Autor: Guaraci de Lima Silveira
Consternados, os amigos e familiares caminham em silêncio por entre as trilhas que levam o corpo de alguém para a sepultura. O momento é de gravidade, apreensões, lágrimas, lamentos e em muitos casos de fé ou descrença na continuidade da vida para aquele que se despede do mundo dos encarnados e também para os que ficam. Este fato se repete inúmeras vezes em cada dia. Sempre há o que está retornando à pátria espiritual e, no retorno, a incerteza: o que virá depois? Ao longo dos milênios, cada civilização tratou do tema de acordo com sua cultura. Havia os que acreditavam que a morte era simples transposição temporária de planos de vida e outros que não acreditavam que o morto pudesse sobreviver após o desenlace físico. Na atualidade ainda encontramos pessoas que não acreditam na possibilidade de haver vida depois da morte física.
Este assunto é assaz importante e deve estar sempre na pauta dos nossos estudos. Transcendem nossas possibilidades de uma avaliação in loco, daí as dificuldades e as várias conclusões acerca do tema. Afinal: o que é a morte – drama ou libertação?
Se analisarmos pelo ângulo da filosofia veremos que como o sol se declina a cada dia para renascer no dia seguinte, brilhante e majestoso, podemos concluir que à morte sucede-se a vida em graus cada vez maiores de esplendores. Contudo, nem todos acolhem a filosofia como recanto de observações e conhecimentos e preferem mesmo opinar sobre o que vêm com os olhos da matéria o que, por sinal, ainda alcança poucas frequências de luz. Mas, pensando bem: seria muito estranha uma vida, muitas vezes de dores e sacrifícios, acabar tristemente numa sepultura fria, isolada e dantesca que vai corroendo pouco a pouco aquele corpo antes atlético, belo e pronto a servir seu habitante temporário. Daí a pergunta: se morremos mesmo para sempre, de que adiantou a vida?
Os egípcios mumificavam grande parte dos seus mortos e os faraós levavam fortunas para suas tumbas. Noutras civilizações queimar o corpo era libertar a alma para outros aconchegos. Outros enterram seus mortos não deitados e sim em pé e outros ainda que nem enterravam seus mortos. Outros, mais teatrais, contratavam atores que colocavam máscaras dos antepassados do morto e vinham recebê-lo, em momentos apoteóticos de dramaturgia, numa curva da cidade ou da vila e iam juntos até o cemitério. Ideias, ideologias, crenças ou mesmo abandonos. Sabe-se que na Idade Média quando havia fogueiras, forcas ou outros instrumentos de tortura e morte, nem sempre os cadáveres eram sepultados e se decompunham nas praças ou locais escolhidos para seus suplícios. Assim, cada qual tratou e trata da morte física de conformidade com os seus sistemas de ideias, paixões ou não.
O tema da imortalidade está sempre presente na nossa história de humanos. O fato é que, de acordo com as unções e sepultamentos, hoje buscados e estudados pelos arqueólogos, somos levados a entender que sempre houve quem acreditasse e acredita na vida após a morte. Façamos, então, a seguinte proposta: todos acreditamos na vida depois da morte física, daí o direito de formularmos a pergunta:
– Mas, o que será depois?
– Inferno, céu ou purgatório – dirão alguns.
– Espaço indefinido onde as almas aguardam o dia do juízo final – retrucarão outros.
– Frigoríficos que mantém as almas em hibernação até o dia do seu despertamento por uma ordem da divindade. Ainda podem argumentar; quem sabe os da ficção.
O fato é que nenhuma dessas e outras respostas satisfazem totalmente àquele que fica ou se prepara conscientemente para a fatalidade da morte ou regresso.
– O que será depois? Eis a pergunta em busca de uma resposta satisfatória.
