Autor: Rogério Coelho
Não há ódio que resista aos dissolventes da compreensão e da boa vontade Antonina
Comprometidos que estamos por um passado culposo e onerados por débitos escabrosos, as reencarnações não conseguem, senão após sucessivos e dolorosos processos, limpar a ganga imprestável do orgulho gerador de males sem conta que pesam negativamente em nossa economia espiritual.
O orgulho é o agente indutor de uma autoavaliação deficiente que nos induz a um julgamento complacente com o qual passamos a nos julgar mais do que realmente somos. E, quando descobrimos que não somos lá grandes coisas, e principalmente quando isto fica evidenciado por todos, entregamo-nos à cólera.
Um Espírito Protetor[1] nos conclama a pesquisar a “(…) origem dos acessos de demência passageira, que nos assemelham ao bruto, fazendo-nos perder o sangue-frio e a razão: quase sempre é o orgulho ferido”.
Pergunta e ao mesmo tempo responde o nobre Mentor1: “Que é o que vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar.
Se ponderasse que a cólera a nada remedeia, que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a sua primeira vítima. Mas outra consideração, sobretudo, devera contê-lo, a de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se, num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar para sempre?! Em suma, a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se por dominá-la. O espírita, ao demais, é concitado a isso por outro motivo: o de que a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs”.
André Luiz[2] nos dá a conhecer os judiciosos apontamentos dos Benfeitores Espirituais concernentes ao assunto em pauta. Segundo esses nobres amigos espirituais, “(…) A palavra, qualquer que seja, surge invariavelmente dotada de energias elétricas específicas, libertando raios de natureza dinâmica. A mente, como não ignoramos, é o incessante gerador de força, através dos fios positivos e negativos do sentimento e do pensamento, produzindo o verbo que é sempre uma descarga eletromagnética, regulada pela voz. Por isso mesmo, em todos os nossos campos de atividades, a voz nos tonaliza a exteriorização, reclamando apuro de vida interior, vez que a palavra, depois do impulso mental, vive na base da criação; é por ela que os homens se aproximam e se ajustam para o serviço que lhes compete e, pela voz, o trabalho pode ser favorecido ou retardado, no espaço e no tempo.
Dentro desta compreensão, entendemos que a cólera não passa de curto-circuito de nossas forças mentais, por defeito na instalação de nosso mundo emotivo, arremessando raios destruidores, ao redor de nossos passos… A criatura enfurecida é um dínamo em descontrole, cujo contato pode gerar as mais estranhas perturbações.
Surge, então, uma pergunta: Já que a cólera não aproveita a ninguém, e se substituíssemos o termo “cólera” pelo termo “indignação”?
Realmente, a indignação, como estado d`alma, por vezes é necessária. Naturalmente é imprescindível fugir aos excessos. Contrariar-se alguém a propósito de bagatelas e a todos os instantes do dia será baratear os dons da vida, desperdiçando-os, de modo inconsequente, sem o mínimo proveito para si mesmo ou para os outros.
Imaginemos a indignação por subida de tensão na usina de nossos recursos orgânicos, criando efeitos especiais à eficiência de nossas tarefas. Nos casos de exceção, em que semelhante diferença de potencial ocorre em nossa vida íntima, não podemos esquecer o controle da inflexão vocal. Assim como a administração da energia elétrica reclama atenção para a voltagem, precisamos vigiar a nossa indignação, principalmente quando seja imperioso vertê-la através da palavra, carregando a nossa voz tão-somente com a força suscetível de ser aproveitada por aqueles a quem endereçamos a carga de nossos sentimentos. É indispensável modular a expressão da frase, como se gradua a emissão elétrica.
Nossa vida pode ser comparada a grande curso educativo, em cujas classes inumeráveis damos e recebemos, ajudamos e somos ajudados. A serenidade, em todas as circunstâncias, será sempre a nossa melhor conselheira, mas, em alguns aspectos de nossa luta, a indignação é necessária para marcar a nossa repulsa contra os atos deliberados de rebelião ante as Leis do Senhor. Essa elevada tensão de Espírito, porém, nunca deve arrojar-se à violência e jamais deve perder a dignidade de que fomos investidos. Basta, dentro dela, a nossa abstenção dos atos que intimamente reprovamos, porque a nossa atitude é uma corrente de indução magnética. Em torno de nós, quem simpatiza conosco geralmente faz aquilo que nos vê fazer. Nosso exemplo, em razão disso, é um fulcro de atração. Precisamos, assim, de muita cautela com a palavra, nos momentos de tensão alta do nosso mundo emotivo, a fim de que a nossa voz não se desmande em gritos selvagens ou em considerações cruéis que não passam de choques mortíferos que infligimos aos outros, semeando espinheiros de antipatia e revolta que nos prejudicarão a própria tarefa”.
Entendemos assim o motivo pelo qual Jesus nos conclama à mansidão e porque Ele disse que são bem-aventurados os brandos e pacíficos.
Referências
[1] KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. IX, item 9.
[2] XAVIER, F. Cândido. Entre a Terra e o Céu. 6. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1978, cap. 22.
O consolador – Ano 6 – N 286