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Na vinha do senhor

Autor: Irmão X (espírito)

Instalado na casa modesta que seria, mais tarde, em Jerusalém, o primeiro santuário dos apóstolos, Simão Pedro refletia…

Recordava Jesus, em torno de quem havia sempre abençoado trabalho a fazer.

Queria ação, suspirava por tarefas a realizar e, por isso, orava com fervor.

Quando mais ardentes se lhe derramavam as lágrimas, com as quais suplicava do céu a graça de servir, eis que o Mestre lhe surge à frente, tão compassivo e sereno como nos dias inolvidáveis em que se banhavam juntos na mesma luz das margens do Tiberíades…

– Senhor! – implorou Simão – aspiro a estender-te as bênçãos gloriosas!… Deixei o lago para seguir-te! Disseste que nos farias pescadores de almas!… Quero testemunhar a divina missão do teu Evangelho de amor e luz!…

E porque o celeste visitante estivesse a fitá-lo em silêncio, Pedro acrescentou com a voz encharcada de pranto:

– Quando enviarás teu serviço às nossas mãos?

Entreabriram-se de manso os lábios divinos e o apóstolo escutou, enquanto Jesus se fazia novamente invisível:

– Amanhã…amanhã…

O antigo pescador, mais encorajado, esperou o dia seguinte.

Aguardando o mandato do Eterno Benfeitor, devotou-se à limpeza doméstica, desde o nascer do sol, enfeitando a sala singela com rosas orvalhadas do amanhecer.

Enlevado em doce expectativa, justamente quando se dispunha à refeição matutina, ensurdecedora algazarra atinge-lhe os ouvidos.

A porta singela, sob murros violentos, deixa passar um homem seminu, de angustiada expressão, enquanto lá fora bramem soldados e populares, sitiando o reduto.

O recém-chegado contempla Simão e roga-lhe socorro.

Tem lágrimas nos olhos e o coração lhe bate descompassado no peito.

O anfitrião reconhece-o

É Joachaz, o malfeitor.

De longo tempo, vem sendo procurado pelos agentes da ordem.

Exasperado, Pedro responde, firme:

– Socorrer-te por quê? Não passas de ladrão contumaz…

E, de ouvidos moucos à rogativa, convoca os varapaus, entregando o infeliz, que, de imediato, foi posto a ferros, a caminho do cárcere.

Satisfeito consigo mesmo, o apóstolo colocava a esperança na obra que seria concedido fazer, quando, logo após, perfumada liteira lhe entregou à presença triste mulher de faces maceradas a contrastarem com a seda custosa em que buscava luzir.

Pedro identificou-a.

Era Júlia, linda grego-romana que em Jerusalém se fazia estranha flor de prazer.

Estava doente, cansada.

Implorava remédio e roteiro espiritual.

O dono da casa, porém, gritou resoluto:

– Aqui, não! O teu lugar é na praça pública, onde todos te possam lançar em rosto o desprezo e a ironia…

A infortunada criatura afastou-se, enxugando os olhos, e Pedro, contente de si próprio, continuou esperando a missão do dia.

Algo aflito, ao entardecer, notou que alguém batia, insistente, à porta.

Abriu, pressuroso, caindo-lhe aos pés o corpo inchado de Jarim, o bêbado sistemático, semi-inconsciente, pedia refúgio contra a malta de jovens cruéis que o apedrejavam.

Pedro não vacilou.

– Borracho! Infame! – vociferou, revoltado – não ofendas o recinto do Mestre com o teu vômito!…

E, quase a pontapés, expulsou-o sem piedade.

Caiu a noite imensa sobre a cidade em extrema secura.

Desapontado, ao repetir as últimas preces, Simão meditava diante de tocha bruxuleante, quando o Mestre querido se destacou da névoa…

– Ah! Senhor! – clamou Pedro, chorando – aguardei todo o dia, sem que me enviasses a prometida tarefa!…

– Como não? – disse o Mestre, em tom de amargura. – Por três vezes roguei-te hoje cooperação sem que me ouvisses…

E ante a memória do companheiro que recordava e compreendia tardiamente, Jesus continuou:

De manhã, enviei-te Joachaz, desventurado irmão nosso mergulhado no crime, que o ajudasses a renovar a própria existência, mas devolveste-o à prisão… Depois do meio-dia, entreguei-te Júnia, pobre irmã dementada e doente, para que a medicasses e esclarecesses, em meu nome: contudo, condenaste-a ao vilipêndio e ao sarcasmo… À noitinha, mandei-te Jarim, desditoso companheiro que o vício ensandece; no entanto, arremeteste contra ele os próprios pés…

– Senhor! – soluçou o apóstolo – grande é a minha ignorância e eu não sabia… Compadece-te de mim e ajuda-me com a tua orientação!…

Jesus afagou-lhe a cabeça trêmula e falou, generoso:

– Pedro, quando quiseres ouvir-me, lembra-te de que o Evangelho tem a minha palavra…

Simão estendeu-lhe os braços, desejando retê-lo junto do coração, mas o Cristo Sublime como que se ocultava na sombra, escapando-lhe à afetuosa carícia…

Foi então que o ex-pescador de Cafarnaum, cambaleando, buscou os apontamentos que trazia consigo e, abrindo-os ao acaso, encontrou o Versículo 12, do Capítulo 9 das anotações de Mateus, em que o Mestre da Vida assevera, convincente:

– “Os sãos não precisam de médico, mas sim os doentes.”

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/contos-desta-e-doutra-vida

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