Autor: Roque Roberto Pires de Carvalho
Gostaria que fosse possível descrever a descoberta da Doutrina Espírita sem o uso do pronome pessoal “eu”, mas isso é impossível, visto que ela ocorreu através de sugestões e leituras que não podem ser separadas e se encontram em perfeita simbiose. Para dar uma visão mesmo que perfunctória terei que voltar no tempo, o ano de 2012 da minha vida e mostrar, passo a passo, esse novo despertar.
Nesse ano em novo relacionamento por motivo de viuvez conheci Maria, também viúva, médium, evangelizadora e palestrante desde muitos anos nos Centros Espíritas da cidade, possuidora de invejável biblioteca. Especializada na Doutrina, tem-me oferecido para leitura livros de Allan Kardec, Léon Denis, Joanna de Ângelis, Emmanuel e outros Espíritos de Luz com as psicografias de Chico Xavier, Divaldo Franco dentre outros respeitados médiuns conhecidos no Brasil e no exterior.
Na primeira leitura d’ O Livro dos Espíritos comecei sentir em meu interior uma chamada aparentemente estranha… Aos setenta e cinco anos e tendo ao longo da vida professado sem muita convicção a Doutrina Católica Romana, minha fé repousava nos ensinamentos aprendidos na infância, adolescência e idade adulta, que se mantinham inalterados, pois as missas outrora em latim e atualmente no vernáculo próprio, os sermões repetitivos por dois mil anos, os rituais promovidos pelo farisaísmo judeu com suas pompas e riqueza dos altares pagãos; ajoelhar-se, as confissões, beijar os anéis de padres, bispos e demais purpurados, aceitar os dogmas sem qualquer questionamento, envolvia em tudo e por tudo em uma fé cega, longe, muito longe da fé raciocinada que eu estava encontrando, despertando meus desejos de leitura e mais pesquisas na literatura espírita.
Lecionei por mais de quarenta anos em Faculdades matérias da minha formação em Direito e também Filosofia específica para os Cursos de Letras, base do meu Mestrado em Educação, porém poucas oportunidades para ministrar uma Filosofia de sucesso quando o mundo à minha volta se encontrava envolto em processos políticos nacionais e internacionais; e as famílias, bem… As famílias também em processo de desintegração dos costumes grassando entre os homens o chamado medo dos conflitos, do desemprego e da pobreza.
Ao longo dos anos um permanente desafio… Nascido no seio de família de roceiros, simples no falar e nos costumes citadinos, trabalhar era a primeira meta a ser alcançada e assim, ano após ano, novas atividades como bancário, militar, vendedor de pedras britadas, aluno de Direito, gerente de treinamento, professor do ensino médio e superior, Mestrado em educação, casado com professora de notável educação humanista, criar, educar e orientar três filhos nos caminhos da correção de caráter e da assunção de responsabilidades.
A parte chamada religiosa pelos motivos acima foram sendo deixadas de lado. O tempo passou e a aposentadoria chegou como chega para todos os sobreviventes da longa marcha de suas vidas. Os desafios foram vencidos juntamente com os medos cultivados na alma, mas, ao final, vencidos também.
E agora, o que fazer…? Filhos criados, casados, residentes em cidades distantes. Um novo desafio seria escrever crônicas, mas… crônicas para quem? Qual seria o medo remanescente? Não…! Não importa a inexistência de leitores e, se houver, minha esperança é que leve alento e esperanças.
Após a viuvez, olhei para a gaveta da escrivaninha do antigo escritório e encontrei aproximadamente 150 crônicas, algumas empalidecidas pelo sufoco e da falta de ar….
A Maria, experiente orientadora e motivadora para o enfrentamento de desafios, não deixou por menos.
Disse-me ela:
– Roque, selecione suas crônicas, procure uma gráfica, converse com um editor, faça um orçamento, veja se é exequível, receba os exemplares e distribua-os aos seus muitos amigos e conhecidos, sem qualquer ônus para eles. Se cair no gosto deles serão lidas suas crônicas e caso contrário enfeitar escaninhos do imóvel. Não tenha medo e siga em frente…
A sugestão recebida reformulou a minha vida por completo e plantou em minha mente um desejo ardente, que me orientou sem cessar. Todo tempo livre passei a fazer leitura dos Livros Espíritas e nessas pesquisas/leituras tive o privilégio de estudar e encontrar uma “alma” que inspirasse leitores na transposição de obstáculos sem o medo do fracasso.
