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Interpretar corretamente a Bíblia é importante?

Autor: Paulo Artur Gonçalves

Introdução 

A pergunta que dá título a este texto é uma questão que vem tomando os meios espíritas e este artigo visa a mostrar que não existe motivo para perdemos tempo com isso.

Antes de apresentar as razões, vamos conceituar como será usada a palavra Deus neste artigo.

Deus, com “D” maiúsculo para significar Inteligência Suprema do Universo, causa primária de todas as coisas.

Deus, com “d” minúsculo para significar, mentor, guia ou santo etc., ou seja, um Espírito.

No primeiro mandamento do Decálogo recebido por Moisés está escrito:

“Eu sou o senhor, vosso deus, que vos tirei do Egito, da casa da servidão. Não tereis, diante de mim, outros deuses estrangeiros. Não fareis imagem esculpida, nem figura alguma do que está em cima do céu, nem embaixo na Terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não os adorareis e não lhes prestareis culto soberano, porque eu, o senhor vosso deus, sou deus zeloso, que puno a iniquidade dos pais nos filhos, na terceira e na quarta gerações daqueles que me aborrecem, e uso de misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos”.

O próprio deus de Moisés diz explicitamente que existem outros deuses. 

Como o Velho Testamento se incorporou ao Cristianismo 

Não se tem notícia de Jesus fazendo referência às leis contidas nos cinco livros de Moisés:  Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Estes livros são a base do Velho Testamento.

Há várias passagens no Evangelho em que os doutores da lei (sacerdotes) tentam, sem sucesso, fazer Jesus contradizer estas leis.

Também sabemos que Jesus foi preso, flagelado e crucificado por ação desses mesmos doutores da lei. Eles temiam perder seus privilégios de serem os representantes do deus de Israel.

A pergunta é: Como esses cinco livros vieram e permearam o Cristianismo, sendo que para algumas religiões cristãs são eles considerados mais importantes do que os ensinamentos de Jesus?

Resposta: Tais livros foram incorporados ao Cristianismo, dando origem ao Catolicismo, por influência de Santo Agostinho, incentivado por santo Ambrósio, bispo de Milão, no século V. O argumento utilizado foi: “Para pregar o novo Evangelho, é indispensável conhecer a fundo as Escrituras, que só podem ser bem interpretadas através da fé, pois apenas esta sabe ver ali a revelação de verdades divinas”.

Nascia aí a fé não raciocinada. 

Interpretando alguns trechos do Velho Testamento 

Os mencionados livros ensinam um culto a um deus pessoal que quer ser venerado em troca de não castigar e ainda ser “fiel” ao crente, ajudando-o com milagres a resolver casos amorosos, curar doenças e ainda dirimir problemas financeiros.

Em alguns trechos dos cinco livros não há interpretação que os conserte.

Vejamos:

Deuteronômio, cap. 20, v. 10 a 16:

– Quando te aproximares para combater uma cidade, oferecer-lhe-ás primeiramente a paz.

– Se ela concordar e te abrir as portas, toda a população te pagará tributo e te servirá.

– Se ela te recusar a paz e começar a guerra contra ti, tu a cercarás, e quando o senhor, teu deus, te houver entregado nas mãos, passará a fio de espada todos os varões que nela houver.

– Só tomarás para ti as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo o que se encontrar na cidade, e comerás os despojos dos teus inimigos que o senhor, teu deus, te tiver dado.

– Farás assim a todas as cidades muito afastadas, que não são do número destas nações.

– Quanto às cidades daqueles povos cuja possessão te há de dar o senhor, teu deus, não deixarás nelas alma viva.

Observação:

A única interpretação possível para isto é crime e, ainda por cima, hediondo.

Êxodo:

– Cobrou impostos em dinheiro como condição para que o fiel não sofra flagelo (Êxodo, cap. 30, v. 11 a 16).

– Determinou que todo ouro, prata, objetos de bronze e ferro saqueados na tomada de Jericó passassem a integrar seu “tesouro sagrado” (Josué – Tomada de Jericó, cap. 6, v. 19).

– Fez aliança, exigindo uma arca de ouro (Êxodo, cap. 24, v. 10 a 23); é fiel, castiga, premia e exige fidelidade proibindo alianças com outros deuses (Êxodo, várias passagens).

Observação:

Isto não seria a base para os representantes de deus tornarem seu negócio lucrativo?

Os Espíritos superiores, na tarefa de codificação da doutrina espírita realizada por Kardec, tampouco tentaram interpretar estes livros. E, em O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec apresenta-nos Sócrates como precursor de Jesus e não os profetas.

