Revista Espírita, março de 1858
Um médico de grande talento, que designaremos pelo nome de Xavier, morto há alguns meses, e que muito se ocupou com o Magnetismo, havia deixado um manuscrito destinado, pensava ele, a fazer uma revolução na ciência. Antes de morrer, havia lido O Livro dos Espíritos e desejado pôr-se em relação com o autor. A doença, com a qual sucumbiu, não lhe deixou tempo para isso. Sua evocação ocorreu a pedido de sua família, e as respostas, eminentemente instrutivas, que ela contém, nos animou a dela inserir um extrato, na nossa coletânea, suprimindo tudo o que é de interesse privado.
1. Lembrai-vos do manuscrito que haveis deixado? – Resp. Ligo-lhe pouca importância.
2. Qual é a vossa opinião atual sobre esse manuscrito? – Resp. Obra vã de um ser que ignorava a si mesmo.
3. Pensais, todavia, que essa obra poderia fazer uma revolução na ciência? – Resp. Vejo muito claro agora.
4. Poderíeis, como Espírito, corrigir e acabar esse manuscrito? – Resp. Parti de um ponto que mal conheço. Talvez, seria preciso refazer tudo.
5. Sois feliz ou infeliz? – Resp. Espero e sofro.
6. O que esperais? – Resp. Novas provas.
7. Qual é a causa dos vossos sofrimentos? – Resp. O mal que fiz.
8. Todavia, haveis feito o mal com intenção? – Resp. Conheces bem o coração do homem?
9. Estais errante ou encarnado? – Resp. Errante.
10. Qual era, quando vivíeis, vossa opinião sobre a Divindade? – Resp. Não acreditava nela.
11. Qual é agora? – Resp. Nela não creio bastante.
12. Tínheis o desejo de se pôr em relação comigo; lembrai-vos? – Resp. Sim.
13. Vede-me e me reconheceis pela pessoa com a qual queríeis entrar em relação? – Resp. Sim.
14. Que impressão O Livro dos Espíritos fez sobre vós? – Resp. Transtornou-me.
15. Que pensais dele agora? – Resp. É uma grande obra.
16. Que pensais do futuro da Doutrina Espírita? – Resp. É grande, mas certos discípulos a prejudicam.
17. Quem são os que a prejudicam? – Resp. Os que atacam o que existe: as religiões, as primeiras e mais simples crenças dos homens.
18. Sendo médico, e em razão dos estudos que haveis feito, poderíeis, sem dúvida, responder às questões seguintes:
O corpo pode conservar, por alguns instantes, a vida orgânica depois da separação da alma? – Resp. Sim.
19. Quanto tempo? – Resp. Não há tempo.
20. Precisai vossa resposta, vos peço. – Resp. Isso não dura senão alguns instantes.
21. Como se opera a separação da alma do corpo? – Resp. Igual um fluido que escapa de um vaso qualquer.
22. Há uma linha de demarcação realmente traçada entre a vida e a morte? – Resp. Esses dois estados se tocam e se confundem; assim, o Espírito se desliga, pouco a pouco, dos seus laços; ele se desenlaça e não se quebra.
23. Esse desligamento da alma se opera mais prontamente em uns do que em outros? – Resp. Sim: aqueles que, em sua vida, já se elevaram acima da matéria, porque, então, sua alma pertence mais ao mundo dos Espíritos do que ao mundo terrestre.
24. Em que momento se opera a união da alma e do corpo, na criança? – Resp. Quando a criança respira; como se recebesse a alma com o ar exterior.
Nota. Essa opinião é consequência de dogma católico. Com efeito, a Igreja ensina que a alma não pode ser salva senão pelo batismo; ora, como a morte natural intra-uterina é muito frequente, em que se tornaria essa alma privada, segundo ela, desse único meio de salvação, se ela existia no corpo antes do nascimento? Para ser consequente, seria preciso que o batismo tivesse lugar, senão de fato, pelo menos de intenção, desde o instante da concepção.
25. Como explicais, então, a vida intra-uterina? – Resp. Como a planta que vegeta. A criança vive a sua vida animal.
26. Há crime em privar uma criança da vida antes do seu nascimento, uma vez que, antes dessa época, a criança, não tendo alma, não é, de algum modo, um ser humano? – Resp. A mãe, ou qualquer outra, cometerá sempre um crime tirando a vida à criança antes do seu nascimento, porque é impedir a alma de suportar as provas, para as quais o corpo deveria ser o instrumento.
27. A expiação, que deveria ser suportada pela alma impedida de se encarnar, não obstante, ocorrerá? – Resp. Sim, mas Deus sabia que a alma não se uniria a esse corpo; assim, nenhuma alma devia se unir a esse envoltório corporal: era a prova da mãe.
28. No caso em que a vida da mãe estaria em perigo pelo nascimento da criança, há crime em sacrificar a criança para salvar a mãe? – Resp. Não; é preciso sacrificar o ser que não existe ao ser que existe.
29. A união, da alma e do corpo, se opera instantaneamente ou gradualmente; quer dizer, é preciso um tempo apreciável para que essa união seja completa? – Resp. O Espírito não entra bruscamente no corpo. Para medir esse tempo, imaginai que o primeiro sopro que a criança recebe é a alma que entra no corpo: o tempo que o peito se eleva e abaixa.
30. A união da alma, com tal ou tal corpo, está predestinada, ou não é senão no momento do nascimento que a escolha se faz? – Resp. Deus a marcou; essa questão exige mais longos desenvolvimentos. O Espírito, escolhendo a prova que deve suportar, pede para se encarnar; ora, Deus, que tudo sabe e tudo vê, sabia e via antes que tal alma se uniria a tal corpo. Quando o Espírito nasce nas classes baixas da sociedade, sabe que sua vida não será senão trabalho e sofrimento. A criança que vai nascer tem uma existência que resulta, até certo ponto, da posição de seus pais.
31. Por que país bons e virtuosos dão nascimento a crianças de natureza perversa? Dito de outro modo, por que as boas qualidades dos pais não atraem sempre, por simpatia, um bom Espírito para animar seu filho? – Resp. Um mau Espírito pede bons pais, na esperança de que seus conselhos lhe dirigirão para um caminho melhor.
32. Os pais podem, por seus pensamentos e suas preces, atrair para o corpo da criança um bom Espírito, antes que um Espírito inferior? – Resp. Não; mas podem melhorar o Espírito da criança que fizeram nascer é seu dever, crianças más são uma prova para os pais.
33. Concebe-se o amor maternal para a conservação da vida da criança, mas, uma vez que esse amor está na Natureza, por que há mães que odeiam seus filhos desde o seu nascimento? – Resp. Maus Espíritos que tratam de entravar o Espírito da criança, a fim de que ele sucumba sob a prova que quis.
34. Nós vos agradecemos as explicações que consentistes em nos dar. – Resp. Para vos instruir, farei tudo.
Nota. A teoria, dada por esse Espírito, sobre o instante da união da alma e do corpo, não é inteiramente exata. A união começa desde a concepção; quer dizer, desde esse momento, o Espírito, sem estar encarnado, liga-se ao corpo por um laço fluídico que vai se apertando, mais e mais, até o nascimento; a encarnação não se completa senão quando a criança respira. (Ver O Livro dos Espíritos, n9 344 e seguintes.)