Revista Espírita, novembro de 1858
Muitas pessoas, que hoje aceitam perfeitamente o magnetismo, contestaram durante muito tempo a lucidez sonambúlica; é que, com efeito, essa faculdade veio confundir todas as noções que tínhamos sobre a percepção das coisas do mundo exterior, e, todavia, desde há muito tempo tinha-se o exemplo dos sonâmbulos naturais, que gozam de faculdades análogas e que, por um contraste bizarro, jamais se procurou aprofundar. Hoje, a clarividência sonambúlica é um fato adquirido, e, se ainda é contestado por algumas pessoas, é porque as ideias novas demoram para se enraizar, sobretudo quando é preciso renunciar àquelas por longo tempo nutridas; é também porque muitas pessoas acreditaram, como ocorre ainda com as manifestações espíritas, que o sonambulismo podia ser experimentado como máquina, sem levar em conta as condições especiais do fenômeno; foi por isso que, não tendo obtido à vontade, e a propósito resultados sempre satisfatórios, disso se concluiu pela negativa. Fenômenos tão delicados exigem uma observação longa, assídua e perseverante, a fim de apreender-lhes as nuanças frequentemente fugitivas. É igualmente em consequência de uma observação incompleta dos fatos que certas pessoas, mesmo admitindo a clarividência dos sonâmbulos, contestam sua independência; segundo elas, sua visão não se estende além do pensamento daquele que os interroga; alguns pretendem mesmo que não há visão, mas simplesmente intuição e transmissão de pensamento, e citam exemplos em apoio. Ninguém duvida que o sonâmbulo, vendo o pensamento, algumas vezes pode traduzi-lo e ser dele o eco; não contestamos mesmo que não possa, em certos casos, influenciá-lo: não ocorresse senão isso no fenômeno, já não seria um fato bem curioso e bem digno de observação? A questão, portanto, não é saber se o sonâmbulo é ou pode ser influenciado por um pensamento estranho, isso não é duvidoso, mas bem saber se é sempre influenciado: isso é um resultado da experiência. Se o sonâmbulo não diz jamais senão o que sabeis, é incontestável que é o vosso pensamento que ele traduz; mas se, em certos casos, ele diz o que não sabeis, se contradiz vossa opinião, vossa maneira de ver, é evidente que é independente e não segue senão seu próprio impulso. Um único fato desse gênero, bem caracterizado, bastaria para provar que a sujeição do sonâmbulo ao pensamento de outrem não é uma coisa absoluta; ora, eles existem aos milhares; entre os que são de nosso conhecimento pessoal, citaremos os dois seguintes:
O senhor Marillon, morando em Bercy, rua de Charenton, n9 43, havia desaparecido no dia 13 de janeiro último. Todas as pesquisas para descobrir seus vestígios foram infrutíferas, nenhuma das pessoas na casa das quais estavam habituados ir, não o haviam visto; nenhum negócio podia motivar uma ausência prolongada; por outro lado, seu caráter, sua posição pecuniária, seu estado mental descartavam toda ideia de suicídio. Estava-se reduzido a pensar que ele perecera vítima de um crime ou de um acidente; mas, nesta última hipótese, poderia ser facilmente reconhecido e conduzido ao seu domicílio, ou, pelo menos, levado ao Necrotério. Todas as possibilidades eram, pois, para o crime; foi nesse pensamento que se fixou, tanto melhor porque se pensou que saíra para fazer um pagamento; mas onde e como o crime havia sido cometido? Era o que se ignorava. Sua filha, então, recorreu a uma sonâmbula, a senhora Roger, que em muitas outras circunstâncias semelhantes dera provas de uma lucidez notável, que pudemos constatar por nós mesmos. A senhora Roger seguiu o senhor Morillon desde a sua saída, de sua casa, às 3 horas depois de meio-dia, até lá pelas 7 horas da tarde, no momento em que se dispunha a reentrar, vi-o, então, descer pela margem do Sena por um motivo premente; ali, disse ela, teve um ataque de apoplexia, e o vejo cair sobre uma pedra, fazer-se uma fenda na testa, depois deslizar na água; portanto, isso não foi nem suicídio, nem crime; vejo ainda seu dinheiro e uma chave no bolso de seu paletó. Ela indica o lugar do acidente, mas, acrescenta ela, não é ali que ele está agora, foi facilmente arrastado pela corrente e será encontrado em tal lugar. Foi, com efeito, o que ocorreu; ele tinha a ferida indicada na fronte; a chave e o dinheiro estavam em seu bolso e a posição de suas vestes indicavam, suficientemente, que a sonâmbula não se enganara sobre o motivo que o conduzira às margens do rio. Perguntamos onde, com todos esses detalhes, pode-se ver a transmissão de um pensamento qualquer. Eis um outro fato onde a independência sonambúlica não é menos evidente.
O senhor e a senhora Belhomme, agricultores em Rueil, rua Saint-Denis, nº 19, tinham reservado uma soma ao redor de 8 a 900 francos. Para maior segurança, a senhora Belhomme colocou-a em um armário, do qual uma parte estava reservada para roupa branca velha, a outra para roupa branca nova, e foi nesta última que o dinheiro foi colocado; nesse momento alguém entrou e a senhora Belhomme se apressou em fechar o armário. Algum tempo depois, tendo necessidade do dinheiro, ela se persuadiu de tê-lo colocado na roupa velha, porque essa fora sua intenção, na ideia de que o velho tentaria menos os ladrões; mas, em sua precipitação, com a chegada do visitante, ela o havia colocado no outro compartimento. Estava de tal modo convencida de tê-lo colocado na roupa branca velha, que a ideia de o procurar alhures não lhe ocorreu; encontrando o lugar vazio, e lembrando-se da visita, ela acreditou ter sido notada e roubada, e nessa persuasão, suas suposições, naturalmente, se dirigiam sobre o visitante.
A senhora Belhomme conhecia a senhorita Marillon, da qual falamos mais acima, e lhe contou sua desventura. Está tendo-lhe ensinado o meio pelo qual seu pai fora encontrado, a exortou dirigir-se à mesma sonâmbula, antes de tomar alguma providência. O senhor e a senhora Belhomme seguiram para a casa da senhora Roger, bem convencidos de terem sido roubados, e na esperança de que se indicaria o ladrão que, em sua opinião, não podia ser senão o visitante. Tal era, pois, seu pensamento exclusivo; ora, a sonâmbula, depois de uma descrição minuciosa do local, lhes disse: não fostes roubados; vosso dinheiro está intacto em vosso outro armário, somente credes tê-lo colocado no de roupa velha, ao passo que o colocastes no de nova; retornai para vossa casa e aí o encontrareis; com efeito, foi o que ocorreu.
Nosso objetivo, narrando esses dois fatos, e poderíamos deles citar muitos outros também concludentes, foi de provar que a clarividência sonambúlica não é sempre o reflexo de um pensamento estranho; que o sonâmbulo pode ter, assim, uma lucidez própria, inteiramente independente. Disso resulta consequências de alta gravidade do ponto de vista psicológico; aí encontramos a chave de mais de um problema, que examinaremos ulteriormente, tratando das relações que existem entre o sonambulismo e o Espiritismo, relações que lançam uma luz toda nova sobre a questão.