Autor: Felipe Gallesco
Meu nome é Isadora, e vivo no seio de um grupo de ciganos, onde minha capacidade mediúnica foi uma parte essencial de minha identidade. Desde jovem, aprendi a ler as mãos, as cartas e a bola de cristal, e minha reputação como oráculo cresceu rapidamente, pois eu acertava muitas previsões e situações com precisão. Mas o mérito não era meu, mas sim dos espíritos que me forneciam as informações.
Nos últimos tempos, porém, um dilema pairava sobre mim. Enquanto muitos buscavam minhas orientações, eu começava a sentir uma certa inquietude e culpa. Não me parecia certo cobrar das pessoas por informações que os espíritos traziam até mim de forma natural. Ainda que minha capacidade de clarividência fosse rara e valorizada, algo dentro de mim dizia que não era a forma adequada de utilizá-la.
Eu desejava encontrar outra atividade remunerada, mas estava insegura. O que mais eu poderia fazer? A faculdade de prever o futuro estava profundamente enraizada em mim, e abandonar meu papel de vidente me parecia impossível. No entanto, a cada dia, a insatisfação crescia, e eu sentia que precisava mudar minha trajetória.
Foi num dia como qualquer outro, enquanto eu atendia um cliente em minha tenda, que o destino pregou sua peça trágica. Um acidente inesperado ocorreu, e antes que eu pudesse entender, tudo se tornou caos. A barraca que me abrigava caiu em cima de mim, e uma pesada madeira que sustentava a estrutura feriu gravemente o meu corpo.
Após o trágico acidente, minha vida tomou um rumo inesperado e desafiador. Meu corpo levou meses para se recuperar dos ferimentos, e a jornada de cura física e emocional foi intensa. As dores eram lancinantes, mas o apoio e cuidado dos outros ciganos foram fundamentais durante esse período delicado.
Durante os dias de convalescença, os ciganos se revezavam para me oferecer conforto e cuidados. Eu me sentia tocada por tamanha dedicação, e isso me mostrou o quanto era amada e valorizada por minha comunidade. Eles me contavam histórias de cura, que eram passadas de geração em geração, e ensinavam os segredos das ervas medicinais que utilizavam há séculos.
“Isadora, querida, precisamos cuidar de você para que se recupere logo. Suas previsões sempre nos ajudaram, agora é nossa vez de ajudar você”, disse Lívia, uma das ciganas mais experientes do grupo.
“Estamos aqui para o que precisar, Isadora. Aprendemos muito com suas consultas, agora é hora de cuidar de você”, acrescentou Rafael, um dos ciganos mais jovens do grupo, mas de coração generoso.
Eu sentia o calor humano emanando daqueles que me cercavam, e aquela união me fortalecia a cada dia. Mesmo sem a vidência, minha habilidade de acolher e ouvir as pessoas continuava presente, e isso criava uma conexão especial entre nós. As conversas fluíam como rios, e eu me sentia em paz, mesmo com as incertezas do futuro.
Conforme os meses se passavam, minha recuperação progredia. Meus ferimentos foram se cicatrizando, e a dor física foi amenizando, mas a sensação de ter perdido uma parte de mim ainda persistia. Eu acreditava não ter mais a mesma faculdade mediúnica, e isso me deixava com uma sensação de vazio.
Em uma noite estrelada, enquanto estávamos reunidos ao redor da fogueira, Lívia se aproximou de mim com um brilho nos olhos.
“Isadora, minha querida, eu tenho algo para você”, disse ela, entregando-me um pequeno caderno. “Este é um presente de nossa comunidade. É um livro de sabedoria, onde cada um de nós escreve nossas experiências e ensinamentos. Sinto que você tem muito a compartilhar conosco, mesmo sem as previsões. Suas palavras podem inspirar e ajudar muitas pessoas.”
Ao folhear o caderno, vi páginas repletas de histórias, poesias e conhecimentos ancestrais. Era como se a sabedoria de séculos estivesse concentrada ali, esperando para ser compartilhada. Aquele gesto de generosidade encheu meu coração de gratidão, e percebi que minha jornada não havia terminado, apenas tomava um novo caminho.
Encontrei na escrita uma forma de expressar minhas emoções e pensamentos, e aos poucos, minhas palavras ganharam vida própria. Escrevia sobre a cura, sobre as ervas e as histórias que aprendi com os ciganos. A cada palavra, eu me redescobria e encontrava uma nova identidade, menos presa às previsões e mais aberta ao presente.
Com o tempo, minha fama como curandeira cresceu, e pessoas de outras comunidades vinham em busca de meus remédios e conselhos. Eu segui o exemplo dos antigos curandeiros, não cobrando daqueles que eram mais pobres ou não podiam pagar pelos meus remédios. Acreditei que a cura não deveria ser um luxo, mas sim um direito de todos.
As viagens com o grupo de ciganos continuaram, e eu aproveitava cada oportunidade para colher ervas naturais que enriqueciam minhas fórmulas. Era como se a natureza se unisse a mim na busca pela cura, e eu me sentia em comunhão com cada planta que encontrava.
Minha vida transformou-se em uma jornada de propósito e significado, guiada pela força da união e pela magia do amor ao próximo. Eu não precisava mais prever o futuro, pois aprendi que o presente é onde reside a verdadeira essência da vida.
E assim, entre passados e futuros entrelaçados, minha história se escrevia como uma tapeçaria, colorida e diversa. A cada passo, eu encontrava novos desafios e aprendizados, e agradeço todos os dias por fazer parte de um grupo tão especial, onde a compaixão e a solidariedade são os fios que tecem nossos destinos.
Enfim, como curandeira, eu descobri meu verdadeiro chamado: espalhar esperança, acolher corações aflitos e oferecer alívio a cada alma que cruzava meu caminho. Através das ervas que colhia, dos remédios que preparava e das palavras que escrevia, eu sabia que estava cumprindo meu papel na grande teia da vida. E apesar de não ser mais vidente, eu me sentia em paz, confiante de que a magia da cura estava em minhas mãos, mesmo que não pudesse ver além do presente.