Autor: Rodrigues de Abreu (espírito)
*
Eu ainda não era um homem,
Quando subi aos elevados promontórios da esperança,
Divisando os países da beleza.
Meu coração pulou com um ritmo descompassado
E desejei a luz das cidades distantes,
O perfume das florestas prodigiosas
Onde cantavam as aves da mocidade e da glória.
*
Tudo sonhei contemplando o horizonte!…
*
Na embriaguez da ansiedade e do desejo,
Não vi o cântaro de mel
Que minha mãe deixara com o seu beijo
Na prateleira humilde de minhalma.
Gotas de mel, palavras de oração –
“Pai Nosso que estais no Céu…”
“Ave Maria, cheia de graças…”
Gotas do mel de amor, do coração.
*
Tudo esqueci, por infelicidade,
E andei como um fauno louco pelos mares remotos e pelas ilhas
desconhecidas…
Eu era dono do mundo inteiro
Porque era senhor dos sonhos absolutos,
Adormecendo à sombra enganadora
Da árvore da ilusão, onde quase todos os frutos apodrecem.
E quando quebrava os últimos altares,
Na inquietação da carne e do desejo,
Chegou ao país de minhalma um romeiro triste dos Céus,
Falando como Jeremias sobre a Jerusalém de minhas ânsias:
“A sombra da ilusão envenena-te a vida….
“Eu corrijo as paisagens interiores,
Trago-te o pão dos grandes amargores,
“Sou a Dor, ficarei sempre contigo.
“Guarda as minhas verdades, meu amigo,
“Manda o Senhor que eu seja a companheira
“De tua vida inteira…
“Irás comigo a mundos ignorados,
“Dar-te-ei maravilhas
“Ao sol dos meus castelos encantados…”
*
Eu não sei explicar o mistério
Daquela personagem enigmática
Que se intrometia, afoitamente,
Na minha estrada de alegria.
*
Seu olhar parecia
A claridade estranha
de toda a resignação e de todo o padecimento.
*
E, desde esse momento,
Casou-se comigo a Dor, de tal maneira,
Que a senti junto a mim, a vida inteira:
*
Roubou-me todas as glórias da Terra,
Fez fugir-se-me a noiva idolatrada,
Deixou-me só na lôbrega jornada,
Afastou-me a alegria da saúde,
Apodreceu meu coração em sua mão,
Deu-me as sombras dos Campos do Jordão,
Fez de meu sonho a casa destelhada,
Onde as chuvas de todas as misérias
Caíram sem cessar desde esse dia;
Crestou-me a flor ditosa da alegria,
Tudo levou-me a dor incontentada…
*
Mas oh! suave milagre de ventura,
Ela deu-me os palácios encantados
Onde brilham as luzes dAquele que se sacrificou na cruz por
todos os homens!…
Pela sua porta estreita,
Encaminhou-me à sensação perfeita
De Tua inefável presença, ó Senhor de Bondade.
Nas grandezas de Tua claridade,
Cala-se o meu verso humilde,
Porque com a Dor
Sinto que Te compreendo, meu Senhor,
E abençôo contente
As mágoas que me deste antigamente…
Pois agora é que eu sei
Banhar-me todo nessa fonte imensa
Da paz, doce e balsâmica da crença,
Enxergando na tamareira da esperança,
A cuja sombra o espírito descansa,
Pelos desertos áridos do mundo,
O único fruto eterno, bom e fecundo…
Fruto que é o Teu amor
E a Tua caridade, meu Senhor,
Sustentando a infeliz Humanidade,
Desde as pedras da Terra
Aos jardins de esplendor da Eternidade!
Nota
A poesia acima, psicografada por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Parnaso de Além-Túmulo
Obra completa: https://www.febeditora.com.br/parnaso-de-alem-tumulo