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Nas palavras do caminho

Autor: Irmão X (espírito)

Conta-se que Tiago, o velho apostolo que permaneceu em Jerusalém, demandava Betânia, junto de Matias, o sucessor de Judas, no colégio dos continuadores do Cristo, quando foi lembrada, repentinamente, a figura do Iscariotes.

Contemplando um pomar vizinho, Tiago comentou, em resposta às observações do companheiro:

– Este sítio lembra o horto em que o Mestre foi traído. As árvores próximas parecem esperá-Lo, às lições do crepúsculo, quando o Senhor estimava as meditações mais profundas. Recordo-me ainda do instante inesperado, não obstante os seus avisos. Judas vinha à frente de oficiais e de soldado que empunhavam lanternas, varapaus e espadas. Contavam encontrá-lo à noite, porque Jesus muitas vezes se alegrava em ministrar-nos ensinamentos, à doce claridade noturna. O Mestre, porém, vinha ao encontro dos adversários e estava sorridente e imperturbável.

Olhos mergulhados nas reminiscências, o apóstolo relembrava:

– Adiantou-se o infame e beijou-o na face. Estabeleceu-se o tumulto e consumou-se a prisão do Messias, começando, desde então, o nosso martírio.

– Que insolência! Que homem caviloso esse Judas terrível! – replicou Matias, inflamado no zelo apostólico – dói-me evocar o vulto hediondo do ingrato. Como não vacilou ele no crime ignominioso?

– Será Judas, para sempre, a nossa vergonha – exclamou Tiago, arrimando-se ao bordão rústico -, muitas vezes ouço a argumentação de Pedro, que busca defendê-lo. Ouço e calo-me, porque, para mim, não existem palavras que o escusem. Esse traidor, será um réu diante da Humanidade. Foi ele quem entregou o Mestre aos sacerdotes criminosos e provocou a tragédia do Gólgota. Não tem advogados, nem desculpas. Foi perverso, positivamente infame.

– Como se abalançou a semelhante absurdo? – indagou o interlocutor – tudo lhe dera o Senhor, em bênçãos eternas!

– Foi o espírito diabólico da ambição desregrada – tornou Tiago, em voz firme -, Judas queria absorver a direção de nosso grupo, ombrear com os rabinos do Templo, cativar a simpatia dos romanos dominadores, criar uma organização financeira, submeter o próprio Senhor à sua vontade. Pedro costuma afirmar que o celerado não previa as consequências do ato de traição, nem alimentava o propósito de eliminar o Messias amado; contudo, não posso admitir a suposição. Judas, por certo, condenou o Senhor deliberadamente à morte, e talvez fosse ele o inspirador sutil dos tormentos na cruz. João e Pedro asseveram que o infeliz se arrependeu e chorou; entretanto, chego a duvidar. Um traidor como aquele não encontraria pranto nos olhos.

Era demasiadamente perverso para sofrer por alguém.

– Com efeito – observou Matias -, não devia passar de criminoso vulgar. A sua memória inspira-me compaixão e vergonha…

Depois de ligeira pausa, indagou:

– Chegou a vê-lo antes da morte?

– Não – replicou Tiago, de maneira significativa -, e não sei se me comportaria fraternalmente se ainda o tivesse ante os olhos. O traidor morreu nos laços diabólicos que teceu com as próprias mãos. Devia aos infernos, como desceu, envolvido em trevas densas. Era um perverso gênio das potências inferiores.

– E os familiares desse homem cruel? – interrogou Matias, curioso – porventura lhe aprovaram a conduta satânica?

Tiago ia responder, mas alguma coisa lhe impediu. O velho apóstolo arregalou os olhos, interrompeu a marcha e perguntou ao companheiro:

– Quem é aquele que vem lá, vestido em luz resplandecente?

Assombrado, Matias redarguiu

– Também vejo, também vejo!…

Banhado, agora, em lágrimas Tiago reconheceu o Messias. Lembrou a narrativa dos discípulos, a caminho de Emaús, ajoelhou-se reverente, e falou baixinho:

– É o Senhor!

Aproximou-se Jesus com a majestosa beleza da espiritualidade sublime e parou, por instantes, ao lado dos companheiros. Contemplou-os, compassivamente, como Mestre afetuoso junto a dois aprendizes humildes. Matias chorava, sem força para erguer os olhos. Tiago, em pranto, ousou fixá-lo e rogou:

– Senhor, abençoai-nos!

Jesus estendeu a destra em sinal de amor e, como nada dissesse, o velho Galileu considerou:

– Senhor, podemos voltar par Jerusalém, a fim de receber a vossa vontade e cumpri-la!

– Não, Tiago – respondeu o Cristo, doce e firmemente -, não vou agora, sigo em missão de auxílio a Judas.

E sem acrescentar coisa alguma, continuou a excursão solitária, em sublime silêncio.

Nessa noite, quando voltou a Jerusalém, o velho Tiago insulou-se da comunidade, e, tomando os pergaminhos onde começara a escrever sua bela epístola à cristandade, anotou, em lágrimas, suas famosas considerações sobre a língua humana.

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/pontos-e-contos

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