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O encanto do poeta

Autora: Christina Nunes

Noutro dia soube do comentário do Poeta, contando que parou de fazer poesia quando não conseguiu mais se encantar com o mundo. Explicou que, para fazer poesia, deve-se guardar a capacidade de se maravilhar, de se encantar com algo a mais, sempre… Esvaída esta capacidade, lá se vai a fonte de inspiração para a poesia.

De mim para mim mesma, concordei. Em silêncio, meditando sobre o assunto nos dias posteriores, lembrei-me do tempo em que eu também despejava quilos de poesia, no período compreendido entre o meu curso universitário e pouco após a minha formatura. Eram caderninhos, maiores e menores, que guardo ainda hoje no meu baú. Mas, com o passar dos anos, de fato, algo se perdeu.

Ensaiei alguns trabalhos anônimos no território das crônicas, que me renderam várias páginas do autor em um Portal literário da web; e depois minhas iniciativas foram canalizadas, em comum acordo com a Espiritualidade assistente, para a literatura espírita propriamente dita, dividida entre a publicação de artigos e crônicas temáticas, e os romances mediúnicos.

Mas constatei em mim mesma a realidade da alusão do Poeta, ao longo dessas atividades. Esvaíram-se meus poemas, como rarearam todos os meus demais escritos.

Existe um mérito no amadurecimento do trabalho literário a longo prazo, que aplica um filtro de qualidade natural – afinal, se encantar com qualquer coisa pode parecer tedioso a alguns. Todavia, reside paradoxalmente, justo neste encanto das pequenas coisas, toda a razão pela qual lutamos por uma humanidade melhor.

Escrever poemas, livros ou crônicas não se dissocia da vida cotidiana. O encantar-se com uma flor, com uma palavra, de um ângulo, com um cenário triste ou paradisíaco traduz do melhor de nossa condição humana e de Espíritos em evolução, cumprindo curto estágio de aprendizado neste mundo. Todavia, vivemos em tempos em que a emotividade inerente a este encantamento, a esta capacidade de se comover, é lida por muitos, senão pela maioria, como fragilidade condenável, e como atributo menor, próprio dos fracos. Como se verter lágrimas traduzisse defeito congênito de personalidade ou de caráter. Como se sorrir com sinceridade ou alegria não pudesse guardar outra conotação diferente dos característicos inerentes somente aos simplórios; ato destituído de praticidade, num mundo sedimentado sobre uma infinidade de futilidades, de interesses pragmáticos e esquemas de poder, calcados, em sua maioria, nos anseios dos lucros materialistas.

Nunca observaram? Experimentem se solidarizar com sofredores de quaisquer matizes; surgirá logo um prático, alegando que maiores sofredores que aqueles há, mais próximos de nós mesmos, ou mais sofredores ainda, ou ainda, por último, merecedores do que estão sofrendo, “tendo feito alguma para merecer”. Então, engolimos nossas lágrimas de comoção. Qualquer iniciativa vacilante em favor do próximo, neste momento, e alimentada justo daquele impulso inicial de compaixão que se nutre da emotividade sadia, é decididamente abafada e tolhida. Se não formos dotados de personalidades muito sólidas, sairemos da situação com a impressão estranha de que até mesmo seria um erro grave, o se demover para auxiliar ou se solidarizar, de um modo qualquer, com aqueles que, no começo, tocaram de maneira construtiva a nossa sensibilidade.

Noutros episódios, tente rir demais – o ditado antigo ainda surge, aqui e ali, partido de outro gênero de seres sérios que condenam a descontração muito saudável da alegria: “muito riso, pouco siso (juízo)”. E lá vamos nós então engolindo o nosso riso à conta de um novo pecado.

Nada de emotividade! Devemos ser frios, sérios, maduros, calculistas e objetivos, e aparentemente, nenhuma dessas qualificações combinam com a espontaneidade dos sentimentos.

Como já relatei há algum tempo noutro artigo publicado, uma vez terminei por me aborrecer e ter que responder a um comentário ouvido neste sentido, de pessoa próxima, sem poder acreditar na própria capacidade auditiva: “você ainda vai se dar mal com esta mania de se importar com os outros!” Noutra vez, há muito tempo, quando ainda era mais jovem e, portanto, me encantava e ria bastante, sem imaginar sequer em pedir permissão para isso, também escutei outra pérola, em tom depreciativo, de pessoa do ambiente do trabalho de então – justo quando ria com vontade de uma piada divertida junto a uma amiga do meio profissional: “essa aí fica rindo igual a uma hiena!” E, ainda outra vez, numa visita de cotidiano às compras de supermercado, quando, em condições felizes de espírito, cantarolava baixinho uma música, ouvi, em tom irritadiço, de alguém que me acompanhava em péssimo estado de humor – só compreendi naquele momento: “para de cantar!”

Vivemos em tempos em que, de maneira desvirtuada e contra todo o bom senso, a emotividade é tida em conta de fraqueza inútil. O se encantar com as flores ou com o piar dos pássaros nas árvores; o se enlevar abertamente com um espetáculo clássico, ou chorar de modo incontido escutando alguma música que nos sensibilize o espírito. Demonstrar amizade ou amor intensos e sinceros…

Certa vez, também ouvi, há muito tempo, o que, na ocasião, me chocou indisfarçavelmente: “você demonstra demais os seus sentimentos! Esconda um pouco!”

A emotividade, em nossa sociedade automatizada, smart, virtual, dinâmica, tornou-se defeito de caráter – quem diria! Tudo o que mais dignificava os seres até há poucas décadas, hoje significa distintivo de personalidade pouco louvável.

Afinal, as sociedades e as empresas bem-sucedidas precisam de indivíduos produtivos – e convencionou-se que produtividade e progresso, em definitivo, não se compatibilizam com a milenar capacidade de se emocionar. De abraçar, de rir junto, ou de se colocar no lugar do outro, para felicitar, ou chorar com ele, ou como ele; de respirar com as árvores e com a natureza, ao menos durante alguns poucos momentos, no decorrer dos anos – para sentir-lhes as necessidades sem atentar contra a sua integridade! De se necessitar desta simbiose solar, com os céus azuis e com o ar puro, que nos permitem não sufocar por completo debaixo das luzes artificiais sob as quais gastamos a maior parte do nosso tempo sobre a face da Terra…

É, pois, sob esta atmosfera espiritual sufocante que o Poeta perde, aos poucos, a sua capacidade de se encantar. Porque o encanto vem deste fluxo vital fresco, natural e divino, sempre inédito – e não de uma formatação árida da vida, confinada entre quatro paredes herméticas de regras que pretendem, em vão, deixar tudo sob um fictício controle. Mas que, a bem da verdade, não traz, nem nunca trará, felicidade autêntica a ninguém. 

O consolador – Ano 10 – N 505

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