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Natureza das penas e gozos futuros

O Livro dos Espíritos

Fonte: Parte Quarta – Das esperanças e consolações

Capítulo II – Das penas e gozos futuros

Nota Juventude Espírita: As perguntas abaixo foram feitas por indivíduos encarnados e respondidas por espíritos.

Natureza das penas e gozos futuros

965. Têm alguma coisa de material as penas e gozos da alma depois da morte?

“Não podem ser materiais, diz o bom-senso, pois que a alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentais na Terra, porque o Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe embota as sensações.” (237–257.)

966. Por que das penas e gozos da vida futura faz o homem, muitas vezes, tão grosseira e absurda ideia?

“Inteligência que ainda não se desenvolveu suficientemente. Compreende a criança as coisas como o adulto? Isso, ao demais, depende também do que se lhe ensinou: aí é que há necessidade de uma reforma.

“Muito incompleta é a vossa linguagem para exprimir o que está fora de vós. Teve-se então que recorrer a comparações e tomaste como realidade as imagens e figuras que serviram para essas comparações. À medida, porém, que o homem se instrui, melhor vai compreendendo o que a sua linguagem não pode exprimir.”

967. Em que consiste a felicidade dos Espíritos bons?

“Em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os Espíritos puros gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os que já estão bastante adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e aspiram a alcançá-la. Mas esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não de inveja. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem trabalham, porém com a calma da consciência tranquila, e ditosos se consideram por não terem que sofrer o que sofrem os maus.”

968. Citais, entre as condições da felicidade dos Espíritos bons, a ausência das necessidades materiais. Mas a satisfação dessas necessidades não representa para o homem uma fonte de gozos?

“Sim, gozo do animal. Quando não podes satisfazer a essas necessidades, passas por uma tortura.”

969. Que se deve entender quando é dito que os Espíritos puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados em lhe entoar louvores?

“É uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições de Deus, porque o veem e compreendem, mas que, como muitas outras, não se deve tomar ao pé da letra. Tudo na natureza, desde o grão de areia, canta, isto é, proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Não creias, todavia, que os Espíritos bem-aventurados estejam em contemplação por toda a eternidade. Seria uma bem-aventurança estúpida e monótona. Seria, além disso, a felicidade do egoísta, porquanto a existência deles seria uma inutilidade sem-termo. Estão isentos das tribulações da vida corpórea: já é um gozo. Depois, como dissemos, conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa a sua ocupação, que ao mesmo tempo é um gozo.”

970. Em que consistem os sofrimentos dos Espíritos inferiores?

“São tão variados como as causas que os determinaram, e proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para ser felizes e não o obterem; verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desesperança quanto ao que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer: eis o que os tortura.”

971. É sempre boa a influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros?

“Sempre boa, está claro, da parte dos Espírito bons. Os Espíritos perversos, esses procuram desviar da senda do bem e do arrependimento os que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são, muitas vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena.”

a) — Assim, a morte não nos livra da tentação?

“Não, mas a ação dos maus Espíritos é sempre bem menor sobre os outros Espíritos do que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das paixões materiais.” (996.)

972. Como procedem os maus Espíritos para tentar os outros Espíritos, não podendo jogar com as paixões?

“As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos Espíritos atrasados. Os maus dão pasto a esses pensamentos, conduzindo suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.”

a) — Mas, de que servem essas paixões, se já não têm objeto real?

“Nisso precisamente é que lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não pode gozar.”

973. Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se veem sujeitos?

“Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o Espírito que as sofre teria dificuldade em vos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensar que está condenado sem remissão.”

Das penas e gozos da alma após a morte forma o homem ideia mais ou menos elevada, conforme o estado de sua inteligência. Quanto mais ele se desenvolve, tanto mais essa ideia se apura e se escoima da matéria; compreende as coisas de um ponto de vista mais racional, deixando de tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada. Ensinando-nos que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos diz, por isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta de sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas. (237.)

As comunicações espíritas têm como resultado mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, porém na realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo tempo, entretanto, no-las mostram como consequências perfeitamente lógicas da vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a imaginação dos homens criou, não são menos aflitivas, para os que fizeram mau uso de suas faculdades. Infinita é a variedade dessas consequências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são caros, etc.

974. Donde procede a doutrina do fogo eterno?

“Imagem tomada como realidade, como tantas outras.”

a) — Mas o temor desse fogo não produzirá bom resultado?

“Vede se serve de freio, mesmo entre os que o ensinam. Se ensinardes coisas que mais tarde a razão venha a repelir, causareis uma impressão que não será duradoura, nem salutar.”

Impotente para, na sua linguagem, definir a natureza daqueles sofrimentos, o homem não encontrou comparação mais enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o fogo é o tipo do mais cruel suplício e o símbolo da ação mais vigorosa. Por isso é que a crença no fogo eterno data da mais remota antiguidade, tendo-a os povos modernos herdado dos mais antigos. Por isso também é que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo das paixões; abrasar de amor, de ciúme, etc.

