Autor: Leonardo Marmo Moreira
Uma alternativa interessante para os trabalhadores iniciantes da mediunidade, que não apresentem maior ostensividade mediúnica, pode ser a mediunidade socorrista dos passes
A famosa explicação da codificação que estabelece que “todos são médiuns” representa uma das frases mais deturpadas no Movimento Espírita. Todos são médiuns em potencial, assim como todos apresentam potencial para serem escritores, cantores, atores, pregadores etc. Isto não significa, no entanto, que o indivíduo apresente em um determinado momento todo o seu potencial desenvolvimento para uma ação dinâmica e intensa na respectiva área. Portanto, “todos são médiuns”, mas poucos são “médiuns ostensivos”, ou seja, os “médiuns de ação”. Uma semente é uma árvore em potencial, mas ainda não é uma árvore propriamente dita. De fato, quando alguém nos pergunta se somos médiuns, muitas vezes, como é o meu caso particular, respondemos simplesmente: “Não. Sou espírita, mas não sou médium”.
Os médiuns em potência, os quais poderiam ser simplesmente chamados de “não médiuns”, constituem a esmagadora maioria das criaturas. Os “não médiuns” são aqueles cujas manifestações mediúnicas se restringem, via de regra, apenas a fenômenos intuitivos, que são comuns a todas as pessoas. Portanto, são os indivíduos que basicamente interagem com o mundo espiritual apenas através da “telepatia”, não apresentando, a priori, uma tarefa mais específica na área da mediunidade propriamente considerada no presente momento existencial. Apesar de não atingir a totalidade dos casos, mais frequentemente essa limitação se estende por toda a presente encarnação. Dr. Bezerra de Menezes (Espírito), na maravilhosa obra “Recordações da Mediunidade”, chega a comentar, através de Yvonne A. Pereira (foto), no primeiro capítulo, intitulado “Faculdades em Estudo”, que normalmente os médiuns mais seguros são aqueles que apresentaram uma grande intensidade mediúnica desde a primeira infância, pois estes já trariam, na grande maioria dos casos, uma tarefa específica na mediunidade, tendo, conseguintemente, sido preparados em encarnações anteriores e na erraticidade de forma cuidadosa para tal desiderato. Vale citar literalmente um trecho referente à respectiva elucidação de Dr. Bezerra de Menezes: “… Existem mediunidades que do berço se revelam no seu portador, e estas são as mais seguras, porque as mais positivas, frutos de longas etapas reencarnatórias, durante as quais os seus possuidores exerceram atividades marcantes, assim desenvolvendo forças do perispírito, sede da mediunidade, vibrando intensamente num e noutro setor da existência e assim adquirindo vibratilidades acomodatícias do fenômeno.
Há dirigentes que estimulam manifestações ostensivas de pessoas que, em realidade, não são médiuns
“Outras existem ainda em formação (forças vibratórias frágeis, incompletas, os chamados ‘agentes negativos’), que jamais chegarão a se adestrar satisfatoriamente numa só existência, e que se mesclarão de enxertos mentais do próprio médium em qualquer operosidade tentada, dando-se também a possibilidade até mesmo da pseudoperturbação mental, ocorrendo então a necessidade dos estágios em casas de saúde e hospitais psiquiátricos se se tratar de indivíduos desconhecedores das ciências psíquicas”.
Apresentar muito raramente algum fenômeno mais ostensivo não caracteriza o indivíduo como médium de ação e muito menos como portador do chamado “mediunato”.
Não sendo um médium de ação, o indivíduo que apenas apresenta uma “mediunidade basal” somente participará de uma forma produtiva de uma reunião mediúnica se for na chamada “sustentação”, ou na doutrinação. Obviamente, algumas exceções podem ser permitidas, pois os médiuns neófitos necessitam de certa liberdade para dar vazão a fenômenos iniciais, como uma forma de treinamento. No entanto, a exceção não deveria se tornar a regra, o que tem sido uma prática muito comum em diversas casas espíritas. Se isso acontecer, a reunião somente será de elevada qualidade se predominar, em termos de divisão do tempo, o estudo evangélico e doutrinário que sempre são produtivos, deixando apenas um intervalo de tempo minoritário para as experiências práticas. Caso contrário, perde-se a oportunidade de estudo doutrinário e a contrapartida é de baixa qualidade, simplesmente porque não existem médiuns propriamente ditos na reunião. De fato, basicamente, a reunião mediúnica é constituída por 1 ou 2 dirigentes, pelos médiuns de ação, pelos doutrinadores e por médiuns iniciantes e/ou de sustentação, incluindo aí os chamados “médiuns passistas”.
Uma reunião formada somente por médiuns de sustentação merece um cuidado todo especial para não cair em um complexo processo anímico-mistificador generalizado. De fato, baseados no paradigma mal interpretado de que “todos são médiuns”, muitos dirigentes têm induzido ou até mesmo estimulado manifestações mais ostensivas de indivíduos que, em realidade, não são propriamente médiuns. Esse tipo de comportamento gera um círculo vicioso de sugestão e autossugestão, uma vez que fenômenos meramente anímicos recebem conotação de intensas manifestações mediúnicas.
