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Mediunidade não se desenvolve apenas em salas mediúnicas

Autor: Rogério Miguez

Observa-se como orientação básica em algumas agremiações espíritas a ideia de ser absolutamente necessário aos médiuns formados na Instituição estarem sempre envolvidos nas reuniões de prática mediúnica da Casa, afinal, “formaram-se” com qual objetivo?

Nota-se, de igual modo, inadvertidamente nos programas “caseiros” de orientação aos médiuns, o ensino de que médium, propriamente dito, só trabalha em atividade mediúnica específica.

Alguns instrutores de mediunidade, com pouca ou escassa experiência, mas com a já famosa “boa vontade”, aventuram-se a coordenar programas de mediunidade, quando, sem embasamento teórico e, muito menos prático, acabam não por formar médiuns, mas desorientá-los em relação aos princípios básicos do entendimento espírita, fundamentos estes que os acompanharão pelo resto da vida. Caso estes últimos não tenham a oportunidade de frequentar outras Casas, e, nestas, filiarem-se novamente a outro programa de formação mais conforme com os postulados da Doutrina espírita, permanecerão prisioneiros dos equivocados princípios inicialmente apreendidos.

Um médium com a sua mediunidade mal desenvolvida e, igualmente deseducado doutrinariamente, acaba acreditando deva passar as vinte e quatro horas do dia em salas mediúnicas, criando embaraços e dificuldades para a Casa em que busca servir, pois crê, conforme lhe foi ensinado: quanto mais presente estiver em trabalhos mediúnicos, melhor para sua vida mediúnica, certeza de cumprimento de sua vida missionária.

Uma das corriqueiras atitudes destes médiuns, no afã de trabalhar diariamente é envolver-se em mais de uma reunião de assistência espiritual por semana, caso existam na Casa, e, se por ventura não lhes for permitida esta conduta, procuram e descobrem outros Centros, se apresentam e passam a trabalhar mediunicamente, quando autorizados nestas outras Instituições, satisfazendo assim o seu entendimento distanciado dos princípios doutrinários.

Surpreendentemente, há ainda aqueles, não satisfeitos em trabalhar apenas em Centros espíritas, envolvendo-se ainda com atividades mediúnicas ligadas aos cultos africanos, locais, de modo geral, onde prevalece apenas a prática mediúnica, sendo raros os estudos, alegando, para perplexidade dos estudiosos espíritas, ser tudo a mesma coisa, afinal, em última instância, o importante é o fenômeno, enfatizam do alto de suas cátedras do saber.

Estas condutas só se fazem presentes no meio espírita em função dos dirigentes das Casas, nas figuras de seus conselheiros, coordenadores, diretores de doutrina, quando efetivamente existem, às vezes até por desconhecimento, não atuarem doutrinariamente, pois, de fato, muitos nada entendem de mediunidade, aceitando as idiossincrasias dos médiuns, como se eles estivessem com a razão, afinal, são médiuns e precisam interagir objetivamente com os Espíritos.

Um quadro preocupante dentro do movimento, pois não se enxerga, a curto espaço de tempo, solução para tal conduta, aumentada na razão direta do desconhecimento de um livro raro hoje em dia de ser lido e escassamente estudado nos arraiais espíritas, o único tratado sobre mediunidade, deveria ser a “Bíblia” dos médiuns, o cada vez mais desconhecido O Livro dos Médiuns.

Lançado em 1861, há mais de cento e cinquenta anos, com tradução para o idioma português desde o ano de 1875, teve o seu tempo de glória em passado distante, quando era livro de cabeceira dos médiuns, e qualquer programa de formação destes trabalhadores tinha por base este compêndio singular sobre mediunidade. Agora, observam-se programas de formação à moda da Casa, cada qual com suas apostilas redigidas por alegados conhecedores da Doutrina, quando muitos ditam normas e condutas, sem jamais terem sequer folheado O Livro dos Médiuns, muito menos o estudado.

E assim caminha o movimento, conscientizar estes médiuns é tarefa espinhosa, pois, malformados, resistem a qualquer argumentação contra as suas distanciadas rotinas de trabalho do verdadeiro Espiritismo, mesmo quando a orientação é baseada em O Livro dos Médiuns, porquanto, para estes trabalhadores, este livro é coisa do passado, plenamente superado pelas “modernas técnicas” difundidas na atualidade, por exemplo, a apometria.

Mas, afinal, onde posso desenvolver a minha mediunidade, trabalhar em prol da grande massa de necessitados encarnados e desencarnados, cumprir plenamente a minha missão, senão nas reuniões mediúnicas? Há outros caminhos? Quais seriam?

Antes de alinhar algumas recomendações espíritas, seria interessante refletir como agiam os médiuns na antiguidade para trabalhar mediunicamente, pois sempre os houve em quantidade na Terra, tempos onde nem existiam salas reservadas para mediunidade, aliás, nem existia a palavra mediunidade.

Todos eles trabalhavam, não há sombra de dúvida, pois seria um contrassenso dos Espíritos encarregados nos processos das reencarnações permitirem ser este ou aquele portador de mediunidade, sem haver condições plenas de se atuar mediunicamente. Por qual motivo estes encarnados seriam médiuns? Lembremo-nos de ser a mediunidade lei de Deus, não é privilégio de ninguém.

