, de pensamento e de poesia, a décima parte do que nos legou Gabriel D’Annunzio!”

Esse grande poeta trouxe de vidas anteriores, evidentemente, um acentuado apego à língua latina. 

Mas, possuía D’Annunzio o dom mediúnico?

Sem dúvida que sim. Citaremos algumas passagens de sua vida e por meio delas vamos capacitar-nos de que ele, talvez conscientemente, percebia a influência direta dos amigos desencarnados, quando escrevia seus magistrais poemas. Alimentava a convicção da existência do Além, onde os Espíritos, já libertos de seus corpos somáticos, continuam agindo, pensando, trabalhando, progredindo e auxiliando os que, enclausurados em corpos de carne, aqui na Terra, cumprem suas tarefas.

Em sua obra “Faville”, encontram-se estas sensatas palavras: 

– “Afirmo que o não aceitar o Além é blasfêmia das mais ultrajantes a Deus e aos homens.”

Portanto, D’Annunzio estava convicto da existência desse outro plano onde os Espíritos desencarnados continuam vivendo.

O retrato dessa figura extraordinária, que é Gabriel D’Annunzio, encontra-se no seguinte trecho de uma de suas cartas, por meio do qual se percebe como todas as suas conquistas, em existências outras, estudavam agora, cheias de intensa vida em sua alma “atormentada, insatisfeita e insaciável”:

“É fatal que eu tenha de viver sempre assim, numa agitação e desassossego constantes, indescritíveis, opresso por mil desejos, dilacerado pelo amor, torturado pela arte, louco, visionário, a levar entre a multidão impassível o coração palpitante, a procurar como por fatalidade novos tormentos em coisas novas. Vivo na desordem; trabalho com o ardor com que desembainho a espada, mergulho em torpor prolongado e exaustivo, enervo-me na penumbra macia dos salões ou aspiro avidamente o ar livre, a fúlgida luz – pródigo, perdulário, temerário, generoso, afetuoso, alegre ou triste conforme as horas, indomável, indômito … “

Em seu diário “Beffa di Buccari” consta esta interessante anotação:

“Esta misteriosa ventura que me enche o coração, só a posso atribuir à presença de uma alma que deixou o seu envoltório material, dormindo à sombra dos ciprestes e das amendoeiras dum outeiro ameno dos Abruzzos.”

Referia-se o poeta ao Espírito de sua mãe, que fazia sentir a sua presença junto dele, e tão intensamente que em seu livro “Faville Involate”, exclamava: “Comunhão mística e viva: a mãe é o filho; o filho é a mãe.” 

Mas, atentemos para este caso, por ele mesmo descrito: “Trabalhava continuamente de pé, na minha tragédia dos Malatestas, catorze horas a fio. Com a fronte em chamas, sentara-me, apoiando os cotovelos nos joelhos e a cabeça nas mãos. E fechara os olhos, para ver Malatestino, para criar em mim a sua figura de carne e osso, para inventar o seu verdadeiro aspecto, no momento em que o cega a pedrada ao forçar a Torre Galassa. 

Do sangue acumulado nas minhas circunvoluções cerebrais a imagem saltou de súbito, completa e tão viva e tremenda, que, para a banir, abri os olhos. E saindo- me do cérebro, a minha personagem surgiu aos meus olhos, firmada nas pernas arqueadas de cavaleiro; trespassou- me com a verruma negra da única pupila, ameaçou-me com um olhar que o ferimento fazia mais torvo, como se ele conservasse o olhar da coragem até no fundo da lesão: Malatestino.

“Mettetemi una fascia e datemi da bere e a cavalo, a cavalo”

(Ponde-me uma atadura, matai-me a sede e a cavalo, a cavalo!)

