Giacomo Puccini não foi precisamente um gênio. Em suas composições há muito da vida real, há mesmo pedaços, se assim nos podemos expressar, do coração do autor.
Puccini, ao escrever suas partituras, apelava sempre para o coração, e este imediatamente respondia aos seus apelos.
Apesar do êxito alcançado com suas obras, jamais se deixou embalar pelos cânticos do orgulho e da vaidade.
Considerava-se figura secundária na galeria dos compositores de óperas. Maravilhava-se com a pujante musicalidade de Verdi e de Wagner. Sua modéstia bem se evidencia em face destas suas palavras: – “Tristão”, essa música terrível, reduz-me a zero…
Sou apenas um tocador de bandurra…
É que sua música, realmente, muito se distanciava das produções de Wagner, pois este grande musicista alemão baseava sua inspiração nas forças cósmicas e na linguagem dos deuses mitológicos, enquanto que a música de Puccini era a voz do seu coração interpretando a tragédia das criaturas que sofrem, gemem e choram no meio da incompreensão humana.
Durante toda a sua vida, ao escutar o som de uma nota falsa, seu pé, num movimento reflexo, se levantava, e isto porque, anos atrás, todas as vezes que em seus exercícios tocava uma nota falsa, era mimoseado, pelo professor, com forte canelada.
O espírito de Puccini, um tanto irrequieto, jamais recusava a inspiração que recebia, jamais deixava de dar <expansão aos anseios de sua alma em questões de melodias, e, por isso, não se submetia aos reclamos do convencionalismo humano.
Tanto assim que, rememorando fatos da infância, em sua aldeia natal de Lucca, contava ele o seguinte episódio:
– No meio de um solene hino dominical, eu improvisava muitas vezes uma buliçosa melodia de dança que contagiava os corações da Congregação, fazendo-os valsar.
Sua missão não era a de ser um tocador de órgão, de maneira que, por força do destino, se sentiu, dentro de algum tempo, cansado dessa profissão. Nessa época contava ele 20 anos de idade, isto em 1878, quando, ao ter conhecimento de que na cidade de Pisa levariam à cena a ópera Aída, para lá se dirigiu e nunca mais retornou à sua antiga profissão de organista de Igreja.
A ópera seduziu-lhe completamente, porque por meio dela seu espírito poderia veicular os anseios, as dores, as misérias, os dramas íntimos de seus irmãos em lutas terrenas.
As músicas sinfônicas deixavam-no embevecido, sentia um desejo imenso de compor belas e maravilhosas sinfonias, mas a sua missão e as aptidões adquiridas em vidas pregressas não lhe favoreciam nesse particular, com o que soube conformar-se. Confessara mesmo:
– Se eu pudesse, seria ao menos um autor puramente sinfônico. Mas o destino não quis… Deus Todo – Poderoso tocou-me com o seu dedo mínimo e determinou:
– Escreve para teatro, mas veja lá, só para teatro!
Puccini foi obediente à voz do Alto, à voz de seus Guias espirituais – de escrever só para teatro – porque para isso seu Espírito veio preparado, e, porque obedeceu, saiu vitorioso! Mas até que firmasse na vida e que seu nome se tornasse conhecido e estimado, teve de curtir duras privações, passando a viver em meios boêmios, onde as exigências de ordem geral não existem.
Morava em miserável água-furtada, suas refeições habituais consistiam em sopa e feijão. Isto explica por que soube tão bem musicar o romance de Henri Muerger, intitulado “Boêmia”!
Um crítico musical escreveu que “sua melodia é uma espécie de clorofórmio que palia os sentidos e faz adormecer o intelecto. O narcótico de sua música destina-se, todavia, a encantar o mundo!” Evidentemente, pois, horas existem em que carecemos de determinadas doses do narcótico dessa música que acalma os nossos nervos e faz nossa alma chorar esse choro do puro sentimento.
A solidão o atraía. Para ele eram momentos de indizível prazer, quando podia retirar-se para a sua vila, em meio aos pinheirais de Viareggio!
Todo médium sente necessidade da solidão, a fim de que as suas faculdades receptoras das ondas espirituais melhor possam captá-las. E depois, como bem disse Coelho Neto: “o homem precisa de agitação e de repouso; os olhos precisam da luz e da sombra; os ouvidos descansam do rumor, no silêncio… “
Giacomo Puccini tinha a alma cheia dos dramas e tragédias da vida humana, e precisava, de quando em quando, afastar-se dessa agitação trepidante da vida citadina, para, nos recantos bucólicos, receber a inspiração que lhe permitisse apresentar, pela linguagem da música, as dores do coração e as misérias morais da Humanidade, em suas vidas de relação.
Certa noite de Novembro de 1895, enquanto seus íntimos conversavam à mesa de bridge, Puccini, ao piano, tocava um acorde com decisão e, levantando os olhos do teclado, disse: – “Está pronto”. Imediatamente seus amigos o rodearam, ávidos de ouvirem a cena final da ópera que estava compondo – uma história de Paris – do bairro latino e de boêmios – vida que ele bem sentira de perto.
– Senhores – disse ele:
– Gostaria de apresentar-lhes Mimi. E’ uma pequena “grisete”… e conta a sua história. Mas é imortal, porque ama com um coração que sabe sofrer. Tocarei agora a cena da morte, que acabei de completar. Essa ópera se chama Boêmia!
Já se disse que “a ópera de Puccini é simples e humana”; sua música não há-de ser cantada apenas com a garganta, mas também com o coração, porque indiscutivelmente a música de suas óperas são frutos de delicada inspiração mediúnica.
Contava Puccini 67 anos, quando então compunha a ópera “Turandot”, interrompida em virtude de um câncer na garganta. Operado em Bruxelas, experimentou logo animadoras melhoras, o que tudo fazia presumir seu próximo restabelecimento, e assim poderia terminar o dueto final entre Turandot e Calaf, que, musicalmente, seria o ponto culminante da obra.
Dois dias depois dessa operação, o coração falhou inesperadamente, e a 29 de Novembro de 1924 Puccini desencarnava.
Coisa curiosa, parece que ele tinha o pressentimento exato do que lhe haveria de suceder, tanto assim que, não muito antes de ser operado, ele dizia a um amigo: – A ópera será levada incompleta e alguém chegará ao proscênio para dizer: – Neste ponto faleceu o autor.
Tal qual previra, aconteceu!
Quando da primeira apresentação de “I’urandot” no Scala de Milão, a 25 de Abril de 1926, sob a batuta de Toscanini, súbita interrupção foi feita na última página terminada pelo próprio Puccini, e Toscanini, voltando-se para a assistência profundamente comovida, disse gravemente: – Neste ponto, o Maestro deixou cair a pena.
“Hoje em dia a obra é sempre levada com um final escrito por Franco Alfano, baseado nos próprios esboços deixados pelo compositor, para a última cena.”
Partiu para o Além o Espírito de Giacomo Puccini, deixando-nos sua música que hoje, amanhã- e sempre há-de fazer que os homens, ao ouvi-Ia, chorem de emoção, sim… porque cada compasso de suas inspiradas composições opera o milagre de fazer surgir, em nosso íntimo, cenas pungentes e tristes da vida humana, conclamando – nos para o amor, para Deus!
Fonte: Grandes vultos da humanidade.