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Gratidão: Geradora da concordância

Autor: Diamantino L. Rodrigues de Bártolo

Conceptualizar a gratidão como um sentimento, uma virtude, um valor social, um traço da personalidade, uma característica da educação, ou uma atitude de reconhecimento por um bem recebido poderá ter interesse na perspectiva argumentativa, no plano teórico da construção de uma tese, no âmbito da demonstração de boas maneiras.

O essencial, porém, poderá ser abordado no plano prático, pela revelação de comportamentos coerentes e permanentes, de reverência e humildade, perante quem e/ou a quem se presta ou deve gratidão, independentemente do tempo, do espaço e das circunstâncias em que se recebeu o benefício, posterior e, definitivamente, objeto de gratidão.

Tão importante quanto o conceito teórico será, porventura, a conduta prática de quem é grato ou ingrato. Atualmente, valores desta natureza, ou se se preferir, princípios que se adotam para manifestar certo tipo de posições, face ao outro, ao grupo ou à instituição de quem se recebe uma atenção, um apoio, um bem, escasseiam cada vez mais na sociedade de consumo, do TER, do conseguir algo, do atingir fins, sem se olhar os meios.

O exercício de qualquer poder, enquanto permite a quem o detém auxiliar aqueles que precisam resolver diversas situações, serve, exemplarmente, para se desenvolver o tema da gratidão e/ou, pela negativa, ingratidão. Na verdade, enquanto as pessoas beneficiam alguém que tem poder, seja de decisão, de influência ou outro, aparentemente (por vezes, fingidamente) demonstram algum tipo de gratidão, pelo menos enquanto têm problemas que podem ser resolvidos por quem detém esse mesmo poder, ou consegue influenciar uma decisão favorável.

Resolvida a situação, ou não havendo mais condições para o exercício do poder, passa-se a um afastamento gradual, à indiferença, ao esquecimento, daquele que numa determinada época tinha poder, ajudava, influenciava, resolvia, sempre com solidariedade, amizade, lealdade e cumplicidade.

Vive-se o oportunismo de cada momento, extrai-se o máximo de benefício e depois se segue o longo período de ostracismo, porém, em muitos casos, até se invertem os papéis e surge, agora, a situação mais censurável: o que foi ajudado e agora pode ajudar quem o ajudou, pura e simplesmente, ignora e não retribui os benefícios que antes recebeu de quem agora precisa de apoio, solidariedade, amizade, lealdade e compreensão, uma “mãozinha”, como diria a sabedoria popular, a voz do povo.

Graves são as atitudes daquelas pessoas que, depois de eleitas, não só ignoram os que as apoiaram, como as perseguem, bem como às famílias, com “técnicas sub-reptícias” e/ou na desculpa da lei, da transparência, do rigor e da isenção. As pessoas são importantes e valiosas enquanto servem os interesses daqueles que delas precisam, numa determinada época, num contexto muito concreto, com objetivos muito específicos, previa e inconfessadamente determinados.

Refletir sobre esta realidade é o objeto do presente trabalho. Partindo de alguns conceitos, várias situações, facilmente identificáveis na sociedade, se demonstrará que, sendo a gratidão um valor, um sentimento, uma atitude, ela, a gratidão, deve fazer parte da educação/formação da pessoa humana, porque, qualquer que seja o conceito, é fundamental que na prática, em todas as circunstâncias, as pessoas não tenham preconceitos em manifestá-la, em público ou em privado, demonstrá-la sincera e entusiasticamente.

Adotar uma conduta de agradecimento acaba por ser gratificante para quem a recebe e para quem a manifesta, trata-se de uma atitude nobre, de humildade e elevada dignidade, que só engrandece quem a pratica verdadeira e genuinamente, afinal, com total liberdade, amizade e lealdade.

As causas que, eventualmente, possam estar na origem de atitudes e comportamentos mal-agradecidos, acredita-se que sejam de natureza diversa e que, quaisquer que sejam os motivos, não justificam os procedimentos característicos da ingratidão: insensibilidade para reconhecer valores, sentimentos e atitudes recebidas, como, por exemplo: amabilidade, consideração, estima, amizade, solidariedade, lealdade.

