Autora: Marielza Tiscate
Música é unanimidade. Todo mundo de alguma forma convive com ela.
As diferenças e divergências existem quanto à gêneros, ritmos, letras, harmonias…
Ou seja: a música não é tão unanimidade assim.
Parece um jogo de palavras, mas não é, porque, no que diz respeito às liberdades individuais, cada um escuta o que quer. Porém quando falamos de influência da música na vida das pessoas, aí tudo fica mais complexo.
Bem, na verdade quem está realmente interessado em saber isso?
E quanto é possível analisar cientificamente algo que é pessoal, que soa diferente dentro de cada um e isso varia de acordo com o momento existencial?
Ponto de partida: Vamos assumir de uma vez por todas que A MÚSICA É PESSOAL. È UM FENÔMENO COLETIVO SIM, PORÉM COM DIFERENTES E IMPREVISÍVEIS EFEITOS NAS INDIVIDUALIDADES. Ops… O que estamos falando?
Isso mesmo. A música é um fenômeno coletivo, é uma marca cultural, agrega grupos, cataliza multidões, mas, no que tange aos efeitos, ela é particular e intransferível.
Uma multidão assistindo a um show num festival de música: fenômeno coletivo.
Uns choram, outros riem, outros nada: efeitos diferentes nas individualidades. Até aí tudo certo. Mas quem está num festival de música, no meio de uma multidão, ouvindo aqueles muitos decibéis em seus ouvidos de um som que mexe com todo o corpo, quem vai pensar: “o que está havendo? O que esta música está mexendo em mim?” Ninguém.
Agora, independente do interesse sobre o assunto, a verdade é que aquela música maravilhosa que você canta à plenos pulmões, está interferindo em todo o seu sistema corporal. Em geral você não está nem aí para isso. Tá. Tudo bem. Não estamos pedindo que você assista a um show do seu grupo favorito fazendo análises científicas da música. Mas, veja, esta música está mexendo com suas células, impondo um ritmo cardíaco, provocando sinapses cerebrais e, mais interessante, conectando certas emoções umas às outras, num magnífico efeito em cadeia que leva a desejos e a ações.
Então, o que propomos? Que, primeiro, você considere isso quando estiver ouvindo o que gosta. Segundo, aprenda a saber sobre você a partir das músicas que ama ouvir. Apenas perceba que determinadas combinações de certos sons, ritmos, letras, em dadas harmonias, provocam choro, riso, euforia, depressão. Isso quer dizer: trazem à tona choro, riso, euforia, depressão. A música traz para o nível sensorial emoções tantas vezes submersas e é aí que você se pega chorando repentinamente com a música que o seu grupo preferido toca.
Chorar não é ruim, ter emoções à flor da pele também não. O que pode ser uma grande pena é você não entender nada sobre o que está acontecendo e ir aprofundando um processo de contato com emoções desconhecidas, trazendo-as à luz, sem saber depois o que fazer com elas.
Muita gente vai chiar por eu estar levantando essa bola. Vão me perguntar: mas e a espontaneidade da arte? A liberdade de criação?
Que tal combinarmos tudo isso com a necessidade das pessoas de viverem de forma mais bacana, mais saudável? Isso se chama processo criativo responsável.
Ihhh… Quer dizer que devemos fazer uma caça às bruxas aos autores e intérpretes depressivos, revoltados, mal humorados? Ou aqueles, por exemplo, que optam por sons “estridentes, agudos, que estalam no ouvido”? Os que optam por ritmos “alucinantes”, “instigadores”, “sensuais” ou pelos ritmos “bélicos”, “marciais”?
Claro que não. Se fizéssemos isso estaríamos dando uma de seres fora da história, o que não existe. Nós mataríamos a voz da coletividade, as marcas de um tempo. A música de um povo é sua marca histórica. Não podemos calar isso, porque traduz a complexidade da vida coletiva e não faz qualquer sentido tal pretensão.
Por outro lado, fingir que os sons combinados dessa ou daquela forma não vão exercer influência no estado de espírito das pessoas é no mínimo uma pena.
Pois então. Como vamos permitir que os artistas sejam e continuem livres criadores, sem interferências no processo criativo e também cuidar do mundo emocional dos ouvintes?
Digo: não há como fazer isso a não ser individualmente. Qualquer outra forma seria arbitrária e reprovável, mesmo quando estamos imbuídos de boas intenções.
Muita gente se arvora em juízes da música e se acham no direito de fazer triagens do que as pessoas vão ou não ouvir. Desculpem, mas é inútil. Inútil porque o processo é empático e se a música não for ouvida em sua casa, em sua escola, em seu grupo, seja lá qual for, vai ser ouvida na rua, no som de uma loja, no rádio alto de um carro, no alto falante de uma loja, na música ambiente de um shopping center. Entenderam? Não é bom seguir pelo caminho da proibição, nem do estranhamento disfarçado. Não podemos perder a chance de observar as individualidades ao nosso redor e “sentir” seus sentimentos através das músicas que escolhem ouvir. Este material é rico demais para o desprezarmos.
Precisamos ter generosidade e interesse pelos sentimentos das pessoas e não filtrar os que podem e os que não podem ser mostrados.
Mas, me perguntam, quer dizer que devemos permitir “aquela música horrível e barulhenta ou violenta? Aquele barulho e violência só pode ser prejudicial”.
Eu, por minha vez me pergunto, porque desprezar os sentimentos estridentes que estão dentro da emoção de nossos filhos, alunos, etc, e em nós mesmos? O que acontece com os sentimentos marginalizados? Eles se fortalecem nos bastidores e ganham rumos imprevisíveis. É melhor sentar com eles para conversar, olhar nos olhos desses sentimentos que gritam…
Além do mais é preciso conhecer os efeitos terapêuticos da música.
Uma pessoa com muita raiva, por exemplo, que se sente invadida e não sabe como reagir, exposta e identificada com ditos sons alucinantes, pode trazer à tona um sentimento explosivo, que, do contrário, teria grande chance de ficar represado. Os efeitos desse represamento ninguém saberá.
Ora, sejamos honestos, a música neste caso está fazendo um grande bem. Ela está expondo de forma clara, em alto e bom som, literalmente, que há uma energia imensa focada sobre certos sentimentos e que é preciso reconhecê-los.
Reconhecer sentimentos que não são nossos é um campo delicado para nos movimentar. Porque uma linha tênue separa a arbitrariedade da ação eficaz.
Em geral precisamos saber que não somos e nem seremos nunca os responsáveis por mudanças no outro. Somente o outro poderá fazer isso. E se eu não desejo ser muleta de ninguém (e o risco é muito grande), é bem melhor encarar de frente que a vida é uma eterna busca por autonomia, responsabilidade, segurança e criatividade.
Não há fórmulas prontas.
Sejamos delicados e cuidadosos com nossos sentimentos e seremos com os dos outros. Não desprezemos as formas que existem de nos conhecer.
Não desprezemos a música que nosso coração elege no cotidiano.
Se tivermos ouvidos de ouvir, ouviremos o que mais importa: o coração. E o coração é a chave dos segredos, a ponte para tudo o mais.