A razão assim nos informa: deveria haver atividade mediúnica, sem existir sequer programa de formação, muito menos reunião de médiuns, ou seja, a atuação mediúnica propriamente dita era viabilizada na figura dos Hierofantes, Xamãs, Feiticeiros, Bruxos, Pitonisas, Magos, Benzedeiras, todos estes, detentores de certas percepções espirituais mais acentuadas – mediunidades – desempenhando o papel de intermediários – médiuns – entre os encarnados e os desencarnados. Isto ao ar livre, nas cavernas, nas catacumbas, de casa em casa…

Fazendo menção ao cenário do passado, de forma alguma, estamos sugerindo aos modernos médiuns do século XXI se embrenharem pelas selvas e grutas para estabelecer contato mais íntimo com os Espíritos; muito menos bater de porta em porta oferecendo seus préstimos mediúnicos a qualquer um, o objetivo da lembrança do que acontecia nos tempos antigos seria apenas para demonstrar ter o intercâmbio mediúnico possibilidade de acontecer fora da sala mediúnica.

Outro fato valendo a pena ser comentado se relaciona aos muitos médiuns não espíritas da atualidade, pois, não foram e não são adeptos do Espiritismo, no entanto, são tão médiuns quanto os médiuns espíritas. Como fizeram e fazem para exercitar a mediunidade, considerando desconhecerem Allan Kardec, muito menos as obras fundamentais?

A atuação propriamente dita mediúnica ocorre em variadas situações:

  1. Em uma orientação a um amigo ou desconhecido a nos procurar no dia a dia;
  2. Através do atendimento às muitas necessidades materiais humanas, por exemplo, ajudando na distribuição de sopa aos famintos;
  3. No ambiente de trabalho em conversas edificantes com os conhecidos;
  4. No seio da família, distribuindo ensinos;
  5. Evangelizando os pequeninos;
  6. Em atividades de passe, Johrei…;
  7. Na atuação sincera religiosa dentro das igrejas, templos, pagodes…

Sem qualquer necessidade de incorporações ou psicografias, estas sim, atividades típicas de salas mediúnicas em Centros espíritas, concretizando-se:

  1. Pelas intuições recebidas ou captadas e transmitidas aos necessitados;
  2. Pelos fluidos transmitidos quando do envolvimento sincero com os semelhantes;
  3. Através da leitura de obras de cunho moral e ético elevado;
  4. Pela disciplina dos pensamentos não dando guarida às más ideias;
  5. Se afastando das conversas maliciosas;
  6. Durante estudos sérios sobre a Doutrina, não precisando ser necessariamente sobre mediunidade;
  7. Pela leitura atenta de O Livro dos Médiuns, em momentos de recolhimento íntimo;
  8. Pela interação com o guia espiritual que tudo acompanha ao solicitar orientação via mensagens espíritas;
  9. Orando com fervor pelos necessitados de toda ordem…

Se não fosse assim, só registraríamos médiuns após Kardec e somente entre os espíritas.

A propósito do último item, interação com o guia espiritual, recordemos os dizeres de um dos mais atuantes médiuns que já existiu, e viveu aqui no Brasil – Francisco Cândido Xavier – quando há décadas já exercitava suas várias mediunidades1:

Chico, aos quarenta anos de serviço mediúnico, pode você explicar o que seja desenvolvimento de mediunidade? 

“Do ponto de vista técnico, não sei responder. Pela prática da vida, creio, porém, que desenvolvimento mediúnico é o aumento da intimidade do médium com as entidades espirituais ou a penetração gradativa da pessoa humana na esfera de atividades da alma, habitualmente invisível para os olhos.”

Vale a pena também lembrar aos médiuns sobre a concreta possibilidade de atuarem mediunicamente durante o sono, contudo, raros são aqueles se lembrando de orar ao deitar, se preparando para tanto, e raríssimos são aqueles verdadeiramente se colocando à disposição para trabalhar no plano espiritual durante o período de descanso do corpo físico. A espiritualidade ligada aos trabalhos mediúnicos nas Casas, após a atividade rotineira do dia a dia, sempre está conclamando os médiuns a dar continuidade ao serviço no plano astral, contudo, infelizmente, estes encarecidos pedidos encontram pouca ressonância junto aos muitos trabalhadores.

Desta forma, deixemos de lado a falsíssima ideia de que só as salas mediúnicas viabilizam o intercâmbio mediúnico, vejamos o mundo como uma imensa região de variadas possibilidades e nos coloquemos à disposição dos sofredores; em situação delicada, emocionalmente ou materialmente, nossos guias estarão atentos, como sempre, e nos ajudarão a bem exercer o compromisso mediúnico firmado ainda no plano astral, de modo satisfatório e produtivo tanto para nós mesmos, quanto para aqueles interagindo conosco.

Referência

[1] BARBOSA, Elias. No mundo de Chico Xavier. 1. ed. São Paulo: Edição Calvário, 1968. Encontro com Chico Xavier – capítulo 5 – pergunta 1.

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