Autor: Felipe Gallesco
A mocidade, carinhosamente chamada de MEAM, faz parte da Associação Assistencial Espírita Apóstolo Mateus. O endereço é: Rua João Cordeiro, 743, Vila Carrão, São Paulo.
As reuniões são realizadas todas as segundas, das 20h30 até 21h30. Mesmo horário onde também ocorre a Infância Espírita e palestra pública.
Participo da mocidade há 16 anos. Pelo tempo, já não me considero mais jovem, porém não me identifico, ainda, com nenhum outro trabalho na casa espírita que não seja a mocidade.
Acredito que, pelo tempo, eu tenha bastante história para contar sobre a MEAM, principalmente porque uma das características desta mocidade é trabalhar com grupos de outras casas espíritas. Vou fazer um resumo de tudo o que já aconteceu na mocidade e como é importante o espiritismo na minha vida.
Comecei a participar da Infância Espírita aos 8 anos de idade, e com 14 os jovens tinham que participar da mocidade. Recordo-me que senti medo quando meu primeiro dia na mocidade chegou, porque todos os meus amigos eram da Infância Espírita e na mocidade as pessoas já eram mais velhas, sérias e ficavam somente lendo livros. Isso me assustava.
No ano em que entrei na mocidade, alguns participantes antigos saíram e outros novos também entraram. As reuniões funcionavam num formato de aulas, onde uma pessoa mais velha da casa espírita, dirigia o grupo e apresentava os estudos.
Eu gostava dos temas, pois eram bem polêmicos, tais como aborto, genética, vida em outros planetas, vegetarianismo, existência de espíritos. Recordo que todos ali tinham muitas dúvidas porque era a primeira vez na vida, pela questão de idade, que se estudava ou discutia estes assuntos que não tinham na escola.
A pessoa responsável pela reunião precisou se afastar, mas para manter a continuidade das reuniões, separou os participantes em funções. Eu não queria fazer nada muito trabalhoso, por isso peguei a função que ficou por último para ser escolhida, que se chamava dirigente do grupo. Quando perguntei o que teria que fazer comentaram que seria somente pedir para as pessoas assinarem o caderno de presença (quem dera! rs).
Como todos éramos muito jovens e sem conhecimento da doutrina, começamos a estudar temas relacionados ao espiritismo e alguns até fora de contexto para ser estudado na casa espírita, como ‘as características do carro do Ayrton Senna’. Depois de perceber que era melhor seguir algum livro, a direção da casa nos pediu para estudarmos um dos 5 livros codificados por Allan Kardec. Escolhemos o Livro dos Médiuns, pois nos parecia o mais interessante.
A forma de estudo que ficou combinada, na teoria, era que cada participante lesse um parágrafo e comentasse sobre o assunto, depois todos os outros poderiam comentar também. Na prática, ninguém entendia direito o que estava lendo e todos comentavam: “Porque Deus quis assim”. Era uma resposta padrão que se encaixava em boa parte dos parágrafos.
Dessa maneira, as reuniões da mocidade foram seguindo e todos os outros dirigentes da casa estavam preocupados com a qualidade do estudo que era realizado pelos jovens. De tempos em tempos pediram para uma pessoa mais velha participar da reunião para acompanhar e ajudar no estudo, porém os jovens teimosos, do qual eu estava incluído, ficávamos incomodados, achando que estávamos sendo “espionados” pelos outros departamentos da casa espírita.
O tempo foi passando e depois do Livro dos Médiuns veio o Livro dos Espíritos. Aprendemos a pular alguns capítulos e procurar temas onde existia maior curiosidade. De tempos em tempos, algum participante escolhia algum tema, estudava antes e apresentava no dia da reunião, voltando ao formato de aula.
Certa vez um “espião mais velho” veio participar da reunião. Ele era diferente, pois parecia não se importar com a mocidade. Ele chegava em silêncio, não cumprimentava ninguém, não sentava junto à mesa e procurava colocar uma cadeira no local mais afastado de onde era realizada a reunião. Não satisfeito, levava um jornal e ficava o tempo todo lendo.
Eu e os outros jovens acreditávamos que aquele homem não agia como alguém que viesse querer avaliar ou repreender o trabalho que estava sendo feito nas reuniões da mocidade. Sua presença na mocidade tornou-se constante, sempre com o jornal e afastado do grupo.
De tempos em tempos convidávamos ele para vir se juntar à mesa e participar do estudo.