A “alma” adicionada às minhas crônicas encontrei por ocasião da pandemia de 2020, que se alastrou por todos os recantos do mundo, não sendo diferente na minha cidade. Ora, como dar vida a uma cidade fechada no seu comércio, com suas indústrias paradas, cidadãos amedrontados, distanciados uns dos outros nas suas próprias casas, um disfarçado pânico entre os homens. Eu mesmo, encolhido ao meu canto procurando sair do estresse, sentar, analisar e partir para mais um ou talvez derradeiro desafio.
Uma tarde qualquer saí para caminhar e já havia percorrido uns dez quarteirões sem ver ninguém pelas ruas. Assustado, parei… minhas preocupações foram desaparecendo e recebi um comando para pôr em prática meus objetivos da escrita e publicação das crônicas. Procurei o editor e hoje entreguei para a gráfica o sexto exemplar de “Momentos Felizes”.
A Doutrina Espírita me proporcionou outras descobertas: há uma solução para cada problema legítimo, não importando quanto difícil o problema pareça ser. Também descobri que para cada experiência de derrota temporária, em cada adversidade, existe a semente de um benefício equivalente. A semente de que estou falando nem sempre pode ser observada, mas com certeza irá germinar um dia. A lei divina de “Causa e Efeito” são frutos das nossas escolhas e semeaduras.
A fé raciocinada trouxe um novo significado para mim. A pandemia que se abateu sobre todos também trouxe muitas bênçãos, a começar pelo conhecimento de que há algo infinitamente pior do que ser forçado a trabalhar, que é ser forçado a não trabalhar, se analisadas à luz das mudanças que trouxe para as mentes de todos que foram afetados por ela. O mesmo é verdadeiro para cada experiência que altera os hábitos dos homens e os força a olhar para o seu “interior”, para a solução dos seus problemas. É a lei divina da destruição que precede a reconstrução de um indivíduo e uma sociedade melhor, mais espiritualizada.
Quando em oração procuro concentrar meus objetivos e metas que deverão ser atingidos. Acredito mesmo que meus desejos podem se tornar realidade tendo por fonte a Inteligência Suprema, que, por sua vez, conhece mais sobre os planos do que aquele que está fazendo a oração. Desejos esses que só serão atendidos, se não prejudicarem nem a mim, nem ao meu próximo.
Desde quando me tornei próximo dos Autores dos Livros Espíritas minha forma de orar modificou-se. Tinha o hábito de ir à Igreja, ficar lá por algum tempo somente quando encarava dificuldades. Agora procuro orar, fazer minhas preces antes das dificuldades, quando possível. Hoje faço minhas orações agradecendo ao Pai pelas bênçãos recebidas e por tudo que já possuo, pois assim descobri a vasta riqueza de que já dispunha e que não apreciava. Entendo ser este meio de orar melhor do que o antigo, repetindo frases sintonizadas ou não com Deus e os bons espíritos. Agora procuro orar criando sintonia, ligação dos meus pensamentos com Deus, sem palavras. Uma das descobertas foi ter a consciência de que, ao longo da minha vida, meu organismo nunca foi seriamente danificado por doenças e cirurgias; cérebro razoavelmente bem equilibrado; imaginação inquieta e criativa com a qual eu poderia prestar um serviço muito útil às pessoas. Nutria um desejo ardente de ajudar outros irmãos; seria através dos meus livros…?
A Doutrina Espírita, desde as primeiras leituras, trouxe para mim a certeza para confiar e ter a fé raciocinada, baseada na razão. Nada dentro da razão é impossível para os homens.
Prece é a expressão do pensamento, algumas vezes audível e outras silenciosa. Notei também que o estado de espírito elevado de quem está orando é o fator determinante para a oração resultar em benefícios, ou não, com base nos merecimentos.
Por muitos anos venho mantendo o hábito de fazer, em particular, um inventário de toda a minha vida pessoal, aferindo quanto de minhas fraquezas consegui ultrapassar ou eliminar, e também para calcular quanto progresso consegui, se é que tive algum, na minha contabilidade humana, usando a coragem que o Espiritismo me inoculou na alma, pelos seus postulados lógicos.
O consolador – Artigos