É certo que o Velho Testamento menciona comunicações entre os homens e os Espíritos. Mas outros livros ditos sagrados de outras religiões também o fazem.

Os espíritas, sabendo que esta comunicação existe, devem se ater em estudá-las para fazer melhor uso delas. Isto é muito mais útil. Sem nenhum desrespeito, é pura perda de tempo ficar fazendo estes estudos bíblicos que não fazem parte dos livros espíritas.

O Espiritismo se propõe a ser uma religião cristã pura baseando-se, quanto ao ensino moral, nos ensinamentos de Jesus. 

A Bíblia é o único livro “sagrado”? 

Não é! A Bíblia só alcança as religiões abraâmicas, tais como o judaísmo e as cristãs modificadas.

Como cristãs modificadas estão os católicos, os protestantes tradicionais, os ortodoxos, os evangélicos etc. Não se inclui aí o Espiritismo.

Elas são modificadas porque a Bíblia que elas adotam acrescentou ao Evangelho de Jesus os textos do Velho Testamento.

Estes textos, até então chamados lei dos profetas, contêm muita coisa que nada tem a ver com o Cristianismo e deram origem a dogmas inúmeros a ponto de, em algumas delas, se dar a eles um valor maior do que os ensinamentos do próprio Jesus.

Outros povos têm também seus livros ditos sagrados.

Um exemplo disto é o Hinduísmo com o livro dos Vedas.

Como a Bíblia, é dito que o livro dos Vedas também foi inspirado por deus.

Em sendo Deus único, seria natural que ambos – Bíblia e Vedas – contivessem ensinamentos convergentes.

Ao compará-los, no que diz respeito à gênese do Universo e do homem, temos:

Gênese do Universo:

Segundo a Bíblia

Dia 1

– Manhã: Criou terra e o céu vazio e escuro.

-Tarde: Criou a luz. Separou luz de trevas.

Dia 2

– Manhã: Criou um firmamento no meio das águas, tendo água do céu e águas de baixo.

– Tarde: Entre as águas de baixo criou o elemento seco: a Terra.

Dia 3

– Criou árvores e plantas que passaram a produzir.

Observação: Como as árvores puderam produzir sem a fotossíntese, visto que o Sol só foi criado na etapa seguinte?

Dia 4

– Criou lumiares no Céu. Sol para o dia. Lua para a noite. As estrelas para o céu.

Dia 5

– Criou peixes nas águas e aves no céu.

Dia 6

– Criou animais domésticos, répteis, animais selvagens.

– Criou o homem e a mulher, à sua imagem.

Dia 7

– Descansou.

Segundo os Vedas (1)

– O universo é um sonho de Deus (Brama ou Brahma).

– Após um século de Brama (314 trilhões de anos) o universo se dissolve num sonho sem sonhos. Aí recomeça. Ele recompõe-se num novo sonho.

– É o sonho cósmico de Deus que é um ciclo sem fim de renascimentos e mortes.

– São muitos os deuses hindus que cooperam (intermediários que trabalham sob a coordenação de Brama).

– Shiva e Vishnu principais auxiliares de Brahma. Shiva na criação do Universo e Vishnu na do homem.

– Nosso universo é o sonho cósmico de Shiva.

– Enquanto isso, em outro lugar, há um número infinito de outros universos, cada um com seu próprio deus (outros Shivas?) sonhando o sonho cósmico. 

Gênese do homem – Segundo a Bíblia

É o conto de Adão e Eva já de conhecimento de todos. 

Gênese do homem – Segundo os Vedas (1)

Na gênese do homem o deus Vishnu se apresenta em dez reencarnações com vários outros nomes, que também são chamados de deuses. É melhor, contudo, trocar a palavra reencarnações por interações.

Vejamos:

Estas 10 reencarnações – ou interações – do deus Vishnu recebem o nome de “Dasa Avatar”. Em cada uma delas o deus Vishnu é apresentado com uma forma e recebe um nome auxiliar ou um apelido. No panteão de deuses hindus eles acabam por serem confundidos com deuses diferentes.

Primeira:  

A vida se formou na água. A representação é de um Peixe com o nome de Matsya Avatar.

Segunda:

A vida saiu da água para a terra. A representação é de uma tartaruga com o nome de Kurma Avatar.

Terceira:

Desenvolveram-se os animais na terra. A representação é de um Javali com o nome de Varaha Avatar.

Quarta:

O homem evoluiu do animal. A representação é de um ser metade homem metade animal, com o nome de Narasimha Avatar.