Gratidão, gentileza, humildade serão conhecimentos, práticas, princípios, valores, deveres ou quaisquer outras designações que, na mentalidade de quem não os pratica, possivelmente não se enquadrem num saber-fazer que proporciona lucros, dividendos materiais: em numerário, ou de natureza ainda mais substantiva. Como se chega a esta insensibilidade é uma questão que se compreende com alguma clareza, pelas razões já apontadas, entre outras eventualmente ainda mais graves.

O humanismo que existe em muitas pessoas pode ser a base de partida para a criação de grandes movimentos e instituições de solidariedade que simultaneamente espalhem o bem e transmitam a ideia de gratidão para com aqueles que participam nestas instituições. Benfeitores que se solidarizam com uma situação, uma causa, uma iniciativa humanitária e altruísta, se se sentirem alvo de gratidão dessa instituição, e os beneficiários que posteriormente vierem a ser contemplados, pela mesma instituição, sentir-se-ão na obrigação de manifestar gratidão e reconhecimento públicos. Talvez se gere uma cadeia de solidariedades e gratidões que, dentro de algum tempo, todos possam manifestar esse sentimento tão nobre, quanto humilde.

A virtude da gratidão deve ser uma prerrogativa marcante, da família bem estruturada na personalidade de cada um dos seus membros, aliás, como deverá acontecer em relação a todo o processo de socialização, em todas as suas vertentes e fases que conduzem à boa e plena integração do indivíduo humano numa sociedade de princípios, de valores, sentimentos e emoções.

Gestos tão simples como o marido agradecer à esposa uma pequena atenção, um sorriso terno, confiante e amoroso, um olhar embevecido para o seu companheiro, e vice-versa, constituem motivos suficientes para o outro cônjuge revelar gratidão, desde logo, retribuindo com idêntica espontaneidade, sinceridade e amor. Igualmente, com as devidas adaptações, o mesmo vale entre amigos que, verdadeiramente, se querem muito bem, que nutrem, reciprocamente, aquele sincero “Amor-de-Amigo”.

Utiliza-se, frequentemente, a expressão “gratidão eterna”, pretendendo-se significar um agradecimento para toda a vida, porém, não basta utilizá-la uma vez e não a praticar posteriormente, porque, se assim acontecer, entra-se no âmbito da “gratidão de oportunidade”, eventualmente, menos sincera.

Será mais correto, verdadeiro e gratificante manifestar esse agradecimento ao longo da vida, sempre que as circunstâncias o aconselhem, como, por exemplo, elogiar e/ou defender a pessoa que seja objeto da gratidão de outra, naturalmente, com total honestidade de consciência e prazer em revelar, publicamente, essa gratidão.

Quem presta gratidão a outrem é porque recebeu algum bem dessa outra pessoa, sob qualquer forma: uma palavra amiga, um gesto de solidariedade, um favor, uma influência para resolver uma situação, enfim, um benefício material ou imaterial; uma atenção que veio ajudar numa qualquer situação, sem a qual, a resolução desta não seria tão favorável ou nem se teria alcançado.

A pessoa grata sente-se de bem consigo própria e com aquela a quem agradece, o que causa em ambas uma sensação de bem-estar, de tranquilidade e do dever cumprido. Por outro lado, a pessoa que pratica atos e ações, que disponibiliza apoios que conduzem à resolução de problemas de um seu semelhante, igualmente, vai se sentindo realizada e bem relacionada com aqueles a quem presta atenção.

A gratidão é, por isso mesmo, um sentimento que se funda na virtude do reconhecimento, da homenagem e da amizade, pois, quem é objeto de gratidão é porque: primeiro, procedeu para com outrem de forma excepcional à que, eventualmente, nem estaria obrigado a tal; então, o beneficiário da atenção recebida sente-se como que realizado na sua capacidade de agradecer, quando manifestar gratidão, a ponto de o fazer com um misto de amizade, orgulho e admiração. Depois, entre as pessoas envolvidas, estabelece-se, de agora em diante, como que um cordão umbilical duradouro, de consideração, estima e carinho, pelo qual circulará uma amizade e benquerença que, obviamente, conduzem a uma maior harmonia, tranquilidade e realização pessoal. A gratidão não humilha, nem minimiza quem a manifesta, pelo contrário, enobrece e dignifica a pessoa que sabe ser grata.

O consolador – Ano 10 – N 460

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