Com relação ao inferno, seria estranho que Deus o tivesse criado ou permitido ser criado um local de torturas eternas. Analisemos: Ele nos cria simples, ignorantes de tudo e ainda nos oferece o livre-arbítrio através do qual vamos escolhendo, desejando, agindo e vivendo. Podemos errar e perder o rumo dado que ainda não entendemos bem Suas Leis Divinas e Universais. Pela teoria da unicidade das existências, será apenas uma vida que varia de um segundo a muitas décadas e depois a fatalidade do céu ou do inferno? E o purgatório? Foi um arranjo para que nele fossem colocadas as crianças que não erraram e nem acertaram porque não tiveram tempo nem ocasiões de praticar o bem ou o mal. E há os que acreditam mesmo que as almas ficam num espaço qualquer aguardando o dia do juízo final onde serão separados os bons dos maus, numa partida arbitrária, sumária e sem chances de defesa daquele que for excluído. Ah, este Deus foi terrivelmente criticado pelos Iluministas que quase o afastaram do nosso convívio, dado às inconsistências teológicas.
Bem, vamos então recorrer aos conhecimentos espíritas, pois que eles ultrapassam os liames materiais e alcançam horizontes espirituais. Vejamos o que nos diz Emmanuel na questão 147 do livro O Consolador – “Desencarnar (morrer) é mudar de plano, como alguém que se transfere de uma cidade para outra, aí no mundo, sem que o fato lhe altere as enfermidades ou as virtudes com a simples modificação dos aspectos exteriores”. Novo e profundo pensamento para nós encarnados, pois que desencarnar é mudar o plano sem que o fato altere nossas condições de enfermos ou virtuosos. Daí que, após aquele momento fatal, levaremos o que somos e viveremos de acordo com nossas opções daqui. Em outras palavras: quase nada muda. Deixamos o corpo físico e permanecemos como? Com o perispírito que é o envoltório fluídico que envolve o Espírito e o coloca em condições de sobreviver à morte física. Tudo então começa a ter sentido. Isto porque quantos relatos existem de pessoas que viram seus mortos, tal qual eram antes das suas partidas daqui. Foram vistos, pois, na forma perispirítica que acompanha o Espírito, guardando sua forma de quando estava encarnado. Pode parecer confuso, mas não é; nossos mortos quase sempre guardam os mesmos aspectos, aparências e reações que tinham quando aqui estavam. O ranzinza continua ranzinza. O sábio continua sábio. Os do bem ou do mal, continuam como eram. Quem sou agora, provavelmente, continuarei a sê-lo depois que desencarnar.
Já começa a ganhar sentido, contudo, como é a saída e a chegada deles ao outro plano? Será que ficam à deriva ou lhes é oferecido um acolhimento? Os relatos que nos chegam de lá é que muitos parentes ou amigos já desencarnados os recebem, indicando-lhes um caminho. Existe na literatura espírita o livro: Obreiros da Vida Eterna, do Espírito André Luiz e psicografado por Francisco Cândido Xavier. Naquela obra encontramos vários apontamentos sobre o momento do desencarne e a chegada deles ao mundo espiritual. Na desencarnação são desligados laços fluídicos que ligam o Espírito ao corpo físico. Este é um trabalho feito por técnicos da espiritualidade e dentro de um mecanismo onde o amor e o conhecimento do assunto imperam.
Aqui necessitamos de uma reflexão mais apurada: Emmanuel nos indica que chegaremos lá com nossas enfermidades ou virtudes. Daí que os caminhos seguintes certamente nos levarão aos locais que aqui escolhemos como padrão de vida. Se doentes, encontraremos clínicas e tratamentos, se virtuosos encontraremos templos, educandários e trabalho, mas e se ainda optamos pelas maldades, sevícias e vícios dos quais não desejamos nos libertar? Vamos então nos recorrer da mentora Zenóbia, numa conversa com André Luiz e exposta no livro já citado Obreiros da Vida Eterna. Está no capítulo IX e ela diz assim: “A compaixão, filha do Amor, desejará estender sempre o braço que salva, mas a justiça, filha da Lei, não prescinde da ação que retifica”. Momento maior de pararmos para tentar entender. Há sim o amor que acolhe, contudo ele seguirá as bases da Lei da Justiça instituída por Deus e às quais todos estamos subjugados. Acolhimento e Justiça, eis a verdade. Continuando seus apontamentos, Zenóbia diz: “Haverá recursos da misericórdia para as situações mais deploráveis”. Muito bom sabermos disto. Há sempre a palavra, a ação e o encaminhamento mesmo para aqueles que muito erraram, contudo, diz-nos ainda Zenóbia: “A ordem legal do Universo cumprir-se-á, invariavelmente”. Isto também é lógico. Pois os que lutam para se organizarem nos parâmetros do bem certamente que terão acolhimento diferenciado daqueles que nada fazem ou fizeram por suas melhoras morais e espirituais. O Universo é nossa grande casa. A casa paterna. E em assim sendo, é regulado por Leis sábias e justas. “Em virtude, pois, da realidade, é justo que cada filho de Deus assuma responsabilidades e tome resoluções por si mesmo”, conclui Zenóbia. André Luiz escreveu em seguida: “O esclarecimento era lógico e reconfortador”.
