Autor: Dr. Nubor Orlando Facure
Uma interpretação biológica, psicológica e sua transcendência espiritual
Introdução
Existem dois campos paralelos nos quais ocorrem os fenômenos mediúnicos. São, na verdade, dois universos distintos, dois ambientes inter-relacionados onde a fenomenologia se desenrola. Um deles se situa do nosso lado: é o “universo dos fenômenos físicos” que compartilhamos no dia-a-dia, fenômenos que ocorrem dentro de nós ou fora, no contexto do ambiente onde frequentamos. Está chovendo, saí sem qualquer proteção, molhei-me todo e à tarde meu corpo arde em febre. O outro é o “universo espiritual” que nos envolve sutilmente sem nos darmos conta da sua presença. Aí se processam múltiplos acontecimentos a que nossa visão carnal não tem acesso, mas é onde habitam os Espíritos que compartilham conosco as boas e más ocorrências desta vida.
Como estudar a Mediunidade?
Sem a ajuda e as instruções dos Espíritos desencarnados, qualquer um de nós só pode falar de uma mediunidade “caolha”, observando apenas um lado, já que temos informações de fenômenos que observamos somente quando eles se manifestam no nosso universo físico.
Preciso relembrar que Allan Kardec codificou a Doutrina Espírita recebendo da espiritualidade os ensinamentos básicos sobre a mediunidade. Posteriormente, suas informações foram ampliadas com as obras de André Luiz. Estão ali, nos textos desses dois autores, as informações de “padrão ouro” que meu estudo não pretende modificar nem uma vírgula sequer.
Dito isso, quero anotar que o texto que aqui será exposto só tem valor especulativo, por me posicionar como um observador sem a visualização do universo espiritual de onde os Espíritos nos alcançam. É apenas uma contribuição complementar às obras de Kardec e André Luiz.
Mediunidade em quatro abordagens
Vamos estudar quatro aspectos da mediunidade. É preciso deixar claro que termos novos que eu possa usar só terão valor didático, para facilitar a compreensão. Insisto que estão em Allan Kardec as boas lições das quais não podemos esquecer nem deixar de estudar.
O que é um quadro clínico?
Quase todo mundo já esteve num consultório e percebeu que o médico começa a nos entrevistar para conhecer nosso quadro clínico. Isso antes de qualquer exame, antes mesmo do famoso exame clínico, quando ele examina nosso corpo.
Um paciente idoso está com febre, arrepios e dor quando urina. Esse quadro clínico pode sugerir uma infecção urinária, coisa comum em idosos.
Agora é uma criança que vai deitar com febre alta, piora muito rapidamente, vomita e fica prostrada. Levada ao hospital diz que a cabeça dói muito. Seu médico precisa providenciar rapidamente exames para confirmar meningite. Esse quadro em crianças é gravíssimo.
Depois chega uma jovem assustada, desesperada, que respira mal, sente-se sufocada, dá a impressão de morte iminente. Apesar de toda agitação, o médico plantonista aplica um sedativo leve e acalma os familiares afirmando que se trata de um quadro clássico de síndrome do pânico.
Estão aí três quadros clínicos de fácil reconhecimento. A sua forma de apresentação no idoso, na criança e na jovem é reconhecida facilmente por qualquer médico experiente. Vamos concluir que existem quadros clínicos típicos para cada idade, com uma apresentação particular mais ou menos característica e são essas particularidades que vão enriquecendo o conhecimento médico.
O que é um quadro psicológico?
Quando estamos falando em aspectos psicológicos, a que estamos nos referindo?
Trata-se do estudo de dois tópicos: da nossa atividade mental e do nosso comportamento. Por atividade mental se entende, por exemplo, o nosso pensamento, o raciocínio, o juízo, a atenção, a linguagem, a consciência e nossa constelação de emoções.
Nossos comportamentos existem a partir de uma atividade mental que o determina ou lhe sucede. Decido ler um livro – me levanto e vou até minha biblioteca. Quero falar com minha filha – tenho de me levantar e ligar seu número no telefone. Preciso ir ao quintal levar uma comidinha para meus gatos, e assim o faço.
