Autor: Jorge Hessen
Com o alento de agrado deslumbrado que espontaneamente exalamos a algum médium ou palestrante espírita, não evitamos empreender amplo engano de sentimentalismo. Mas urge que “fujamos ao condenável sistema de adoração recíproca, em que a falsa ternura opera a cegueira do sentimento”. (1) No atual movimento espírita vem surgindo, em vários lugares, confissões de afago exagerado, endeusamento, indigesta adulação, “confetes” intermináveis, recorrentes e baldios, disputas por fotografias (selfies) ao lado de palestrantes ilustres etc.
Adota-se o hábito dos dirigentes incautos de elogiar e exaltar palestrantes ilustres em público. Essas pompas e grandiloquências, observadas à volta de alguns espíritas ilustres, é bem a repetição dos faustos do Cristianismo sem o Cristo. Ressalta-se a devassidão emocional de decompor oradores do arraial espírita, em pessoa notável de semideus.
Conheço confrades que habituam alardear que são amigos “íntimos” desses espíritas semideuses, como se esse fato abonasse credencial especial para eles. Será que ser “amigo” de médium divinizado os tornam superiores? A rigor, “criar ídolos humanos é pior que levantar estátuas destinadas à adoração”. (2) Quem se encontra nesse abarcamento afetuoso passa a se esquecer das adequadas obrigações básicas de crescimento para o Criador e para o Mestre Jesus.
Percebemos o fanatismo, o fascínio, a pieguice, a exaltação, o arrebatamento exagerado, a sujeição ideológica maníaca, mormente na área da psicologia. Os anseios embaraçados suscitados na fantasia delirante tonificam, fortalecem e levedam o culto crônico do “EGO”. Com suas mentes frenéticas, entronam tais médiuns imprevidentes, deificam alguns oradores e forjam pedestais aos dirigentes personalistas.
É imprescindível não elogiar (adular) dirigentes, médiuns e oradores que estejam agindo de conformidade com as nossas conveniências, para não lhes criar empecilhos à caminhada enobrecedora, embora nos constitua dever prestar-lhes assistência e carinho para que mais se agigantem nas boas obras. Até porque a adulação é tóxico em formato verbal. Por essa razão, não esqueçamos “ainda quando provenha de círculos bem-intencionados, urge recusar o tóxico da lisonja, pois no rastro do orgulho, segue a ruína”. (3)
Kardec advertia: “As faculdades de que gozam os médiuns lhes atraem os elogios dos homens, os cumprimentos e as adulações: eis o seu tropeço”. (4) É inquietante a lisonja de médiuns nas hostes espíritas. “Combatamos os ídolos falsos que ameaçam o Espiritismo cristão.” (5)
A Bíblia, a Torah e o Alcorão são particularmente taxativos quanto à idolatria, comparando-a com alguns dos piores crimes e iniquidades concebíveis. Destarte, “é indispensável evitar a idolatria em todas as circunstâncias. Suas manifestações sempre representaram sérios perigos para a vida espiritual”. (6)
Desde que adentramos nos portais dos ensinos kardecianos, aprendemos que o elogio (ainda que bem-intencionado) nos enternece e ilude. “As crenças antigas permanecem repletas de cultos exteriores e de ídolos mortos. O Consolador, enviado ao mundo na venerável missão espiritista, vigiará contra esse venenoso processo de paralisia da alma.” (7) Escorregar para o despenhadeiro ameaçador da prática obsessiva do endeusamento a médiuns e oradores espíritas é prática inteiramente avessa aos princípios libertadores do Espiritismo.
“Aqui e acolá, surgem pruridos de adoração que se faz imprescindível combater. Não mais imagens dos círculos humanos, nem instrumentos físicos supostamente santificados para cerimônias convencionais, mas entidades amigas e médiuns terrenos que a inconsciência alheia vai entronizando, inadvertidamente, no altar frágil de honrarias fantasiosas. É necessário reconhecer que aí temos um perigo sutil, através do qual, inúmeros trabalhadores têm resvalado para o despenhadeiro da inutilidade.” (8)
Sussurra a prudência cristã que nunca cederíamos campo à vaidade se não vivêssemos reclamando o deletério coquetel da adulação ao nosso egocentrismo doentio. Invariavelmente ficamos submissos às injunções sociais quando buscamos aprovação (bajulação) dos outros, “quando permanecemos na posição de permanentes escravos e pedintes do aplauso hipócrita e do verniz da lisonja, condicionando-nos a viver sem usufruir de liberdade de consciência, submetendo-nos a ser manipulados pelos juízos e opiniões alheias”. (9)
O espírita que esquadrinhe provar a humildade é alguém transparente que modera em ser continuamente autêntico. Não vive atrás de “confetes” e “purpurinas”, não perturba e nem é difícil no relacionamento com o próximo. Não cultiva em seu coração qualquer empenho infeliz de superioridade e cobrança, embuste e concorrência, prevenção e arrogância.
O espírita leal com o Cristo percebe-se pessoa comum como qualquer outra. Exibe suas emoções e conceitos com sensatez e prudência, e a sua fidelidade de sentimento é imagem fulgente da boa-fé, que reproduz seu caráter incorruptível.
Referências
(1) XAVIER, Francisco Cândido. Missionário da Luz, ditado pelo Espírito André Luiz, capítulo 20, “Adeus”, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2000.
(2) XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso, ditado pelo Espírito Emmanuel, capítulo 150, “É o mesmo”, Rio de Janeiro: Editora FEB.
(3) XAVIER, Francisco Cândido. Missionário da Luz, ditado pelo Espírito André Luiz, capítulo 20, “Adeus”, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2000.
(4) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, cap. XXXI, item XII, “Sobre os Médiuns”, pág. 410, São Paulo: Editora LAKE, 1997.
(5) XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso, ditado pelo Espírito Emmanuel, capítulo 52, “Perigos sutis”, Rio de Janeiro: Editora FEB, 1997.
(6) Idem
(7) Idem
(8) Idem
(9) XAVIER, Francisco Cândido. Saudação do Natal – Mensagem “Trilogia da vida”, ditado pelo Espírito Cornélio Pires, SP. Editora CEU, 1996.
O consolador – Artigos