Revista Espírita, setembro de 1859
A senhora G… ficou viúva há três anos com quatro crianças; o primogênito é um amável jovem de dezessete anos, e a mais nova uma encantadora menina de seis anos. Há muito tempo, essa família, se ocupa do Espiritismo, e antes mesmo que essa crença estivesse popularizada como está hoje, o pai e a mãe deles tinham como uma espécie de intuição que diversas circunstâncias vieram desenvolver. O pai da senhora G… apareceu-lhe diversas vezes em sua juventude e cada vez lhe prevenira de coisas importantes, ou lhe dera conselhos úteis. Fatos do mesmo gênero se passavam igualmente entre seus amigos, de sorte que, para eles, a existência de além-túmulo não podia ser objeto de nenhuma dúvida, não mais que a possibilidade de se comunicar com os seres que nos são caros.
Quando veio o Espiritismo, isso não foi senão a confirmação de uma ideia bem sedimentada e santificada pelo sentimento de uma religião esclarecida, porque essa família é um modelo de piedade e de caridade evangélica. Eles tomaram da nova ciência os meios de comunicação mais diretos; a mãe e uma das crianças se tornaram excelentes médiuns; mas longe de empregarem essa faculdade para questões fúteis, todos a consideraram como um dom precioso da Providência, do qual não era permitido servir-se senão para coisas sérias; também não o usavam jamais senão com recolhimento e respeito, e longe dos olhares dos importunos e dos curiosos.
Neste meio tempo, o pai caiu doente, e, pressentindo seu fim próximo, reuniu os filhos e lhes disse: “Meus caros filhos, minha mulher bem-amada, Deus me chama para si; sinto que vou deixar-vos dentro de pouco tempo; mas penso que haurireis em vossa fé na imortalidade a força necessária para suportarem com coragem essa separação, como eu levo a consolação que poderei sempre estar no vosso meio e vos ajudar com os meus conselhos. Chamai-me, pois, quando não estiver mais na Terra, e virei colocar-me ao vosso lado, conversar convosco, como fazem nossos avós; porque, em verdade, nós estaremos menos separados do que se eu partisse para um país longínquo. Minha cara mulher, eu te deixo uma grande tarefa; quanto mais pesada for, mais gloriosa será; e disso tenho a segurança de que nossos filhos ajudar-te-ão a suportar. Meus filhos, secundareis vossa mãe; e evitareis tudo o que poderia causar-lhe dificuldade; sereis sempre bons e benevolentes para todo o mundo; estendereis a mão aos vossos irmãos infelizes, porque não gostaríeis de vos expor a estendê-la um dia vós mesmos em vão.
Que a paz, a concórdia e a união reinem entre vós; que jamais o interesse vos separe, porque o interesse material é a maior barreira entre a Terra e o céu. Pensai que estarei sempre aqui, perto de vós, que vos verei como vos vejo neste momento, e melhor ainda, uma vez que verei o vosso pensamento; não quereis, pois, me entristecer depois de minha morte mais do que não fizestes durante a minha vida.”
É um espetáculo verdadeiramente edificante ver o interior desta piedosa família. Estas crianças, instruídas nas ideias espíritas, não se consideram como separadas de seu pai; para elas ele ali está, e temem fazer a menor ação que possa aborrecê-lo. Todas as semanas, uma noite é consagrada para conversar com ele, e algumas vezes com mais frequência; mas há as necessidades da vida, que precisam ser providas, – a família não é rica – por isso um dia fixo está assinalado para essas piedosas conversas, e esse dia esperado com impaciência. A menina diz frequentemente: É hoje que vem o meu pai?
Nesse dia que passa em conversas familiares, em instruções proporcionadas à inteligência, algumas vezes infantis, outras vezes sérias e sublimes; são conselhos dados oportunamente, por pequenos defeitos que assinala: se faz a parte dos elogios, a crítica não é poupada, e o culpado abaixa os olhos, como se tivesse seu pai diante dele; e lhe pede um perdão que algumas vezes não é concedido senão depois de várias semanas de prova: espera-se sua sentença com uma febril ansiedade. Então, que alegria! quando o pai diz: Estou contente contigo. Mas a ameaça mais terrível é dizer não retomarei na semana próxima.
A festa anual não é esquecida. É sempre um dia solene para o qual se convidam todos os avós falecidos, sem esquecer um pequeno irmão morto há alguns anos. Os retratos são ornados com flores; cada criança prepara um pequeno trabalho, e até o discurso tradicional; o primogênito faz uma dissertação sobre um assunto sério; uma das jovens executa um trecho de música; a menor, enfim, recita uma fábula; é o dia das grandes comunicações, e cada convidado recebe uma lembrança dos amigos que deixou na Terra.
Que belas são essas reuniões pela sua tocante simplicidade! Como tudo nela fala ao coração! Como se pode dela sair sem estar penetrado de amor ao bem? Mas ali nenhum olhar zombeteiro, nenhum riso cético vem perturbar o piedoso recolhimento; alguns amigos, partilhando as mesmas convicções e devotados à religião de família, são os únicos admitidos a tomarem parte deste banquete do sentimento. Ride se quiserdes, vós que zombais das coisas mais santas; por soberbos e endurecidos que sejais, não vos faço a injúria de crer que o vosso orgulho possa permanecer impassível e frio diante de um tal espetáculo. Um dia, todavia, foi um dia de luto para a família, um dia de verdadeiro desgosto: o pai havia anunciado que estaria algum tempo, muito tempo mesmo, sem poder vir; uma grande e importante missão o chamava longe da Terra. A festa anual não foi por isso menos celebrada; mas foi triste: o pai não estava nela. Ele dissera quando partiu: Meus filhos, que no meu retorno eu vos encontre todos dignos de mim, e que cada um se esforce por se tornar digno de si. Eles esperam ainda.