Autor: Irmão X (espírito)
À frente do anjo amigo, que mantinha amorosa vigilância no Portal de Luz, entre a Terra e o Céu, o crente recém-vindo da luta humana rogou passagem, pronunciando formosas palavras em nome de Deus…
O representante da Divindade, porém, depois de fitar-lhe os braços com demorada atenção, inquiriu:
– Que traz?
O candidato ao ingresso no Paraíso comentou, espantadiço:
– Sempre respeitei o Senhor e adorei-o nas casas que o mundo consagra à Majestade Divina; reconheci a grandeza do Evangelho, aceitando-o por sublime código de salvação da Humanidade, interpretando os grandes filósofos e pensadores do passado por embaixadores dele em favor do aperfeiçoamento gradual de nossa inteligência; guardei a fé em todos os acontecimentos da vida; nunca me esqueci da reverencia que os mortais devem ao Céu; ouvi com acatamento as elucidações de todos os pregadores da verdade, arquivando-lhes o bom conselho; jamais perdi a esperança na Justiça Perfeita que rege o Universo; cada manhã, tanto quanto cada noite, cultivei a prece sentida e pura, pedindo a assistência do Alto; prestei culto aos livros sacros, meditando-lhes os textos iluminativos; fugi, quanto pude, à presença dos ingratos e dos maus; abominei a companhia dos pecadores; censurei os criminosos, por espírito de defesa leal do bem; não combati as religiões, por reconhecer a feição sublime de cada uma; procurei guardar uma consciência sem mancha; evitava o contacto com qualquer lugar onde subsistisse; temi os desvairamentos da carne e afastei-me de todas as pessoas que poderiam induzir-me à tentação para a vida impura; acreditei que a retidão deve orientar todos os negócios; sabendo que a paciência é tesouro sagrado, nunca me abeirei de problemas intrincados, para não perdê-la; convencido de que a paz é um dom celeste, colocava-me a distância de todas as pessoas irritadiças ou encolerizáveis, de modo a manter-me em segurança espiritual e, ao fim dos meus dias terrestres, fiz de meu aposento e de meu lar o remanso confortador, em deliberada fuga dos homens e dos problemas, a fim de aguardar a morte com a pureza possível…
E fixando no funcionário celeste os olhos suplicantes, acentuou:
– Tudo fiz para não ofender o Senhor…
O anjo sorriu, complacente, e objetou, com expressão fraterna:
– Meu amigo, suas afirmativas demonstram-lhe o fino trato espiritual. A cultura, a crença e a vigilância proporcionam brilho invulgar à sua individualidade subjetiva; entretanto, suas mãos permanecem apagadas. A passagem aqui, porém, está condicionada à irradiação da luz que cada Espírito possui, em maior ou menor grau, dentro de si mesmo.
E afagando o inteligente aspirante, concluiu, bondoso:
– Com tanta luz interior no cérebro, que fez em sua passagem no mundo?
Foi então que o crente, tão loquaz na exposição dos próprios méritos, baixou a cabeça, entrou em silencio e começou a pensar.
Nota
O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.
Obra completa: https://www.febeditora.com.br/pontos-e-contos