Autor: Paulo Henrique de Figueiredo
Trata-se de uma unanimidade, todas as religiões ancestrais fazem referência a um inferno. Para o hinduísmo, uma das regiões do ciclo das transmigrações da alma é a Naraka, submundo destinado aos indivíduos que se deixaram dominar pela raiva e vão para lá a serem purificados. Não é uma condenação eterna, mas uma fase depurativa da alma pelo sofrimento intenso. Montanhas de ferro atravessadas por rios do metal fundido, céu em brasa. Mas há também um inferno frio, onde só há gelo e neve numa paisagem desolada. O maior desafio dos que lá são enviados está em superar a raiva para avançar aos demais reinos da grande roda de renascimentos.
As imagens cristãs sobre inferno e paraíso receberam influência das tradições mais antigas. Não há nenhuma descrição desses lugares nos evangelhos. Para os gregos, depois da morte todas as almas eram levadas ao Hades, terra dos mortos, governada pelo deus de mesmo nome. Isso depois de atravessar o rio Aqueronte, pegando a balsa do Caronte, que cobrava uma moeda para o serviço. Quem se recusasse a pagar, ou tentava enganar o barqueiro e fosse pego, corria o risco de ficar eternamente à margem. Chegando lá, o destino seria decidido pelos juízes. O inferno propriamente dito era o Tártaro, destino das almas malignas e prisão dos titãs. Portão de bronze, muralhas triplas, não havia como escapar. Já o paraíso estava representado pelos Campos Elísios, morada dos heróis, santos, poetas e boas almas. Lá corre o rio Estige, da imortalidade. Foi nele que a mãe de Aquiles o mergulhou, segurando-o pelo calcanhar, o que tornou essa parte de seu corpo seu ponto fraco. Nesses campos haviam cascatas de vinho que não embriaga. O palácio de Hades e de sua esposa Perséfone ficava aqui, em meio a um bosque. Algumas almas poderiam voltar a reencarnar depois de mil anos. Há um vale onde se esperava pelo novo corpo, e o rio Lete, do esquecimento, bebendo sua agua se esquecia de tudo o que se viveu nas vidas passadas.
Todas as referências descrevem sofrimentos físicos, experimentados num corpo físico, devido ao ambiente tormentoso onde foram lançados. Deuses e outros seres seriam responsáveis por perseguir aqueles que tentavam fugir, julgar destinos, aplicar castigos. Mas é preciso lembrar que nesses tempos remotos a ação dos deuses não se limitava aos mundos espirituais, eles também agiam em nosso mundo! Vejamos os raios, por exemplo. Na Grécia, Zeus demonstrava aos homens sua ira e desaprovação lançando ao mundo trovões, raios e tempestades. Homero descreve no clássico poema Odisseia:
“Corria o barco ao sopro forte e favorável de Bóreas, em alto mar, acima de Creta, quando Zeus decidiu o seu extermínio. Quando não se avistava terra nenhuma, apenas céu e mar, o filho de Crono deteve uma nuvem negra por cima do bojudo barco e o mar escureceu embaixo dele; ao mesmo tempo, Zeus trovejou e vibrou um raio sobre o barco; este deu uma volta completa sob o impacto do raio de Zeus e ficou cheio de fumo de enxofre.”
Só escapou Ulisses dessa tragédia narrada no século oitavo antes de Cristo. Nesse tempo, não havia noção de leis naturais, e os fenômenos da natureza eram interpretados como atos diretos dos deuses, representando seus sentimentos, vontades, reprovações.
Atualmente, a ciência demonstra como os fatos de nosso mundo são geridos por leis naturais, como a gravidade. Essa lei natural vale em todo o universo observável. De quanto mais alto cai um objeto, devido à aceleração, maior será a velocidade no momento do impacto. Desse modo, todos sabem que não é arriscado pular de um degrau, mas pode ser mortal pular de um telhado. Não se trata de um castigo divino, mas uma consequência natural. Isso todo mundo sabe!
E aqui chegamos à questão central de nosso tema. O Espiritismo vai explicar os fenômenos do mundo espiritual por meio da ciência dos espíritos, fruto do estudo racional e experimental da espiritualidade. Eles ensinaram que os espíritos que lá chegam após a morte, costumam manter as sensações físicas semelhantes ao que estavam habituados. Os espíritos imperfeitos, apegados aos sentidos e emoções, orgulhosos e egoístas, vivenciam dores, medos, em de perseguições, sentem fome e sede, vagueiam assustados. Nesse momento, mesmo que sejam materialistas, lembra-se dos mitos e descrições das religiões, das quais conhece as referências que descrevemos, e então concluí: estou no inferno! Tudo leva a dar certeza desse fato! E o indivíduo pensa:
– De fato eu morri, tenho consciência disso. Ao meu redor ouço vozes me acusando, fujo apavorado de assustadoras figuras, mergulho na lama e me arrasto nas entranhas deste mundo estranho. Os dias passam, sinto fome, sede, frio, medo constante. Não há para onde fugir, não há perspectiva de um fim dos tormentos. Reconheço que sou imortal, será eterno este castigo?
Tudo leva a crer que a pessoa morreu, foi lançada no inferno, seres maus o perseguem, e não se tem perspectiva de um fim. Parece que o anuncio das religiões milenares de fato se cumpriu.