E diz então o poeta que, “alucinado, dominado pela visão, não pôde conter um grito… “

Isto quer dizer que o Espírito de Malatestino, por força de sua invocação, materializou-se, contrariado, diante de seus olhos, e ele pôde, assim, observar com a precisa nitidez aquela figura cuja tragédia, no justo momento, estava descrevendo. Foi quando D’Annunzio ouvira então as palavras proferidas pelo Espírito: “Ponde-me uma atadura, matai-me a sede… “

Gabriel D’Annunzio achava que todas as religiões tinham um fundamento comum. É inegável que jamais professou um credo ortodoxo. Seu espírito não podia, de forma alguma, para agradar e satisfazer a simples e esdrúxulas convenções sociais e religiosas, submeter-se a práticas e rituais que o escravizassem, fazendo silenciar sua alma dos elevados sentimentos de puro e nobre amor fraternista. Sua concepção acerca das coisas espirituais transcendia à craveira dos dominantes princípios religiosos. “Ele era cristão, profundamente cristão, no amor ao próximo, na sede infinita de beleza!”

Finalizaremos nosso rápido escorço sobre a vida e a obra de Gabriel D’Annunzio, mostrando como seu Espírito, nessa nova romagem terrena, rememorava facilmente o idioma francês, dominando-o completa e integralmente. 

Com apenas poucos meses de estudo, tornou -se senhor dessa língua, a ponto de causar espanto aos homens de letras da lendária França.

E isso não será, indiscutivelmente, um fato positivo ·e insofismável de pura reminiscência? Não é um atestado eloquente da lei reencarnacionista?

A seguir, e em resumo, vamos repetir o que a esse respeito nos conta Mário Giannantoni:

“o Poeta partiu para Paris, em Abril de 1910, onde seu espírito, trabalhando, se conforta dos ultrajes injustos das medíocres misérias do destino.

“Dentro de pouco tempo resolveu D’Annunzio escrever “O Martírio de S. Sebastião”, em ritmo francês. 

“Dificilmente se poderá imaginar o trabalho intenso de D’Annunzio para, em tão breve prazo, se apropriar não só do vasto material necessário à representação dum “mistério”, em que se defrontam duas civilizações, a pagã e a cristã, mas também para dominar plenamente o idioma francês. Se considerarmos a extraordinária admiração suscitada pelo esplendor linguístico, pela sonoridade dos metros, das rimas e das consonâncias do “mistério” dannunziano, se refletirmos em que os intelectuais da França, embora discutissem o valor teatral da obra, lhe reconheciam, com surpresa unânime, o mérito, e reputavam a rara virtuosidade do autor, um esforço único no seu tempo, se nos lembrarmos, enfim, de que um empreendimento de tão vastas proporções, realizado em idioma estrangeiro, num francês arcaico, belo, delicado, precioso e rico, a ponto de surpreender o estilista soberbo, o erudito profundo que foi Anatole France, resultou de poucos meses de estudo, só o podemos qualificar de milagre oferecido ao mundo pelo gênio possante do Poeta”, escreveu esse seu biógrafo.

Para os que conhecem o Espiritismo, esse fato, perfeitamente explicável e curial mesmo, tinha que ser levado à conta de misterioso, de verdadeiro milagre.

Agora uma nota curiosa: – “Na expectativa intensa que precedeu a estreia da peça dannunziana “O Martírio -de S. Sebastião”, sobressaiu um elemento insólito: a intervenção da Igreja, os protestos hostis do clero, que culminaram no ato do arcebispo de Paris, Cardeal  Amette, vedando a todos os fiéis assistirem à representação do “Martírio”.

A proibição do arcebispo de Paris desgostou profundamente o Autor, menos pela reprovação da peça do que por ter o ilustre prelado expresso o seu juízo, sem a ler nem ouvir.”

E, no entanto, a verdade é que essa obra poética é profundamente religiosa, é a glorificação lírica não só do atleta admirável do Cristo, mas de todo o heroísmo cristão.

Mas, apesar de todos esses contratempos e manifesta má vontade do obscurantismo, a voz da História, na voz do povo, proclamou Gabriel D’Annunzio a mais pura glória italiana. 

Fonte: Grandes vultos da humanidade.

spot_img