Autor: Irmão X (espírito)
Descansava Jesus em casa de Igorin, o curtidor, no vilarejo de Dalmanuta, quando Joab, escriba em Cesareia, partiu à procura dele, em companhia de Zebedeu, pai de Tiago e João, que lhe devotava imensa estima.
Enquanto caminhava, depois de largada a barca, o amigo da cidade, que jamais contemplara o Doce Nazareno, falava compungido de mágoas que sofrera.
Sentia-se doente, em suprema revolta.
Desejava escutar o verbo do Senhor para certificar-se quanto à própria conduta.
Dizia-se crivado de injustiça e calúnia.
Permutavam, assim, impressões espontâneas e afetuosas quando o lar de Igorin lhes surgiu pela frente, ao longe.
Ao redor do tugúrio, congregavam-se enfermos, avultando, entre eles, um homem maduro e esbelto a gritar, estentórico, e que, guardado à pressa, excluiu-se do quadro, desafiando, assim, a curiosidade de ambos os viajores.
No átrio da casa pobre, indaga Zebedeu de uma velha aleijada quem era aquele mísero, e informa-lhe a anciã que se tratava de um louco infeliz à procura do Mestre.
Nisso, Tiago e Pedro aparecem de chofre e dizem que Jesus pretendia ausentar-se para a prece nos montes.
Joab, ouvindo isto, penetra sozinho pela casa, e encontra em quarto humilde o Cristo generoso, meditando em silêncio.
– Mestre! –clama, chorando, depois de confortado às saudações primeiras – tenho o peito dorido e o pensamento em fogo, humilhado que estou por injúrias atrozes. Feriram-me, Senhor, enodoando-me o nome e furtando-me o pão… Que fazer ante o mal que me ataca, insolente? de que modo portar-me, perante os inimigos que me cobrem de lodo?
– Perdoa, filho meu! –disse o Amigo Celeste.
– Senhor, como esquecer malfeitores e ingratos?
– Anotando-lhes sempre a condição de enfermos.
– Enfermos? como assim, se perseguem matando?
– Não procederiam desse modo se não fossem dementes.
– Mestre – insistiu Joab -, convém esclarecer que os meus adversários são ladrões perigosos…
– São, pois, mais infelizes…
– Infelizes porquê? se tem casas faustosas e terras florescentes?
– Todavia, amanhã descerão ao sepulcro, abandonando o furto a mãos que desconhecem…
– Entretanto, Senhor, sem qualquer razão justa, eles querem prender-me.
– Não importa, meu filho, pois todo delinquente está preso em si mesmo às algemas da treva.
– Mestre! Mestre! Ainda assim, espreitam-me igualmente em tocaia sinistra, prelibando-me a morte, todos eles armados de punhais assassinos!…
– Perdoa e ora por eles – disse o Cristo, sereno -, porque é da Eterna Lei que a justiça se faça… Todo aquele que fere será também ferido…
O escriba, em desespero, ajuntou lacrimoso:
– Senhor, estou sozinho, despojado de tudo…
Iludiram-me a esposa e roubaram-me os filhos…
Acusado sem culpa, o cárcere me espera; venerei sempre as leis, guardando-lhes os princípios e toda a minha dor nasce da sombra hostil da infâmia que me cerca! Que fazer, benfeitor, ante as garras da lama?
– Filho, perdoa sempre, olvida todo mal e faze todo o bem, porque somente o bem é luz que não se apaga…
Incapaz de conter o assombro que o traía, Joab esgueirou-se de soslaio, perguntando lá fora aos amigos surpresos:
– Dizei-me, por favor, onde acharei o Mestre Jesus? quero Jesus para ouvir-lhe a palavra!…
O escriba renitente conservava a impressão de ter ouvido o louco que avistara ao chegar àquela casa, e não o próprio Cristo…
Nota
O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.
Obra completa: https://www.febeditora.com.br/contos-desta-e-doutra-vida