A vidência é um tipo de mediunidade que está sujeita a uma série de “interferências”
Reuniões sem a presença de médiuns ostensivos devem priorizar o estudo doutrinário, envolvendo, sobretudo, o conteúdo teórico da mediunidade associado ao estudo evangélico com um período mínimo para exercícios práticos – em torno de três quartos (3/4) dedicados ao estudo e um quarto (1/4) às experiências práticas. Caso contrário, havendo uma ênfase excessiva nos trabalhos práticos, ou a reunião cairá obrigatoriamente na monotonia pela ausência quase que total de eventos, ou, o que é muito pior, estimulará a imaginação e a autossugestão, podendo gerar graves prejuízos ao trabalho do grupo. Se, eventualmente, as manifestações mediúnicas passarem a apresentar maior intensidade de fenômeno e, principalmente, qualidade de conteúdo, o intervalo dedicado à prática poderá ser expandido de forma lenta e gradual.
Dentro deste contexto, é extremamente perigosa uma prática que tem se tornado comum em muitas casas espíritas que é a conexão quase que direta entre os cursos teóricos introdutórios de mediunidade com a reunião mediúnica propriamente considerada. Indivíduos recém-chegados ao movimento espírita que querem “ver Espíritos”, “ouvir Espíritos”, e coisas do gênero, saem de estudos sistematizados de 2 ou 3 anos no máximo e são inseridos em reuniões mediúnicas. A justificativa dos dirigentes, via de regra, é que “todos são médiuns” e/ou que os “não-médiuns” são igualmente necessários às reuniões mediúnicas. A segunda afirmação não deixa de estar correta, porém não se pode utilizá-la para elaborar inúmeros grupos mediúnicos que não tenham nenhum médium efetivo. O fato de serem importantes os “não-médiuns” não significa que se possa desenvolver uma reunião mediúnica de qualidade somente com “não-médiuns”, até porque, neste caso, essa reunião já não seria “mediúnica”. Portanto, vale frisar “nem todos são médiuns de ação”, pelo contrário, a esmagadora maioria dos indivíduos não é médium de ação e não se desenvolve uma reunião mediúnica prática de conteúdo mínimo, sem ao menos um médium de ação.
Um importante adendo que se deve fazer, em concordância com elucidações de Allan Kardec em “O Livro dos Médiuns”, é que a vidência é um tipo de mediunidade que está sujeita a uma série de “interferências”, devendo receber um cuidado especial no que se refere à sua análise.
A Doutrina Espírita deve guiar o movimento e não o movimento “flexibilizar” a doutrina segundo os modismos
De fato, a “ideoplastia”, a imaginação, a autossugestão, a telepatia, a condição fisiológica, os problemas oftalmológicos, a luminosidade ambiente e os seus efeitos óticos naturais, entre outros fenômenos anímicos e mediúnicos podem afetar a percepção e a consequente interpretação do médium. A própria cultura, assim como a bagagem doutrinária propriamente dita podem influenciar na decodificação das mensagens espirituais, sobretudo em um contexto de vidência. Hermínio Miranda, em “Diálogo com as Sombras”, sugere um trabalho multidisciplinar, ou, se preferirmos, multimediúnico, para que o médium vidente receba o apoio de outros médiuns que apresentem outros tipos de faculdades para confirmar e até mesmo aprofundar o entendimento dos fenômenos e das mensagens. Portanto, uma vez mais fica evidente a necessidade de médiuns que apresentem uma “ostensividade” significativa, sob pena de fomentarmos muitas “reuniões mediúnicas” sem fenômenos mediúnicos reais.
Outro argumento comumente utilizado pelos dirigentes para explicar essa “filosofia de trabalho” é que, com muito esforço, os diretores do centro espírita conseguem “deter” os neófitos por 2 ou 3 anos nos estudos meramente teóricos. Ora, esse pretexto é injustificável, pois o novato está aprendendo o que é doutrina espírita e vai seguir as diretrizes estabelecidas pela casa espírita. Em verdade, esse artifício geralmente esconde um desejo proselitista de agradar os frequentadores a todo custo para manter os centros espíritas cheios. Apesar de legítima a aspiração de se divulgar a Doutrina Espírita, essa divulgação não pode cair em erros de outras doutrinas do passado. Como diria Divaldo P. Franco, em seu “Encontro com Dirigentes Espíritas”: “Tudo é válido, desde que não conspurque a Doutrina”. A Doutrina Espírita deve guiar o movimento e não o movimento “flexibilizar” a doutrina segundo seus modismos, conflitos e opiniões pessoais transitórias. Essa consciência doutrinária, que deve se manter acima do desejo de “arrastar multidões”, é fundamental para que o Espiritismo não repita erros de outras religiões que, sem a mesma solidez doutrinária do “Consolador prometido”, admitem qualquer mudança de proposta, por mais leviano que seja o subterfúgio, desde que o frequentador se mantenha vinculado à sua instituição.