Vamos analisar outros exemplos
Uma criança chuta sua bola que quebra a vidraça do vizinho. Isso é um comportamento antissocial. A pobre criança sai correndo tremendamente assustada e trêmula. Essa é sua resposta emocional, que ela vivência com grande sofrimento psíquico. É um determinado comportamento que gerou uma forte resposta psicológica emocional.
Existe uma psicologia específica do adolescente que todo mundo conhece. São rebeldes, desobedientes, arrojados, não temem correr riscos e ambicionam grandes conquistas, quase sempre por imitação aos seus ídolos. É o psiquismo determinando comportamentos apropriados para a idade.
Há um comportamento psicológico que se destaca na mulher, na fase pré-menstrual, quando ela se torna extremamente emotiva, e é assim, também, na menopausa, nos meses iniciais da gravidez, no pós-parto imediato.
O homem também não escapa de suas expressões psicológicas próprias. O solteirão galanteador, o marido rígido e autoritário, o ricaço esnobe.
Há uma relação nítida entre a personalidade e o comportamento psicológico. Certas pessoas são extrovertidas, outras tímidas, outra é impulsiva, reage sem pensar, e outra ainda, é insegura, sugestionável e se deixa levar pela opinião dos outros.
A reação psicológica da pessoa humana é um acontecimento conhecido porque todos nós a apresentamos e é tão típica que cada um de nós passa a ser conhecido pelas reações que apresenta em sociedade ou na família na qual vive.
Tudo isso daqui para frente nós vamos identificar nos médiuns que vamos estudar. Afinal, eles também são humanos e a mediunidade não é uma propriedade extraterrestre, ela é 100% humana.
O que é um quadro biológico?
O que se entende como biologia do comportamento?
É o estudo do que se passa no cérebro durante um determinado comportamento. Falo ao telefone, por exemplo, o que ocorre nesse instante, nos neurônios, nos núcleos cinzentos da base do crânio, nos sistemas motores, sensitivos ou nas áreas da linguagem.
Vamos a um comportamento prático: acabo de abrir meu notebook erguendo uma de suas partes. Vejo o teclado, aperto a tecla que inicia sua atividade e daqui a pouco posso digitar meu texto. Quero saber o que se passou em meu cérebro em cada um dos passos que dei.
Abri o notebook realizando o que chamamos de um ato motor voluntário. Tenho no meu cérebro uma área motora na região frontal que realiza esse gesto. Quero pegar um lápis para escrever, chutar uma bola, abrir a boca, atirar uma pedra, dar um salto, dar um “tchauzinho”, afinal, tudo que faço por decisão espontânea agindo com meus músculos é um ato motor voluntário que ocorre por ação da área frontal motora (Área 4 de Brodmann).
No meu notebook dirigi o foco da minha atenção para a tecla de ligar – também é uma atividade frontal nas suas regiões mais anteriores.
Em seguida passei a digitar; a cada ideia que me surgia eu teclava letra por letra, rapidamente, construindo um texto. Para isso estou bem treinado e o faço automaticamente. Esse é o termo mágico, estou digitando com meu “sistema motor automático”. Ele se situa, predominantemente, em “núcleos” situados na profundidade do cérebro e são conhecidos como “núcleos ou gânglios da base”.
Vários dos meus comportamentos motores se tornaram automáticos: quando caminho apressado, quando mastigo, quando falo, quando escrevo rapidamente, quando ando de bicicleta, quando jogo tênis, quando vou nadar na piscina – depois de aprendido, eles se automatizam.
Ao estudar o processo de psicografia na mediunidade poderemos constatar esse mesmo desenrolar de atividade motora, estando o médium senhor dos atos voluntários ao pegar sua caneta, enquanto o Espírito comunicante mobiliza os recursos dos automatismos motores fazendo uma escrita rápida e mecanizada – automatizando sua escrita.
O que vem a ser a transcendência na mediunidade?
Usamos esse termo para levar em consideração o mundo espiritual. É de lá que vêm a mensagem, a comunicação, a informação espiritual, a aproximação, a presença ou a ausência do fenômeno. Nesse outro lado da vida, a direção, o domínio, a vontade, a iniciativa pertencem aos Espíritos, e nós só saberemos “indiretamente” o que se passa ali. Nossos sentidos físicos são opacos a essa dimensão. O que ficamos sabendo é de alguma forma relatado por eles, os Espíritos que conosco se comunicam.