Para todos os convites ele dizia: “- Não, obrigado”. E voltava a ler o jornal.
Meses foram passando e durante uma reunião, onde eu explicava sobre a pluralidade das existências, ele abaixou o jornal e disse: “- Por quê?”.
Eu tentei responder e ele disse novamente “- Por quê?”.
Tentei aprofundar mais a resposta e percebi que eu que havia preparado o estudo não tinha entendido muita coisa do tema.
Depois dos “por quês” imaginei que seria o momento perfeito para ele, finalmente, se aproximar do grupo e querer fazer uma explicação incrível, confirmando ser um “espião da casa” colocado ali para mostrar que o jovem não conseguiria fazer um estudo de mocidade sozinho, porém, para surpresa de todos, ele disse: – “Tá bom!”, e voltou a ler o jornal.
Depois desse dia todos os participantes da mocidade ficaram curiosos e querendo saber mais sobre o homem que ficava lendo jornal e que não estava ali para nos dar aula ou dizer que estávamos fazendo uma reunião cheia de dificuldade nos estudos.
O mais correto ao comentar seria dizer que naquele tempo a vontade dos jovens não era aprender o espiritismo, tal qual uma matéria da escola, mas sim descobrir por conta própria a doutrina e seus aspectos.
Depois de algum tempo e muitos convites, o homem do jornal começou a participar dos estudos, porém colocou como única condição que não iria atrapalhar a mocidade, continuando toda a iniciativa com os jovens e sua única contribuição seria em perguntar o “por quê” das coisas, simplesmente para levar o jovem a refletir se realmente entendeu o motivo do que está falando ou se estava repetindo o que leu no Livro dos Espíritos.
Os anos foram passando e foi estudado todo o Livro dos Espíritos e o Livro dos Médiuns. A média de participantes era em torno de 6 pessoas.
Depois de algum tempo, o homem do jornal nos informou que estávamos em idade para participar das reuniões do órgão de unificação (DM USE) que eram reuniões realizadas uma vez por mês, e que iria nos acompanhar nessas reuniões, que eram realizadas em outras casas espíritas, até que estivéssemos acostumados a participar.
Na minha primeira reunião do grupo me senti bastante tímido, mesmo o restante da mocidade estando comigo, pois era a primeira vez que me reunia com umas 10 outras casas espíritas. A pauta da reunião foi bastante pesada, pois um antigo trabalhador encaminhou uma carta, que foi lida para todos, fazendo diversos apontamentos negativos sobre o trabalho espírita, reclamando dos membros do grupo e anunciando sua saída.
Enquanto todos estavam bastante espantados e pensando em como se reconciliar com o autor da carta, o único que não se alterou foi nosso amigo do jornal, que voltou a permanecer lendo jornal e longe da mesa de reunião.
Um ano se passou e continuei participando dessas reuniões de unificação. Confesso que nesse período eu ainda não tinha feito nenhum comentário nas reuniões, porque todos pareciam conhecer bastante de espiritismo e, erroneamente, achava que minhas ideias não poderiam ajudar.
Em paralelo com este trabalho, as reuniões da mocidade corriam bem. Estávamos construindo uma espécie de “guia para mocidades espíritas” e fazendo diversos testes para saber o que dava certo ou não numa reunião de mocidade, como por exemplo: preces cantadas, ficar deixando tocar música ambiente para saber se atrapalhava ou não o estudo, fazer a prece com todos em silêncio para não deixar uma única pessoa orando em voz alta, dividir a organização da mocidade em funções. Talvez essa proposta foi o que começou a me motivar para escrever para o ‘Juventude Espírita’.
A reunião de mocidade foi tomando uma característica de grupo mais aprofundado para estudo da doutrina e este aspecto permanece até hoje na MEAM, apesar de ter trazido dois grandes problemas:
- É comum a mocidade participar das festividades da casa espírita com apresentações de música, teatro, dança ou qualquer outra manifestação artística, assim como a Infância Espírita também tem o costume de fazer.
Infelizmente, a mocidade tinha poucos participantes, muito trabalho com os compromissos assumidos no grupo de unificação e muita necessidade de estudo, o que impedia dispor de tempo para ensaios.
Bem raramente era feita alguma apresentação, e quando ocorria, geralmente era a passagem, em data show, de fotos das atividades e visitas do ano.
- A reunião de mocidade foi perdendo a característica de mocidade, o que prejudicava a permanência de novos participantes.
