Autor: André Luiz Alves JR.
Pisar neste terreno é o mesmo que andar em um campo minado, pois o assunto contradiz a crença de muitas pessoas, no entanto, nossa intenção é apenas elucidar o tema sob a ótica da Doutrina Espírita sem promover discussões acaloradas.
Certas religiões não reconhecem o Espiritismo como doutrina cristã e utilizam como principal argumento o fato de que os espíritas não admitem a ideia de que Jesus é o próprio Deus. Em parte, eles estão certos. De fato a Doutrina Espírita não interpreta a figura de Jesus como Deus, mas, daí a dizer que o Espiritismo não é cristão, é uma outra história.
À primeira vista, a afirmação de que o Messias não é o Criador pode nos causar uma certa perplexidade, mas para compreender o tema proposto devemos nos libertar da fé cega que nos torna uma máquina de crer, nos tira a ação de questionar e de submeter as ideias ao crivo da razão.
A divindade de Jesus
O Cristianismo tornou-se religião oficial do Império Romano no ano de 380 d.C., por ordem do imperador Teodósio I. Até então o paganismo predominava naquela civilização e qualquer outra forma de manifestação religiosa era considerada uma subversão. Todavia, a doutrina pagã fora oficialmente extinta somente no ano de 392 d.C. Neste período de conversão do Império Romano, o Cristianismo sofreu influências pagãs e incorporou alguns costumes da antiga religião em suas tradições.
O hábito de cultuar imagens, por exemplo, foi herdado do paganismo. Desta maneira, acredita-se que o endeusamento da personalidade de Jesus tenha partido do mesmo princípio, o que acabou tornando-se um dogma, que posteriormente foi fomentado pela institucionalização da Igreja, que acabou criando, através de seu proselitismo, a imagem de um Messias intocável.
Jesus por Ele mesmo
Sabemos que o Mestre de Nazaré não deixou nenhum registro de suas ideias. Os relatos existentes são narrados pelos apóstolos ou até mesmo pelos discípulos dos apóstolos, que sequer tiveram contato com Jesus, o que não confere grande credibilidade aos registros contidos no Novo Testamento. Mas por serem os únicos relatos existentes, mencionaremos determinadas citações bíblicas atribuídas ao Cristo, que demonstram não ser Ele o Criador.
Vejamos:
“Quem quer que me receba, recebe aquele que me enviou, porquanto aquele que for o menor entre todos vós será o maior de todos”. (Lucas, 9:48)
“Jesus lhes disse então: Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque foi de Deus que saí e foi de sua parte que vim; pois não vim de mim mesmo, foi Ele que me enviou.” (João, 8:42)
“Jesus então lhes disse: Ainda estou convosco por um pouco de tempo e vou em seguida para aquele que me enviou.” (João, 7:33)
“Desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou.” (João, 6:38)
Quem teria enviado Jesus, senão o Criador? As palavras que destacamos em negrito,nos levam a crer que Jesus se refere a outra personalidade, que nada tem a ver com o Nazareno.[1]
Em outras tantas passagens evangélicas, Jesus se dirige a Deus como um filho se reporta a um pai:
“Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu também o reconhecerei e confessarei diante de meu Pai que está nos céus.” (Mateus, 10:32)
“Eu me vou e volto a vós. Se me amásseis, rejubilaríeis, pois que vou para meu Pai, porque meu Pai É MAIOR DO QUE EU.” (João, 14:28.)
Certamente Jesus não se referiu a José quando pronunciou “o meu pai”, mas sim a Deus, que lhe confiou a mais sublime missão. (Obras Póstumas – Allan Kardec.)
Percebemos nestas citações contidas no Novo Testamento, que são atribuídas ao próprio Cristo, que Ele é um enviado de Deus. Descarta-se, portanto, qualquer possibilidade de o Nazareno ser o Criador.
