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Intolerância e compaixão

Autor: Rogério Coelho

(…) Sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa 

O Espírito de Verdade [1]

O conteúdo da resposta à questão número 886 de “O Livro dos Espíritos”, na qual o Mestre Lionês desejava saber dos Numes Tutelares como é que Jesus entendia o verdadeiro sentido da Caridade, pode ser resumido em apenas uma palavra: compaixão.

Afinal, “Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros e perdão das ofensas” não traduz – fielmente – o sentido da palavra compaixão?

A triste realidade é que – em questão de religiosidade – podemos nos considerar verdadeiros “analfabetos funcionais” [2], uma vez que não temos ainda a capacidade de aplicar, em nosso cotidiano, os postulados que nos foram legados por Jesus há dois milênios.  

Quem, em sã consciência, no estágio em que nos encontramos na escala evolutiva, pode se ufanar de cumprir, de seguir os alcandorados quão sublimes ensinamentos messiânicos hoje recordados pelo Espiritismo?!   Sem embargo, o que nos dá um mínimo de consolo é a assertiva[3] kardequiana que define o perfil do espírita cristão: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”.

Tal postulado nos leva a crer que se “nos esforçarmos” já estamos a caminho da “transformação moral” que um dia chegará.   Há que se esforçar, portanto!…   Isso, pelo menos, já está ao nosso alcance, mesmo que ainda distante esteja a transformação ideal.

Conta-nos[4] o Irmão X, pela psicografia de Chico Xavier, que Jonathan, funcionário do Templo de Jerusalém, anelava ser discípulo de Jesus, mas, estava ainda cheio de dúvidas quanto ao que deveria ser a vivência de tal candidato, mormente com relação aos inimigos. Juntou-se a seus colegas, Jessé e Eliakim, para solicitar uma entrevista com o Meigo Rabi.  Em Sua presença, desabotoaram as muitas dúvidas que os atormentavam… Passou-se, então, o seguinte diálogo:  

 “Messias, somos hostilizados por terríveis desafetos, no Santuário. Mas extasiados com os Teus ensinamentos, estimaríamos acolher-Te a orientação. Ensina-nos como agir…”

Jesus meditou alguns instantes, e respondeu:

 “Primeiramente, é justo considerar nossos adversários como instrutores. O inimigo vê junto de nós a sombra que o amigo não deseja ver e pode ajudar-nos a fazer mais luz no caminho que nos é próprio. Cabe-nos, desse modo, tolerar-lhe as admoestações, com nobreza e serenidade, tal qual o ferro, que após sofrer, paciente, o calor da forja, ainda suporta os golpes do malho com humildade, a fim de se adaptar à utilidade e à beleza”.

Jonathan retomou a palavra, perguntando: — “Senhor, e se somos injuriados?”

— “Adotemos o perdão e o silêncio” — disse Jesus. — “Muita gente que insulta é vítima de per­turbação e enfermidade.”

— “E se formos perseguidos?” — indagou Jessé.

— “Utilizemos a oração em favor daqueles que nos afligem, para que não venhamos a cair no escuro nível da ignorância a que se acolhem.”

— “Mestre, e se nos baterem, esmurrarem?” — interrogou Eliakim — “Que fazer se a violência nos avilta e confunde?”

— “Ainda assim” — esclareceu o Brando Inter­pelado —, “a paz íntima deve ser nosso asilo e o amor fraterno a nossa atitude, porquanto, quem procura seviciar o próximo e dilacerá-lo está louco e merece compaixão.”

— “Senhor” — insistiu Jonathan —, “que resposta oferecer, então, à maledicência, à calúnia e à perversidade?”

O Cristo sorriu e precisou: — “O maledicente guarda consigo o infortúnio de descer à condição do verme que se alimenta com o lixo do mundo, o caluniador traz no coração largas doses de fel e veneno que lhe flagelam a vida, e o perverso tem a infelicidade de cair nas armadilhas que tece para os outros. O perdão é a única resposta que merecem, porque são bastante desditosos por si mesmos”.

— “E que reação assumir perante os que per­seguem?” — inquiriu Jessé.

 “Quem persegue os semelhantes tem o espírito em densas trevas e mais se assemelha ao cego desesperado que investe contra os fantasmas da própria imaginação, arrojando-se ao fosso do sofri­mento. Por esse motivo, o socorro espiritual é o melhor remédio para os que nos atormentam…”

— “E que punição reservar aos que nos ferem o corpo, assaltando-nos o brio?” — perguntou Eliakim, espantado. — “Refiro-me àqueles que nos ver­gastam a face e fazem sangrar o peito…”

 “Quem golpeia pela espada, pela espada será golpeado também, até que reine o Amor Puro na Terra” — explicou o Mestre, sem pestanejar. — “Quem se rende às sugestões do crime é um doente perigoso que devemos corrigir com a reclusão e com o tratamento indispensável. O sangue não apaga o sangue e o mal não retifica o mal…”

E, espraiando o olhar doce e lúcido pelos circunstantes, continuou: 

— “É imperioso saibamos amar e educar os semelhantes com a força de nossas convicções e conhecimentos, a fim de que o Reino de Deus se estenda no mundo… As Boas Novas de Salvação esperam que o santo ampare o pecador, que o são ajude ao enfermo, que a vítima auxilie o verdugo… Para isso, é imprescindível que o perdão incondicional, com o olvido de todas as ofensas, assegure a paz e a renovação de tudo…”

Finaliza o Irmão X: “Nesse ínterim, uma criança doente chorou em alta voz num aposento contíguo… O Mestre pediu alguns instantes de espera e saiu para socorrê-la, mas, ao regressar, debalde buscou a presença dos aprendizes fervorosos e entusiastas.  Na sala modesta de Pedro não havia ninguém”.

Assim somos todos nós!… Fugimos das lutas íntimas que nos levariam à vitória, a alcançar a tão almejada “transformação moral” e, consequentemente, destruir o egoísmo, o orgulho, a vaidade, a intolerância e tudo mais que não presta, mas que ainda acoroçoamos com tanto zelo…

Sem embargo, o Espírito Hammed afirma:[5] “(…) É das escuras cinzas da intolerância que nascerá um dia a Phênix da compaixão, trazendo em suas asas a compreensão de que o desenvolvimento evolutivo sempre acontece”.

Portanto, queiramos ou não, apesar de nossa rebeldia e incompetência, lograremos a transformação moral que nos elevará na hierarquia espiritual e, consequentemente, aos patamares superiores da evolução aos quais estamos destinados. 

Referência

[1] KARDEC, Allan.  O Evangelho seg. o Espiritismo. 121. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. VI, item 5, § 4º.

[2] Analfabeto funcional é o indivíduo que, embora letrado, não consegue interpretar o conteúdo de um texto lido.

[3] KARDEC, Allan.  O Evangelho seg. o Espiritismo. 121. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. XVII, item 4, § 5º.

[4] XAVIER, Francisco Cândido.  Contos desta e d`outra Vida. 10. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1995, cap. 4.

[5] NETO, Francisco do Espírito Santo.  A imensidão dos sentidos.  Pelo Espírito Hammed. 4. ed. Catanduva: Boa-Nova, pág. 137 (in fine)

O consolador – Ano 4 – N 204

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