Certa vez, houve um grande problema. Os atuais participantes da mocidade tinham idade maior de 22 anos, nessa época. Houve aproximadamente 10 jovens que haviam saído da Infância Espírita e que começariam a participar da mocidade. Prevendo a diferença de idades, todo o conteúdo foi readaptado para explicar os assuntos na forma mais simples para os novos integrantes.
Porém eles sentiam falta de interesse em ler e discutir diretamente do livro. Estavam acostumados com reuniões onde existiam atividades como dança, música, desenho e etc.
Para evitar à saída destes participantes, a didática da reunião da mocidade foi alterada para eventualmente incluir atividades recreativas. A solução não agradou, pois quem ameaçou de sair foram os participantes mais velhos que não mais se identificavam com as novas atividades.
Depois de muita conversa a solução foi permanecer a mocidade como estava e criar uma pré-mocidade, com a função de interligar os dois grupos. Mesmo com a solução, ainda houve participantes que deixaram a casa espírita.
Ainda para tornar a mocidade mais acessível para os jovens e tentar aumentar o número de participantes, diferentes ações foram tomadas. Além da intensiva divulgação, outra solução foi alterar os dias e horários da mocidade.
Nestes anos que tenho acompanhado as reuniões, os estudos sempre foram feitos uma vez por semana e, de tempos em tempos, o dia e horário eram alterados, com a permissão da casa, para receber melhor os jovens. Alguns dos dias que já fizemos reuniões foram: segunda, quinta e sexta à noite, sábado à tarde e domingo de manhã. Este último foi o que permaneceu maior tempo.
Além da reunião de estudo, os participantes da mocidade continuaram ajudando nos grupos de unificação e visitando diversas outras casas espíritas para ajudar na mocidade. Não éramos mais tímidos neste tipo de trabalho, conforme os trabalhadores mais antigos iam deixando suas tarefas, a turma da MEAM assumia cada vez mais responsabilidades.
A aproximação com o grupo de unificação possibilitou trabalhos antes nunca imaginados na mocidade. Se antes a principal dificuldade era a falta de jovens para colocar ideias em prática, juntar mocidades com a mesma realidade fazia com que a execução fosse possível.
Foram feitos diversos trabalhos de arrecadação, visitas assistenciais, visitas em outras casas espíritas, uma mocidade ia inteira participar da reunião da outra, fizemos festas juninas para arrecadar verba para cursos de formação de dirigentes de mocidade, cursos de estudo para jovens que queriam aprender espiritismo, participamos em anos sucessivos de congressos de mocidades e eventos de mais de um dia. Ajudamos a abrir mocidades, e acompanhamos com tristeza o fechamento de outras. Conversamos com dirigentes ‘cabeças duras’ sobre a importância do jovem na casa espírita e sempre incentivamos o jovem a se tornar trabalhador espírita.
Com o passar dos anos, as reuniões de unificação começaram a ser feitas no Apóstolo Mateus, o que facilitou bastante para os participantes da MEAM e possibilitou que a sala da mocidade recebesse diversos outros jovens.
Ao mesmo tempo que as atividades cresciam, novas dificuldades começaram a surgir, por exemplo: o excesso de compromissos assumidos pelos jovens trabalhadores fazia com que muitas reuniões de estudo da mocidade não fossem realizadas, para que pudéssemos participar de eventos ou que fosse organizado algum outro trabalho.
O maior problema ocorreu quando um novo participante veio conhecer a mocidade e bem naquele dia, a mocidade inteira estava fora participando de um curso. Obviamente que nesses casos sempre ficou alguém da casa para fazer a recepção e prestar os esclarecimentos, porém o jovem deste caso nunca mais retornou.
Evitando uma sobrecarga de tarefas foi decidido, pelos participantes, que o principal foco da MEAM seria com a reunião na casa espírita e com mocidades e eventos que fossem realizados na região do Tatuapé (distrital onde fica localizado o órgão de unificação). Desta forma, a participação e realização de cursos e eventos em outras localidades diminuíram de intensidade.
É importante ressaltar que a direção da casa tem papel fundamental para toda história da MEAM. Atualmente tenho ouvido de diferentes casas espíritas a dificuldade de encontrar jovens trabalhadores do espiritismo. Quando procuro conhecer melhor sobre essas casas, percebo que, além do problema na forma didática em conduzir o trabalho, a liberdade oferecida ao jovem trabalhador é quase zero.
Querem que o jovem tenha iniciativa e que trabalhe, mas que nunca erre, ou que tudo que ele faça seja perfeito, esquecendo que o próprio erro também faz parte do processo de aprendizado.