Quinta:

O homem desenvolve a inteligência. A representação é de um Anão com o nome de Avatar Vamana.

Sexta:

O homem desenvolve as ferramentas (machado) na idade da pedra. A representação é do homem da floresta, com o nome de Parasuram.

Sétima:

O homem desenvolve armas – arco e flecha. A representação é de um homem com arco e flecha, com o nome de Ram. Representa também as primeiras vilas e comunidades;

Oitava:

O homem desenvolve a agricultura. A representação é de um homem com o arado com o nome de Balarama.

Em 10.000 a.C. o homem domina a agricultura (fim da era do gelo), com o cultivo do trigo na Mesopotâmia e do arroz na China.

Nona:

O homem domestica os animais. Representado pelo homem com o nome de Krishna.

Em 10.000 a.C. os animais domesticados são o boi e a ovelha no Oriente Médio, o porco e a galinha na China.

Décima:

Destruição. A 10ª “interação” do deus Vishnu é Kalki e ainda está para chegar.

Acredita-se que montado em um cavalo Devadatha destruirá o mundo. Uma indicação clara de que os seres humanos trarão a um fim a vida na Terra.

Após a completa aniquilação, o senhor Vishnu flutuará, com seu cavalo branco, sobre os escombros da civilização, talvez a última forma de vida restante.  

A Bíblia foi inspirada por Deus? 

O mesmo ser (deus) não poderia produzir dois conceitos tão diferentes. Logo se conclui que nenhum deles foi inspirado por Deus, sendo cada um deles inspirado por deuses diferentes.

Se o deus da Bíblia inspirou um conto infantil e inverídico, o deus dos Vedas inspirou algo que está muito próximo do que a cosmologia está desvendando com a teoria das cordas, e a biologia com a evolução humana.

Não há mais espaço para ficarmos nos prendendo a ensinamentos infantis da Bíblia para estes casos.

A Bíblia foi inspirada pelo deus de Israel (Espírito guia deste povo) e não por Deus. O Espiritismo é uma religião cristã pura por não ter sido ainda modificada pela inclusão da Bíblia em seus ensinamentos.

Não deixemos que isto aconteça. 

Sobre a Criação 

Criação significa partir de um princípio e Lavoisier nos ensina que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Einstein nos ensina que Deus é a Lei e o Legislador do universo.

O Espiritismo nos ensina que Deus é a inteligência suprema do universo, causa primária de todas as coisas.

O hinduísmo diz que o universo é sonho (forma-pensamento) de Deus e é um ciclo sem-fim de nascimentos e mortes.

Tendo sido Sidarta um príncipe nascido em Gautama (região da então Índia), teve ele acesso a esses ensinamentos. Sidarta é o nome do primeiro Buda e fundador do budismo. O budismo fala em gênese continuada. O Espiritismo fica, no entanto, com a ciência. 

Conclusão 

Albert Einstein dizia: “Deus é a lei e o legislador do Universo. A religião do futuro será cósmica e transcenderá um deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia”.

Estamos no princípio de uma nova era e nela as religiões tendem a ser cósmicas, como disse Einstein.

Religião cósmica busca Deus e não um deus pessoal que, se louvado, atende pedidos (amorosos, financeiros etc.), pune, agracia etc.

Religião cósmica é isenta de dogmas, teologias, ritos, sacerdotes, pastores etc. e o Espiritismo é o que mais se aproxima disso, com seu conceito de fé raciocinada.

O Velho Testamento da Bíblia e os Vedas induzem ao culto de um deus pessoal, que na Bíblia é único e nos Vedas são muitos.

Eis o que nos diz Abhilash Rajendran em seu blog:

“Muitas pessoas acham difícil entender o hinduísmo por causa das inúmeras divindades, escrituras e escolas de pensamento. A dificuldade é principalmente devido ao conceito popular de deus de que existe um deus sentado em algum lugar nos céus controlando os acontecimentos na Terra. A maioria dos hindus também acredita em um ‘Deus Supremo’, porém um hindu pode escolher um deus pessoal ou deuses das numerosas divindades do panteão hindu, que são representantes do Ser Supremo – Brahma”.

Por outro lado, Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, dizia: “Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo”.

Jesus se referiu ao Pai… nosso!

Na codificação do Espiritismo, Kardec não incluiu o Velho Testamento da Bíblia e não foi por acaso. Os espíritas devem se dedicar ao estudo da codificação e ela não inclui estes textos da Bíblia.

Melhor assim.

Nota

(1) Referência: blog de Abhilash Rajendran.

O consolador – Ano 6 – N 274 e 275 – Especial

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