A biologia da mediunidade
Nesse estudo sobre a relação entre o cérebro e a mediunidade vamos iniciar com algumas noções da anatomia das áreas que participam do fenômeno mediúnico. Devo insistir que essas informações não expressam senão minha opinião, não podendo ser consideradas como uma verdade espírita.
A alça superior se refere à atividade motora voluntária, de iniciativa do Médium e a alça inferior realiza os movimentos automáticos onde o Espírito pode atuar com melhor desenvoltura.
Área da Atividade Motora Voluntária
Ela corresponde à área 4 de Brodmann situada no lobo frontal, constituída pelas células gigantes piramidais. Esses neurônios enviam seus enormes prolongamentos para a medula espinhal onde fazem ligações com um segundo grupo de neurônios situados em nossa medula espinhal que se dirigem diretamente aos músculos, produzindo neles um efeito de contração. Portanto, teoricamente, quando decido pegar um lápis para escrever, estarei usando dois neurônios – o piramidal que se situa na área 4 no lobo frontal e o segundo neurônio (motor) na medula espinhal. Pelo meu comando voluntário, os músculos da mão são contraídos com a determinação desses dois neurônios e posso prender o lápis em minha mão.
Área de Atividade Motora Automática
Imaginem que estamos almoçando juntos. Inicio cortando um pedaço do meu bife, começo a mastigá-lo e, ao mesmo tempo, você me interpela sobre como foi meu dia hoje. Enquanto vou lhe descrevendo meu dia, vamos trocando impressões sobre os acontecimentos desse dia e continuarei cortando o bife, mastigando e deglutindo sem interromper nossa conversa. Está aí um conjunto de atos automáticos: cortar o bife, colocar na boca, mastigar, deglutir e continuar conversando. Tudo isso é feito sem grande esforço, já que automatizei todos esses comportamentos motores.
Para automatizar um ato motor eu passo primeiro por uma fase de aprendizado – por exemplo, para aprender a dirigir um automóvel, ou tocar um violão. Depois de exercitar muito, posso dirigir o carro ou tocar o violão automaticamente.
Na mediunidade isso também ocorre: passamos por uma fase de exercícios, aprendizado, de desenvolvimento, que na verdade é um treinamento motor, o qual nos permitirá, depois, automatizar os gestos da escrita mediúnica. Anatomicamente, nossa atividade motora automática é determinada pela atividade de neurônios situados principalmente nos núcleos da base.
Áreas da visão
Estão situadas na parte posterior do cérebro, na região occipital. O importante é sabermos que o estímulo luminoso refletido por um objeto qualquer atinge nossa retina, penetra pelos nervos ópticos, segue por vias nervosas dentro do cérebro, sendo orientado até aos lobos occipitais onde a imagem sofre um tratamento que codifica cores, forma, movimento, localização no espaço e associação com nosso histórico de experiências anteriores relacionadas com o objeto visto.
Suponha que estamos vendo um passarinho cantando numa árvore aqui perto. Utilizando vários giros do nosso cérebro, identificamos sua forma, sua localização, suas cores e a possibilidade de já termos visto um passarinho igual. Sendo assim, as nossas imagens são uma criação complexa que produz uma imagem construída com o concurso de vários segmentos do nosso cérebro. Podemos afirmar que o que vemos é na verdade pura “imaginação” ou, melhor dizendo, uma interpretação que cada um faz com os conhecimentos que tem. É por isso que, a partir do que já conheço, posso afirmar com certeza que é um sabiá o passarinho que estou vendo cantando no galho próximo.
No médium vidente, ele processa as imagens por meio do seu cérebro; então, ele fará do mesmo jeito uma “imaginação”. Na verdade, esse termo é perigoso porque pode sugerir que a imagem seja montada falsamente, mas não é. Ela é “construída” mentalmente a partir de experiências visuais prévias de que dispõe o médium. Sem querer ser jocoso, vamos a um exemplo: imaginem que um Espírito nos traga para ver o último modelo de Smartphone lançado na espiritualidade. Ponha-se no lugar do médium e tente descrevê-lo; cada um dará a sua versão. Ocorre assim numa reunião espírita: cada médium fará sua própria imaginação, dará ao que vê sua própria interpretação.