A direção da Associação Assistencial Espírita Apóstolo Mateus sempre reconheceu a importância do processo de descobrimento do jovem e apoiou suas iniciativas, colocando como base o estudo e vivência dos princípios da doutrina como parâmetro para qualquer atividade, fornecendo recursos para o jovem se desenvolver.
Abaixo segue alguns exemplos:
- Dar liberdade ao jovem para escolher os temas a serem abordados e cronograma de trabalho;
- Permitir que a mocidade tenha uma sala para reuniões na casa e que faça adaptações para acomodar e receber da melhor maneira outros jovens, inclusive fazer desenho nas paredes, ter lousa e cartazes.
- Permitir a construção de acervo de livros e filmes espíritas para tomar como empréstimo e ter sempre materiais novos para estudo.
- Incentivar que todos os jovens da mocidade participem das reuniões de diretoria e departamentos da casa, permitindo que tenham opinião nas tomadas de decisões e comentem os assuntos em pauta.
- Permitir, em datas previamente agendadas que, depois de estudar bastante o tema mediunidade, a mocidade inteira participe da reunião mediúnica, e que todos os jovens trabalhadores da mocidade participem sempre que puderem da mesma.
- Sempre liberar e incentivar o uso da casa espírita para cursos, eventos e reuniões para mocidade, mesmo que sejam marcados em cima da hora. Exemplo: Há alguns anos, o evento de dirigentes espíritas da cidade de São Paulo seria numa escola pública. Faltando 1 mês para o evento, a escola decidiu cancelar o uso do espaço, o que deixou a organização e jovens que já estavam inscritos bastante preocupados. Quando entrou em contato com a direção do Apóstolo Mateus foi permitido o uso do espaço no mesmo instante, sem criar dificuldade e nem pedir que esperassem até a próxima reunião de diretoria para votação.
- Fornecer uma cópia da chave do centro ao dirigente da mocidade e permitir que a mocidade se reúna no sábado e domingo de manhã, mesmo que nenhuma outra atividade seja desenvolvida na casa, por reconhecer que esse horário seja o melhor para os jovens, que trabalham e estudam durante a semana.
- Nunca criar regras de idade mínima ou idade máxima para participar. Recomendando apenas que sejam encaminhados para a mocidade pessoas de idade maior ou igual a 14 anos. Atualmente a mocidade conta com 2 participantes fixos. Eu, de 30 anos de idade e a Núbia de 12. Os estudos sempre são muito proveitosos e certamente, se houvesse alguma restrição de idade, a mocidade não continuaria funcionando.
- Sempre incentivar a comunicação e atividades em conjunto, seja com outros departamentos do Apóstolo Mateus, de outras casas espíritas, ou ainda, comunidade onde fica localizado o centro.
- Sempre divulgar a mocidade nas reuniões públicas e convidar os jovens a fazerem palestras.
- Indicar sempre livros e prestar todo o auxílio doutrinário, inclusive ajudando na revisão de textos do site ‘Juventude Espírita’ e na montagem do cronograma da mocidade.
Finalmente, abolir a frase “O jovem é o futuro trabalhador do centro espírita”, e substituir por “O jovem é o trabalhador do presente, na casa espírita”. Reconhecendo que apesar da pouca experiência, o jovem possui uma vontade muito grande de fazer as coisas.
Espero que esses 16 anos de MEAM, brevemente resumidos, ajudem outras mocidades a identificarem as características de seus grupos, pois enquanto a MEAM é uma mocidade focada em ajudar outras mocidades, encontrei grupos que eram especializados em trabalhos de música, dança, comunicação, que além das reuniões ministravam aulas de inglês aos jovens, ou ainda, que tinham como característica fazerem muitas visitas aos locais necessitados.
Aos dirigentes das casas, peço que olhem mais atentamente para a mocidade e o jovem. Deixando de enxergar apenas uma reunião ou um departamento, que somente é lembrado nas festividades para apresentar alguma coisa, ou carregar cadeira.
A mocidade tem papel fundamental na vida do jovem, devido aos valores morais que servem de alicerce para o espírito encarnado poder aproveitar com muito mais sucesso a oportunidade da encarnação, continue ele ou não a ser espírita no futuro.
Quem quiser conhecer melhor a MEAM, fazer visita ou perguntar sobre alguma etapa de desenvolvimento da mocidade, entre em contato. Será um prazer responder.
Atualmente a mocidade conta com três participantes.