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Levantando o véu da eutanásia

Autor: Victor Passos

Este é um tema que agora começa a mexer de novo com os cidadãos portugueses, principalmente pelas preocupações que ele levanta, sejam de ética médica, bem como de conceito de opção. Tentaremos com este artigo mostrar que é preciso perceber o conteúdo do que falamos ou fazemos, a fim de que depois não criemos fragilidades para nós mesmos e, com isso, problemas conscienciais.

Antes de qualquer referendo e sua resposta devemos procurar perceber bem aquilo no que nos metemos. Quando falamos em termo de uma vida, várias são as concessões a verificar, quer no conceito, quer na posição.

Todos já ouviram falar em Distanásia e Ortotanásia. Desvendemos estas situações relacionadas com o termo da vida.

Distanásia significa o capricho terapêutico para adiar uma morte iminente.   

Ortotanásia constitui a morte em seu processo natural, sem se prolongar o tratamento do indivíduo enfermo.

Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a eutanásia pode ser dividida em dois grupos: a “eutanásia ativa” e a “eutanásia passiva”. Embora existam duas “classificações” possíveis de eutanásia, esta em si consiste no ato de facultar a morte sem sofrimento a uma pessoa cujo estado de doença é crônico e, portanto, incurável, normalmente associado a um imenso sofrimento físico e psíquico.

A “eutanásia ativa” conta com um delineado grupo de ações que têm por objectivo pôr termo à vida, na medida em que é preparada e ajustada entre o doente e o profissional que vai levar a termo o acto.

A “eutanásia passiva”, por sua vez, não instiga intencionalmente a morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, farmacológicos ou outros, o doente acaba por falecer. São expiradas todas e quaisquer ações que tenham como fim prolongar a vida. Não há por isso um acto que provoque a morte (tal como na eutanásia ativa), mas também não há nenhum que a impeça (como na distanásia).

Diferença entre eutanásia e “suicídio assistido”

É importante distinguir eutanásia de “suicídio assistido”, na medida em que na primeira é uma terceira pessoa que a executa, e no segundo é o próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros.

Etimologicamente, distanásia é o oposto de eutanásia. A distanásia defende que devem ser utilizadas todas as possibilidades para prolongar a vida de um ser humano, ainda que a cura não seja uma possibilidade e o sofrimento se torne demasiadamente penoso.

Notamos que existe uma onda de enormes posições favoráveis à eutanásia. Basta olharmos para o Governo a tomar medidas sem pensar nas consequências destas, com a agravante de querer decidir com suas vozes algo que o povo não tomou como opção. Tais posições, na maioria das vezes, são motivadas pelo sentimento de compaixão em relação ao sofrimento do doente em fase terminal, preso à sua cama, com a sentença dada pelo diagnóstico médico de que a situação é irreversível.

Muitas vezes, percebe-se a existência de interesses ocultos, geralmente relacionados com questões de ordem econômico-financeira, ou a presença de sentimentos egoístas que levam à necessidade de libertar o doente, para emancipar-se do compromisso e do comprometimento com o mesmo.

O contexto materialista e acessório que percorre a sociedade contemporânea, em relação à eutanásia, surge como um eflúvio, que liberta o ser de um sofrimento inútil, já que não existe uma possibilidade de cura ou de retorno à consciência. Mas quem sabe o limite de espera dessa situação?!

Essa questão, refletida à luz do Espiritismo, remete-nos à análise de dois pontos fundamentais: a Reencarnação e a Lei de Causa e Efeito.

A reencarnação é um processo que possibilita o desenvolvimento intelecto-moral do ser, através da pluralidade das existências, e viabiliza o crescimento íntimo que geralmente é lento, mas contínuo. Sabemos que “A experiência física é um momento muitíssimo breve para conquista dos tesouros insonháveis da sabedoria que provém de Deus”.     

Assim sendo, em cada experiência física o Ser progride paulatinamente, seja pela dor ou pelo amor, na sua caminhada em busca da perfeição. Logo, a vida é uma doação que recebemos, para que possamos cumprir os nossos processos evolutivos, numa trajetória ascensionária para Deus.

O percurso da evolução é lento e muitas vezes penoso

O corpo é o aparelho bendito que possibilita a existência para ensejo redentor da reencarnação. Ele é afeiçoado de acordo com as matrizes do perispírito que tem em seu registro todos os princípios de virtuosismo ou as dívidas adquiridas pelo Ser espiritual nas suas sucessivas reencarnações. Assim, por consequência, somos os artesãos desse valioso aparelho, através do qual seguimos na marcha com rumo à sublimidade. As diferentes metodologias das enfermidades pelas quais caímos podem ter sua geração em atitudes menos saudáveis que abraçamos na existência atual, decorrentes das tempestades do passado.

O percurso de evolução é lento, muitas vezes penoso, porém justo, de acordo com as especificidades de cada ser.

O homem é o construtor de si mesmo sob a inalienável observância e o determinismo das soberanas Leis… Legatário das próprias experiências, plasma numa etapa o envoltório de que se revestirá na próxima, enrodilhando-se no cipoal dos remorsos ou elaborando as asas  com que, livre, planará nos espaços da consciência reta.”

