Autor: Ivan Franzolim
Quando surgem incertezas elas exigem reflexão para o restabelecimento da harmonia mental
Estive lendo alguns livros e vendo documentários sobre vários assuntos, particularmente a respeito do cosmos, da história, da ciência e sobre alguns dos quase 200 países que desconhecemos por completo ou temos uma rápida e muito superficial visão.
Os documentários sobre nações destacam os pontos positivos e os problemas de cada nação. Problemas graves que estão sendo atenuados por diversas frentes de voluntariado, ligadas a várias religiões e também independentes. Trabalhos relevantes que podem servir de inspiração aos espíritas.
Sobre o Brasil, quantas regiões diferentes, culturas distintas, problemas gravíssimos que perduram há anos reclamando ações mais efetivas de voluntários e que os espíritas se esforçam em algumas poucas áreas. No ranking internacional de 2016, o Brasil alcançou a modesta posição de 83° lugar entre os países em que os cidadãos são mais generosos com os mais necessitados. Dado que parece distar do país designado para ser a “pátria do evangelho”.
Com relação ao espaço universal, o conhecimento existente, ainda escasso, mostram números verdadeiramente astronômicos. Estima-se que o universo observável por nossos equipamentos, deve ter mais de 200 bilhões de galáxias, cada uma com mais de 100 bilhões de estrelas.
A ciência, costumeiramente criticada pela religião, avança no conhecimento esbarrando na fronteira entre o real e o fantasioso: big bang, curvatura do tempo, teoria das cordas, multiverso, matéria escura, buraco negro, antimatéria, dualidade onda-corpúsculo.
Isso sem falar nos avanços científicos impondo mudanças no nosso cotidiano que nem prestamos mais atenção: tecnologia dos chips, das comunicações, a genética interferindo na eliminação ou atenuação das doenças, no retardamento do envelhecimento, e na agricultura.
Essas informações fazem-me sentir como um minúsculo grão de areia, munido da certeza que temos uma imensidão de oportunidades para o aprimoramento dos nossos conhecimentos em todos os sentidos, inclusive o espírita.
E a história? Persisti em nos alertar sobre o erro que a civilização sempre incorreu e ainda não aprendeu: sentir-se o maior, o melhor, o único verdadeiro em todas as áreas, no poder, na política, no conhecimento, na religião, etc.
O Espiritismo compreende a divindade como um único Deus, realmente como o próprio nome denuncia: todo-poderoso, inteligência, sabedoria e generosidade totais. Não parece coerente com esses atributos, um Deus que restrinja a um povo, uma região, uma época, uma religião, uma pessoa, o privilégio do acesso às leis morais melhor elaboradas.
A partir de uma visão de marketing, podemos enxergar o mundo como um grande mercado que apresenta bens e serviços para todo o tipo de público. É verdade que temos produtos ruins, mas também possuímos aqueles de ótima qualidade. Vejamos, por exemplo, as geladeiras. Existem várias marcas, variando no design, cores e algumas funcionalidades, resolvendo nossa necessidade de conservar e gelar alimentos e bebidas.
Por que nos acostumamos a pensar que as verdades morais mais completas se encontram apenas no Espiritismo? Precisamos nos envolver em uma onda de humildade e questionar algumas colocações espíritas que soam aos ouvidos leigos como arrogantes. Não só pela preocupação com a imagem externa da doutrina, mas pela perturbação que esses pensamentos podem ocasionar em nosso modo de pensar e agir.
Pensamentos como: somos a terceira revelação, o consolador prometido, continuador do verdadeiro cristianismo, a chave para revelar o conhecimento de Jesus, a verdadeira doutrina de Jesus. São expressões oriundas das melhores intenções, mas também ufanistas independentemente da suposta autoridade de quem as manifeste. Não é por essas afirmações que a Doutrina Espírita deve ocupar um lugar de respeito na sociedade, mas pela consistência de seus ensinamentos e das consequências morais advindas.
Neste momento de dúvidas dou razão a Sócrates apresentado por Platão quando salientou que “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância” ou “Só sei que nada sei”. Lembro também de alguns pensamentos de outro filósofo bem mais recente, Bertrand Russell: “Não tenhas certeza absoluta de nada”. “O problema do mundo é que tolos estão sempre cheios de certezas, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”.
A Doutrina Espírita sendo recente, com menos de 200 anos, teve o mérito de reunir e dar sentido a muitos conhecimentos que já existiam no mundo, distribuído por filosofias, ciências, religiões. Desenvolveu alguns, estabeleceu conexões com outros, demonstrou consequências.
Podemos chamar genericamente esses conhecimentos como “verdades”. Assim, é possível afirmar que o Espiritismo contém muitas, mas não tem todas as “verdades”. Além disso, o fato de considerarmos que temos um acervo maior de “verdades” que outras doutrinas, não nos isenta de convivermos com erros, omissões e interpretações equivocadas.
O Espiritismo é uma doutrina racional de questionamento, baseada na lei de evolução. Não foi apresentada completa, acabada, mas com uma estrutura forte o suficiente para permitir o seu desenvolvimento.
Por isso, talvez seja melhor tratarmos as controvérsias surgidas na apreciação do conhecimento espírita, como hipóteses que carecem de confirmação como verdadeiras, do que como infidelidade doutrinária. Aliás, essa expressão é própria de um conhecimento estático, que não evolui.
O Espiritismo não é uma religião salvacionista, apesar de adotar como instrumento de comunicação a frase: “fora da caridade não há salvação”. Na doutrina espírita não existem listas do que você pode ou não fazer. Há orientações baseadas nas leis espirituais estudadas.
Diferentemente das outras religiões, nossa doutrina afirma que o mais importante são as ações em harmonia com as leis naturais, não a religião que cada um assume.
Isso significa que não devem ser considerados como errados, os grupos espíritas que prefiram vivenciar os ensinamentos pelo caminho da filosofia, da ciência, da religião, da pedagogia, da mediunidade, etc.
Essas diferenças de foco são benéficas, à medida que atingem pessoas, que não seriam afetadas por uma única maneira de enxergar a doutrina. Lembram das boas geladeiras?
Naturalmente precisamos nos esforçar para debater as diferenças de entendimento visando o aprofundamento e a consolidação gradual do conhecimento espírita.
Para isso será preciso uma postura mais crítica de todos os espíritas, fundamentada em pelo menos dois critérios básicos: a lógica e a fraternidade. Não basta ter opinião. É preciso ter ou buscar argumentos solidamente conectados com o conhecimento espírita. As opiniões que incorrem em mudar a forma como entendemos ser correta a doutrina, raramente possuem a humildade de se apresentar como uma proposição de trabalho convidando todos a esmiuçarem suas possibilidades.
As obras de Kardec são a base, e temos o desafio de imprimir amplo e profundo debate a todas as mudanças apresentadas por meio dos livros e da manifestação dos espíritas nas mídias sociais até sua concordância ou rejeição por linhas de raciocínio irrefutáveis logicamente e libertas de argumentos falaciosos. Não é fácil, mas é o único caminho.
Esses são apenas pensamentos em momento de dúvidas pedindo reflexão. E você caro leitor, quais são os seus?
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