Aqueles que detêm outras teses sobre este assunto devem sempre apresentá-la de acordo com a dialética Heiguiana. Contudo, que sejam elas consistentes e não remontem sempre aos efeitos pelos efeitos e sim à causa primeira, devendo-se ainda evitar os famigerados “achismos”, nada científicos.
Dentro do que defendemos, a questão 274 de O Livro dos Espíritos não nos deixa dúvidas sobre a sugestão proposta neste artigo. Vejamos:
– As diferentes ordens de Espíritos estabelecem entre elas uma hierarquia de poderes; e há entre eles subordinação e autoridade? Pergunta Allan Kardec.
– Sim. Muito grande. Os Espíritos têm, uns sobre os outros, a autoridade relativa à sua superioridade. E a exercem por meio de uma ascendência moral irresistível – Respondem os Espíritos. Esta questão está colocada no item que trata das Relações de Além-Túmulo e faz parte do Capítulo VI de O Livro dos Espíritos – Vida Espírita.
Há os que julgam erroneamente que as classes sociais aqui estabelecidas ditam as regras das posições que ocuparemos no mundo espiritual. Há mesmo os que ainda compram lugares no céu! Ledo engano. Jesus nos afirmou que a cada um será dado de acordo com suas obras. Isto deixa claro que as ordens sociais são estabelecidas aqui, mas que seguem padrões diferentes em nossas relações com os Espíritos quando formos para lá. Como eles nos indicam, o que vai contar serão as virtudes e moralidades para uns e vícios, maldades, ignorância contumaz etc. para outros. Isto nos faz pensar sobre como estamos conduzindo nossas vidas, sabedores que somos que a morte física não marca conosco o dia e a hora. Isto está explícito na questão 275 de O Livro dos Espíritos:
– O poder e a consideração de que um homem goza na Terra dão-lhe alguma supremacia no mundo dos Espíritos?
– Não; pois os pequenos serão elevados e os grandes rebaixados. Leia os salmos – Respondem os Espíritos. Na questão 276 somos informados de que aquele que foi grande na Terra e se encontra inferior entre os Espíritos sente muita humilhação, sobretudo se era orgulhoso e invejoso.
Com este volume de informações cabe a cada um de nós buscar entender que não há milagres após a morte do corpo físico. Continuaremos da mesma forma que somos aqui, com agravantes, atenuantes ou acessos extraordinários a planos superiores. Tudo de conformidade com nossas opões, méritos ou deméritos. Cada caso tratado separadamente. O Espírito que luta aqui por domar suas más inclinações continuará fazendo o mesmo e aqueles que insistem numa vida de discórdia com as Leis de Amor estabelecidas por Deus, ou que brincam com a vida como se ela lhes fosse um jogo infantil, certamente terão surpresas bem desagradáveis. Diz-nos André Luiz que a dor que encontram é inenarrável e Allan Kardec indica o arrependimento, a expiação e a reparação como saídas definitivas das plataformas da dor, criada pelos seres e de conformidade com suas opções errôneas de vida. Errôneas porque contrárias às Leis de Deus. Imaginemos agora os suicidas. Fugitivos das expiações ou provas, além de sofrimentos atrozes, terão que retornar e recomeçar em situações mais difíceis ainda em relação às que se encontravam quando preferiram a autoexterminação. Ninguém morre. Eis a máxima. Eis a pesquisa já levada a efeito em laboratórios da ciência e que deve ser buscada antes de qualquer ação infeliz da exterminação do corpo que lhe serve de tabernáculo divino em ações diretas ou indiretas, porque os vícios também podem matar!