975. Os Espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo?

“Sim, e isso lhes é um suplício, porque compreendem que estão dela privados por sua culpa. Daí resulta que o Espírito, liberto da matéria, aspira à nova vida corporal, pois que cada existência, se for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à escolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque, ficai sabendo, o Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que teria podido fazer e não fez, por todo o mal que decorra de não haver feito o bem.

“Para o Espírito errante já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade.”

Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada.

976. O espetáculo dos sofrimentos dos Espíritos inferiores não constitui, para os bons, uma causa de aflição e, nesse caso, que fica sendo a felicidade deles, se é assim turbada?

“Não constitui motivo de aflição, pois que sabem que o mal terá fim. Auxiliam os outros a se melhorarem e lhes estendem as mãos. Essa a ocupação deles, ocupação que lhes proporciona gozo quando são bem sucedidos.”

a) — Isto se concebe da parte de Espíritos estranhos ou indiferentes. Mas o espetáculo das tristezas e dos sofrimentos daqueles a quem amaram na Terra não lhes perturba a felicidade?

“Se não vissem esses sofrimentos, é que eles vos seriam estranhos depois da morte. Ora, a religião vos diz que as almas vos veem. Mas elas consideram de outro ponto de vista os vossos sofrimentos. Sabem que estes são úteis ao vosso progresso, se os suportardes com resignação. Afligem-se, portanto, muito mais com a falta de ânimo que vos retarda, do que com os sofrimentos considerados em si mesmos, todos passageiros.”

977. Não podendo os Espíritos ocultar reciprocamente seus pensamentos, e sendo conhecidos todos os atos da vida, dever-se-á concluir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima?

“Não pode ser de outro modo, diz o bom-senso.”

a) — Serão um castigo para o culpado essa divulgação de todos os nossos atos reprováveis e a presença constante dos que deles foram vítimas?

“Maior do que se pensa, mas tão somente até que o culpado tenha expiado suas faltas, quer como Espírito, quer como homem, em novas existências corpóreas.”

Quando nos achamos no mundo dos Espíritos, estando patente todo o nosso passado, o bem e o mal que houvermos feito serão igualmente conhecidos. Em vão aquele que haja praticado o mal tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença inevitável destas lhe será um castigo e um remorso incessante, até que haja expiado seus erros, ao passo que o homem de bem por toda parte só encontrará olhares amigos e benevolentes.

Para o mau, não há maior tormento, na Terra, do que a presença de suas vítimas, razão pela qual as evita continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das paixões, compreender o mal que fez, vir patenteados os seus atos mais secretos, desmascarada a sua hipocrisia e não puder subtrair-se à visão delas? Enquanto a alma do homem perverso é presa da vergonha, do pesar e do remorso, a do justo goza perfeita serenidade.

978. A lembrança das faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não lhe turba a felicidade, mesmo depois de se haver purificado?

“Não, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submetera para esse fim.”

979. Não serão, para a alma, causa de penosa apreensão, que lhe altera a felicidade, as provas por que ainda tenha de passar para acabar a sua purificação?

“Para a alma ainda maculada, são. Daí vem que ela não pode gozar de felicidade perfeita, senão quando esteja completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou, nada tem de penoso o pensar nas provas que ainda haja de sofrer.”

A alma que chegou a um certo grau de pureza já experimenta a felicidade. Domina-a um sentimento de grata satisfação. Sente-se feliz por tudo o que vê, por tudo o que a cerca. Levantasse-lhe o véu que encobria os mistérios e as maravilhas da Criação e as perfeições divinas em todo o esplendor lhe aparecem.

980. O laço de simpatia que une os Espíritos da mesma ordem constitui para eles uma fonte de felicidade?

“Os Espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos, visto que não receiam vê-la turbada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisso a felicidade espiritual, do mesmo modo que no vosso mundo vos grupais em categorias e experimentais certo prazer quando vos achais reunidos. Na afeição pura e sincera que cada um vota aos outros e de que é por sua vez objeto, têm eles um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem hipócritas.”

Das primícias dessa felicidade goza o homem na Terra, quando se lhe deparam almas com as quais pode confundir-se numa união pura e santa. Em uma vida mais purificada, inefável e ilimitado será esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas, que o egoísmo não tornará frias. Na natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o mata.

981. Com relação ao estado futuro do Espírito, haverá diferença entre um que, em vida, teme a morte e outro que a encara com indiferença e mesmo com alegria?

“Muito grande pode ser a diferença. Entretanto, apaga-se com frequência em face das causas determinantes desse temor ou desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode o homem ser propelido por sentimentos muito diversos e são estes sentimentos que influem no estado do Espírito. É evidente, por exemplo, que naquele que deseja a morte unicamente porque vê nela o termo de suas tribulações há uma espécie de queixa contra a Providência e contra as provas que lhe cumpre suportar.”

982. Será necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas para termos assegurada a nossa sorte na vida futura?

“Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não creem, ou que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.” (165–799.)

A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos atinentes ao futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.

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