Os médiuns devem se esforçar para desenvolverem os pré-requisitos morais inerentes a todo trabalho espírita
Assim sendo, nós temos que admitir que em muitos núcleos espíritas as reuniões mediúnicas devem possuir uma parte prática de menor duração, focada mais no chamado “apercebimento fluídico”, sob pena de se criar um processo em cascata de indução anímico-mistificadora nos frequentadores. Recorramos, uma vez mais, à orientação segura do Espírito Dr. Adolfo Bezerra de Menezes em “Recordações da Mediunidade” (Yvonne A. Pereira), no capítulo intitulado “O Complexo Obsessão”: “… Daí a razão por que Allan Kardec declarou ser a mediunidade faculdade espontânea que não deve ser provocada e sim nobremente aceita quando naturalmente se apresentar, tampouco devendo sofrer insistência no seu desenvolvimento. A faculdade mediúnica não atinge o grau necessário, à possibilidade do desenvolvimento normal, num ano ou em dez, mas através de etapas reencarnatórias”.
Especificamente com relação às atividades de desobsessão, que com frequência já são empreendidas em muitas reuniões mediúnicas constituídas por iniciantes, faz-se necessário um adicional alerta, tendo-se em vista os riscos espirituais a que o grupo se expõe nestes casos. A própria médium Dona Yvonne do Amaral Pereira, neste mesmo capítulo “O Complexo Obsessão” do monumental “Recordações da Mediunidade”, poucas páginas depois da elucidação supramencionada do Dr. Bezerra de Menezes, tem ocasião de afirmar: “Será de utilidade que em todos os processos de curas de obsessões um médium bastante desenvolvido e fiel ao elevado mandato se torne porta-voz das necessárias instruções dos Guias Espirituais, o que quer dizer que não nos devemos arrojar pelo espinhoso caminho se tal médium não existir no grupo”.
Uma alternativa interessante aos trabalhadores iniciantes da mediunidade, que não apresentem maior ostensividade mediúnica, poderia ser a mediunidade socorrista dos passes. Aliás, esta também teria sido uma sugestão de Yvonne do Amaral Pereira. De fato, tal proposta poderia ser uma forma de trabalho, que, apesar de não ser ideal, forneceria resultados minimamente satisfatórios, desde que os candidatos mantenham rigorosa frequência às reuniões de estudo doutrinário e outras atividades da casa. Ademais, os médiuns devem se esforçar para desenvolverem os pré-requisitos morais inerentes a todo trabalho espírita, para que estejam razoavelmente disciplinados e sintonizados com a tarefa em questão.
O fenômeno anímico autêntico é um fato paranormal legítimo e de grande contribuição em uma reunião mediúnica
Há uma pequena ressalva a ser mencionada em relação a tudo o que foi exposto. O excessivo zelo contra o animismo pode ser tão prejudicial à tarefa mediúnica quanto a ausência total de cuidado a esse respeito. De fato, a própria obra de André Luiz traz exemplos deste tipo de problema. Entretanto, de maneira nenhuma esse cuidado desmente a análise anterior. Pelo contrário, se o processo de seleção dos componentes do grupo mediúnico for rigoroso, com uma seleção prévia da equipe, muito provavelmente o maior conhecimento doutrinário e a maior maturidade pessoal tendem a minimizar os problemas mais grosseiros que possam ocorrer nas reuniões mediúnicas. A presente análise é muito mais um apelo contra os processos de imaginação, sugestão, autossugestão e de mistificação inconsciente desenvolvidos por dirigentes e dirigidos, do que propriamente contra o fenômeno anímico autêntico, que não deixa de ser um fato paranormal legítimo e de grande contribuição espiritual em uma reunião mediúnica.
Para concluir esta análise, lembremos de Chico Xavier, o maior médium espírita da história, que dissera a célebre frase “o telefone toca de lá para cá!”. Pois bem, se os guias espirituais não respondem aos nossos imediatismos para nos “telefonar rapidamente”, deve existir uma razão mais profunda para isso. Os mentores espirituais trabalham de maneira altamente responsável levando em consideração diversas nuances de nossas vidas que muitas vezes nos passam despercebidas, inclusive aspectos de reencarnações anteriores e prioridades estabelecidas em nosso planejamento reencarnatório. Logicamente, esses fatores desconhecidos visam à nossa segurança e evolução espirituais, levando em consideração a eternidade que nos está destinada. Se desejamos a mediunidade, mas ainda não somos médiuns ostensivos, trabalhemos na seara infinita de possibilidades que o Pai nos ofereceu dentro e fora do movimento espírita e deixemos que “se faça a Vontade do Pai antes da nossa” porque, certamente, futuras oportunidades surgirão se nos desincumbirmos bem das tarefas do dia de hoje.
O consolador – Ano 3 – N 127
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