Todavia, os espíritos superiores, que já ultrapassaram essas fases iniciais da evolução espiritual e conheceram outros mundos, compreendem os fatos e leis universais e ensinam que as coisas não são como aparentam, há uma verdade esclarecedora por trás desses fatos. E, garanto, é muito importante saber disso agora que você está lendo este artigo, pois certamente essa informação será consoladora no futuro certo de todos nós.
Vamos sim, chegar ao mundo dos espíritos após a morte. Fato logicamente inevitável. Mas, explicam os espíritos superiores, esse outro universo também é regido por leis naturais, como o nosso mundo. Não há castigo, demônios, julgamento, impedimento de fuga, como descrevem os mitos. Há uma lei, análoga à gravidade, que rege o perispírito, ou corpo espiritual. É a lei da densidade da matéria espiritual. De acordo com o que pensa e sente o espírito, isso se reflete em seu perispírito. Se tiver apego, egoísmo, raiva, orgulho, e outras imperfeições, seu corpo espiritual ficará denso, pesado, perdendo a mobilidade. Os efeitos fisiológicos dessa condição são um reflexo do mundo físico, ou seja, o indivíduo sente sede, fome, frio, e todas as sensações reflexas de quem está apegado à matéria. Por sintonia, o espírito imperfeito fica no mesmo ambiente daqueles que lhe são semelhantes. E os indivíduos rancorosos, orgulhosos, acabam por perseguir aqueles que lá chegam, criando um ambiente opressor.
Todavia, os simples e os espíritos menos apegados, tornam seus corpos espirituais mais leves, menos densos, e sintonizam com ambientes mais favoráveis. Conforme sua compreensão da nova realidade, reconhecendo a diferença do lugar e das novas necessidades e desafios, não mais se apega aos imperativos biológicos, como fome, sede, frio, calor. Atingindo determinado grau de desprendimento, os espíritos ganham grande mobilidade, vão aonde querem, avançam no espaço com a velocidade do pensamento. Podem visitar outros mundos, chegar onde a sua ajuda requer sua presença. Vivenciam a mais ampla liberdade.
Desse modo, na forma adequada que Deus criou o mundo espiritual, tudo funciona plenamente por meio de leis naturais. Essa lógica é equivalente ao que vivemos em nosso mundo. O homem conquistou fantásticos benefícios por meio da tecnologia, ao compreender as leis. Quando a física descobriu as ondas eletromagnéticas, relatividade e os fenômenos do mundo atômico pela quântica, surgiram os celulares, satélites, ressonância magnética, forno micro-ondas, transmissão simultânea de televisão para o mundo inteiro, aviões supersônicos, foguetes e equipamentos para exploração espacial.
No mundo dos espíritos ocorreu algo semelhante. Os espíritos, depurando suas virtudes, conquistaram capacidades elevadas de seus perispíritos, podendo explorar os espaços, examinar as condições morais e fisiológicas dos seres, compreender a física espiritual e demais ciências. Viram que por meio da vontade seria possível aos indivíduos transformar a si mesmos, conquistando os valores da perfectibilidade. No entanto, tudo isso só é possível quando cada um deseja, espontaneamente, agir pelo dever, seguindo a orientação de sua consciência. Quem vive assim é verdadeiramente feliz. Explicou o espírito Erasto, na Revista Espírita de maio de 1863:
“Uma das condições de sua cegueira moral é de encerrá-los mais violentamente nos laços da materialidade e, consequentemente, de impedi-los de se afastarem das regiões terrestres ou similares à Terra; e do mesmo modo que a grande maioria dos encarnados, aprisionados na carne, não podem perceber as formas vaporosas dos Espíritos que o cercam, do mesmo modo a opacidade do envoltório dos materialistas lhes interdita contemplar as entidades espirituais que se movem tão belas e tão radiosas, nas altas esferas do império celeste”.
Enquanto o espírito imperfeito é prisioneiro de si mesmo, aquele que se conscientiza, passa a ser agente voluntário da harmonia universal. Cada um que adere a esse processo libertador, é um indivíduo a menos sofrendo, visto que o sofrimento é condição inerente à imperfeição.
A regeneração da humanidade ocorrerá por essa adesão voluntária ao bem. Tudo regido por leis naturais. O inferno não existe, nem mesmo demônios. São ilusões daqueles que, depois da morte, viveram os tormentos consequentes de sua condição densa na espiritualidade, em virtude de seu egoísmo e orgulho. Depois que reencarnaram, suas lembranças do sofrimento no mundo espiritual foram fontes para criar os mitos da antiguidade e os dogmas das religiões. Mas o tempo passou, e a era do conhecimento científico também chegou para a metafísica, nos revela o Espiritismo.
Guarde a lembrança desses ensinamentos bem viva em sua mente. Garanto que, se depois da morte você estiver em apuros, lembre-se que a chave para a mudança está em si mesmo. Busque com todas as forças calma e confiança. Pense em Deus, sua harmonia e leis naturais. Sua bondade e justiça infinitas. Essa prece serena alterará seu corpo espiritual, e uma nova luz surgirá em seu horizonte. Não se esqueça. É infalível.
Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/