Outro bom exemplo é o caso de uma excursão com os alunos. Iremos passear na floresta. Ali estão alunos mais arrojados, outros mais tímidos, os prolixos e exagerados, e finalmente os medrosos. A professora colherá relatos visuais com o colorido da personalidade que interfere na interpretação de cada aluno. Esqueci-me de dizer que entre os alunos nós temos um indiozinho, acostumado com o cenário da floresta e esse nos fará a melhor descrição do que realmente foi visto na excursão dos alunos. Vamos transpor essa excursão para um grupo de médiuns levados a uma colônia na espiritualidade. Cada um voltará com seu relato particular. Isso torna a informação mediúnica menos confiável? Não! Nosso mundo funciona assim e nossa inteligência vai aprendendo a selecionar o que mais coaduna com a realidade.
O cerebelo
O cerebelo, que significa cérebro pequeno, está situado na parte de trás do cérebro. Enfiar a linha na agulha ou alinhar as letras na linha da página exige coordenação dos movimentos. Andar em linha reta e desviar de cada obstáculo exige equilíbrio. É o cerebelo que nos favorece ter coordenação e equilíbrio. Ele tem ligação direta com aquelas áreas motoras do lobo frontal que já conhecemos. Com isso ele dirige todos nossos gestos motores. O cerebelo nos faz lembrar o papel do antigo “charreteiro”: mesmo sentado atrás, ele detém as rédeas que controlam o cavalo, determinando direção, velocidade e impulsos.
Glândula Pineal
Essa glândula adquiriu no meio espírita certo ar de importância compatível com o terceiro olho das doutrinas indianas. Não quero ser uma voz dissonante, e preciso por isso me cuidar para não produzir confusão a um tema tão simpático a nós espíritas. Antes, porém, preciso me posicionar como neurologista e resumir o que se aceita como função da pineal no organismo humano. Ela produz um hormônio clareador da pele chamado melatonina. A luz bloqueia sua produção, portanto, seu nível só aumenta em ambientes escuros: à noite, quando fechamos os olhos, quando apagamos as luzes, quando penetramos uma caverna escura ou mergulhamos na profundeza dos rios. Dei esses exemplos para lembrarmos que os antigos monges meditavam na escuridão das cavernas e um conhecido peixe dos nossos rios, o bagre, é bem escuro quando vive nas superfícies dos rios e torna-se esbranquiçado quando migra para as profundidades; a melatonina produzida na escuridão dos rios clareia a sua pele.
A melatonina exerce, também, um efeito tranquilizante. Ela provoca sonolência, ela pode produzir um relaxamento de tal monta que nos levaria ao êxtase. Percebe-se assim que a pineal tem relação direta com os mecanismos do nosso sono. Muita gente usa esse hormônio para combater a insônia.
Além do que já foi dito, a glândula pineal relaciona-se com o desenvolvimento da sexualidade. Ela é inibidora da rotina cíclica da atividade sexual. Nos períodos do inverno o urso se acomoda para hibernar dentro de cavernas escuras onde a pineal aumenta sua produção, levando à sonolência e inibição dos desejos de acasalamento.
A Pineal em André Luiz
Quando André Luiz escreveu seu primeiro livro, Nosso Lar, que foi prefaciado por Emmanuel em 3 de outubro de 1943, ele revelou uma atuação extraordinária da glândula pineal em toda a fenomenologia mediúnica. Por mais entusiasta que sejamos, nesses últimos 70 anos a neurologia não conseguiu acrescentar uma só vírgula que possa corroborar o que foi ensinado por André Luiz nos seus diversos livros. Para mim, isso não tem nada de estranho, já que é ele e não nós quem tem acesso ao universo espiritual que nós não enxergamos. Além disso, no momento, não dispomos de nenhum instrumento de observação direta desse outro lado da vida, a não ser os próprios médiuns, que estão sempre perscrutando esse ambiente. A partir da Terra não podemos registrar o que se passa na pineal, o que é diferente quando ela é vista a partir da espiritualidade.
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