Recorrendo ainda ao livro Obreiros da Vida Eterna, encontramos relatos de planos inferiores onde habitam Espíritos perversos que aprisionam seus antigos verdugos. Isto nos faz pensar muito em como tratamos aqueles que estão sob nossa batuta. Muitas vezes abusamos do poder prejudicando a um ou a muitos. De acordo com o grau de evolução daquele ou daqueles que foram prejudicados, podem querer acertar as contas conosco quando nos encontrarem depois da vida no corpo físico. Assassinados, vezes sem conta, aguardam seus assassinos para um acerto de contas. Claro que há os que são mais evoluídos e perdoam. Mas, nem sempre assim acontece. E ainda aí há a justiça. Sabemos de relatos de antigos escravos que aprisionam até hoje seus ex-senhores e capatazes. Ora, quem vibra nas dimensões do amor, receberá como recompensa o amor e quem vibra nas dimensões do ódio receberá igualmente o ódio. O que tira do outro o direito de uma vida digna, a sua também será atingida; se deseja para si o sol e para o outro a treva, o retorno também será de igual monta. Vejam: nada de milagres. Mas, há acolhimentos para aqueles que desejam se recuperar. Os Espíritos da luz resgatam essas almas levando-as a postos de socorro e refazimento e preparam-lhes uma nova encarnação. Certamente que os ricos avarentos ou verdugos ou enganadores de agora retornarão na condição de proletários, muitas vezes em situações altamente desconfortáveis, a fim de aprenderem a lição da fraternidade e do Amor Universal. Isto porque somos todos filhos de Deus, portanto, filhos da luz, cuja única diferença entre nós é sentir-se ou não nesta condição. Os que tentam enganar recolherão cestos de decepções. Jesus nos disse: “Entretanto, não os temais! Nada há escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido. O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o do alto dos telhados”. Leiamos Mateus 10, versículo 26.
Jerônimo, mentor espiritual também citado por André Luiz no livro Obreiros da Vida Eterna, nos diz, no capítulo XI: “A criatura pressupõe no amparo de Deus o protecionismo do sátrapa terrestre. Espera perpetuidade de favores materialísticos, injustificável destaque entre os menos felizes, dominação e louvor permanentes. O subsídio terrestre traduz-se por benditas oportunidades de trabalho e renovação”. Mais adiante ele conclui: “O que quase sempre parece sofrimento e tentação, constitui bem-aventurança transformando situações para o bem e para a felicidade eterna”.
É bom começarmos a estudar e pensar seriamente o Espiritismo. Nele encontraremos fontes torrenciais de informações tanto para nossas estadias aqui no corpo físico quanto fora dele. Há o acolhimento após o desenlace físico, mas a partir daí cada qual seguirá o caminho que melhor lhe aprouver. Por isso necessitamos estudar e trabalhar no bem. Os tempos antigos onde a ignorância sobre os planos espirituais pairava sobre a cabeça de todos já são passados e o que eram suposições passam agora a ser estudos sérios, racionais e lógicos. Deus não criou filhos para a morte e sim para a vida imortal. Entender e tomar posse dessa imortalidade é individual e imprescindível, cabendo a cada qual realizar tal feito. O bom é engrossarmos as fileiras dos trabalhadores de Jesus, governador espiritual da Terra, e, a partir Dele e do Seu Evangelho, estabelecermos um roteiro seguro para que não sejamos surpreendidos com o que virá depois. E o que virá depois deve estar em consonância com a paz, a felicidade e a alegria que todos desejamos. A morte física será, então, drama ou libertação? Dependerá, pois, daquele que a vivencia. Isto será sempre assunto de cada filho para com Deus, seu Pai.
Huberto Rohden, filósofo brasileiro e já desencarnado, nos adverte em seu livro: Sabedoria das Parábolas: “O ego humano é essencialmente centrífugo, separatista, dispersivo, anticósmico”. Mais à frente ele dirá sobre a dimensão da egoidade hipertrofiada. Então é tempo de juntar em nós o que Deus plantou em nossos corações. Amemo-nos, eis a grande tarefa a partir do autocontrole que nos levará ao autoconhecimento e ambos nos conduzirão a buscas e vivências que visem aos planos superiores da Criação, a partir das nossas consciências ampliadas.
O consolador – Ano 9 – N 447