Tendo em conta a Lei de Causa e Efeito, o Ser vivencia na atual vida as reações de suas ações do passado, portanto é o juiz de seus atos e, também, responsável por tudo de bom como de mal que lhe acontece. Assim, a aflição humana constitui-se em via de redenção espiritual, devido à imperfeição moral do ser. Através dela, o homem resgata os compromissos assumidos no passado delituoso, ao mesmo tempo em que repara as transgressões cometidas contra os códigos constituídos pela Lei da Vida, subindo na hierarquia evolutiva e deixando à retaguarda o seu primitivismo animal.

Diante da compreensão e anuência da reencarnação, do entendimento de que a justiça é feita através do próprio Ser pelo seu proceder, não há como aceitar a eutanásia. Esta mostra-se como delito ante a consciência da realidade espiritual. Não cabe ao homem determinar sobre a vida ou morte de seu próximo, mesmo que este se encontre em extremo sofrimento, moribundo ou em outros tormentos crônicos. Incumbe somente a Deus precisar a hora do término da provação. Quem somos nós, para antecipar o tempo necessário dum resgate edificante? Quem abona que o doente não possa restabelecer-se de forma inesperada? Quem pode afirmar que a ciência nunca fracassou? E se a ciência descobre a cura?

Perante o Espiritismo não há explicação que justifique a utilização da eutanásia; temos que respeitar a vida humana até o extremo suspiro e, além dele, na verdadeira vida – a espiritual.

Acobertar a eutanásia é um equívoco

Quando o homem for inspirado pela fé verdadeira, entenderá a real definição da dor e da comiseração, e a eutanásia não será mais motivo de altercação e inquietação, pois as diligências serão todas trazidas no sentido do auxílio, para que os irmãos em agonia possam chegar ao término de sua marcha terrena desempenhando com êxito suas provas e expiações, para partirem em paz rumo à libertação total.

Essa, a opinião dos nossos Irmãos espirituais: 

28. Um homem está agonizante, presa de cruéis sofrimentos. Sabe-se que seu estado é desesperador. Será lícito pouparem-se-lhe alguns instantes de angústias, apressando-se-lhe o fim?

Quem vos daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode ele conduzir o homem até à borda do fosso, para daí o retirar, a fim de fazê-lo voltar a si e alimentar ideias diversas das que tinha? Ainda que haja chegado ao último extremo um moribundo, ninguém pode afirmar com segurança que lhe haja soado a hora derradeira. A Ciência não se terá enganado nunca em suas previsões? Sei bem haver casos que se podem, com razão, considerar desesperadores; mas, se não há nenhuma esperança fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, existe a possibilidade, atestada por inúmeros exemplos, de o doente, no momento mesmo de exalar o último suspiro, reanimar-se e recobrar por alguns instantes as faculdades! Pois bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de arrependimento. O materialista, que apenas vê o corpo e em nenhuma conta tem a alma, é inapto a compreender essas coisas; o espírita, porém, que já sabe o que se passa no além-túmulo, conhece o valor de um último pensamento. Minorai os derradeiros sofrimentos, quanto o puderdes; mas, guardai-vos de abreviar a vida, ainda que de um minuto, porque esse minuto pode evitar muitas lágrimas no futuro. – S. Luís. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V.)

106 – A eutanásia é um bem, nos casos de moléstia incurável?

O homem não tem o direito de praticar a eutanásia, em caso algum, ainda que a mesma seja a demonstração aparente de medida benfazeja. A agonia prolongada pode ter a finalidade preciosa para a alma e a moléstia incurável pode ser um bem, como a única válvula de escoamento das imperfeições do Espírito em marcha para a sublime aquisição de seus patrimônios da vida imortal. Além do mais, os desígnios divinos são insondáveis e a ciência precária dos homens não se pode decidir nos problemas transcendentes das necessidades do Espírito. – Emmanuel (O Consolador, obra psicografada por Francisco Cândido Xavier.)

Acobertar a eutanásia é, sem mais nem menos, fazer a defesa de um crime. Não desmoralizemos a civilização contemporânea com o preconício do homicídio. Uma existência humana, embora irremissivelmente empolgada pela dor e socialmente inútil, é sagrada. A vida de cada homem, até o seu último momento, é um subsídio para a harmonia suprema do Universo. Não nos acumpliciemos com a Morte.

Bibliografia

FRANCO, Divaldo P. Terapêutica de Emergência/Diversos Espíritos. Salvador, BA: Livr. Alvorada, 2002.

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. S. Paulo: Livr. Allan Kardec. 1970.

XAVIER, Francisco C. Justiça Divina/Emmanuel. Rio de Janeiro. FEB, 1962. XAVIER, Francisco C. (EMMANUEL – O Consolador)

Victor Manuel Pereira de Passos, escritor e palestrante, é membro da Associação Espírita Paz e Amor, em Viana do Castelo, Portugal.

O consolador – Ano 9 – N 458 – Especial

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