Por fim, destacaremos uma das mais conhecidas passagens atribuídas a Jesus, que é narrada pelos evangelistas nas escrituras. São as últimas palavras do Cristo enquanto espírito encarnado:
“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. (Lucas, 23, 46)
Ora, aqui nos parece muito claro que Jesus se coloca diante de Deus no ponto alto de seu sofrimento. Allan Kardec destaca seu pensamento sobre o assunto:
“Se Jesus, ao morrer, entrega sua alma às mãos de Deus, é que ele tinha uma alma distinta de Deus, submissa a Deus. Logo, ele não era Deus”. (Obras Póstumas – Allan Kardec.)
Jesus, segundo o Espiritismo
Algumas religiões acusam o Espiritismo de diminuir a figura de Jesus, o que não é verdade. A Doutrina Espírita procura resgatar o cristianismo redivivo, que se perdeu com o passar dos tempos, e por isso rejeita o dogma da divindade de Jesus, tal qual o próprio Cristo o fez, como exemplificamos no tópico anterior.
A Doutrina dos Espíritos nos explica que Jesus é um Espírito criado por Deus, simples e ignorante, como todos nós, mas que já percorreu todo o caminho evolutivo e que por isso é um Espírito perfeito.
625) Qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo?
–Vede Jesus. (O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.)
Jesus Cristo é um dos prepostos do Criador, que recebeu a missão de conduzir o nosso planeta. Antes mesmo de a Terra existir, Ele já havia alcançado a perfeição e, juntamente com uma plêiade de Espíritos afins, organizou o nosso sistema, os planetas e tudo o que aqui está.[2]
Sua reencarnação na Terra teve o objetivo de complementar a lei anunciada por Moisés e, sobretudo, para nos mostrar que podemos evoluir moralmente e nos aproximar de Deus.
“Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.” (O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.)
O Espiritismo não endeusa a figura do Mestre, ao contrário, nos apresenta Jesus de uma maneira real e tangível, desmistificando a ideia do Cristo intocável e distante. Ele é o modelo a ser seguido e, somente colocando em prática seus exemplos e ensinamentos, teremos condições de conquistar a perfeição.
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim.”(João, 14)
Deus, segundo o Espiritismo
Não temos a pretensão de definir o que é Deus, até mesmo porque esse assunto foge ao nosso entendimento. Mas recorremos a “O Livro dos Espíritos”, em que Allan Kardec, logo na primeira pergunta direcionada aos Espíritos superiores, vai direto ao ponto.
1. Que é Deus?
–“Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.”(O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.)
Temos aqui uma ideia superficial do que é Deus, pois a natureza humana, ainda muito limitada, não é capaz de compreender a complexidade do Criador. Mas entendemos que Deus é eterno, não teve princípio e não terá fim; é único e soberanamente justo e bom. É dEle que partem todas as coisas, inclusive o princípio inteligente chamado de espírito.
81. Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros?
–“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é mistério.” (O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.)
“Deus não se mostra, mas se revela por suas obras.” Para comprovar sua existência, basta olhar ao redor e contemplar a natureza, o universo, a harmonia de tudo que o homem não criou. Não precisamos nos esforçar muito para compreender que toda esta complexidade nasce de uma inteligência maior, ou nada faria sentido.
Considerações finais
Se todos os Espíritos são criados por Deus e Jesus é um Espírito puro, logo o Cristo não é Deus, mas podemos considerá-lo como seu emissário.
Jesus é parte da obra magnífica e infinita do Criador, trazendo consigo a esperança e a centelha do amor Divino, que nos consola em tempos difíceis e nos reveste de esperança. É a luz que clarifica o caminho para evolução.
–”Jesus foi a manifestação do amor de Deus, a personificação de sua bondade infinita.” (Espírito Emmanuel, no livro “Emmanuel” – Psicografia de Chico Xavier.)
Referências
XAVIER, F.C. – A Caminho da Luz – pelo Espírito Emmanuel, FEB, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1939.
KARDEC, Allan.A gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo.Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 8. ed. Araras, SP: IDE, 1995.
KARDEC, Allan. Obras póstumas. 30.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2001.
KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos – FEB, Rio de Janeiro, 1994.
[1] Fonte: Obras Póstumas – Allan Kardec
[2] Fonte: A Caminho da Luz – Emmanuel (Psicografia de Chico Xavier).
O consolador – Ano 9 – N 427