Revista Espírita, agosto de 1858
Traduzido do alemão, do doutor Kerner, pelo senhor Alfred Pireaux.
A história do Espírito batedor de Dibbelsdorf encerra, ao lado de sua parte cômica, uma parte instrutiva, como ressalta dos extratos de velhos documentos publicados em 1811 pelo pregador Capelle.
No último mês do ano de 1761, em dois de dezembro, às seis horas da tarde, uma espécie de martelamento pareceu vir de baixo e se fez ouvir em um quarto habitado por Antoine Kettelhut. Este o atribuía ao seu criado que queria se alegrar às custas da servente, então no quarto das fiandeiras, que saiu para lançar um balde de água na cabeça do engraçado; mas não encontrou ninguém fora. Uma hora depois, o mesmo ruído recomeça, e pensa-se que um rato pode bem ter sido sua causa. No dia seguinte, pois, sondam-se as paredes, o teto, o assoalho, e não há o menor traço de ratos.
À tarde o mesmo ruído; julga-se, então, que a casa está perigosa para se morar, e os criados não querem mais permanecer no quarto em vigília. Logo depois o ruído cessou, mas para se reproduzir a cem passos dali, na casa de Louis Kettelhut, irmão de Antoine, e com uma força inusitada. Era num canto do quarto que a coisa batedora se manifestava.
Afinal, isso se tomou suspeito aos camponeses, e o burgomestre dele deu parte à justiça que, primeiro, não quis se ocupar de um assunto que considerava ridículo; mas, dadas as prementes instâncias dos habitantes, ela se transporta, em 6 de janeiro de 1762, para Dibbelsdorf, para examinar o fato com atenção. Demolidos as paredes e os tetos, isso não conduziu a nenhum resultado, e a família Kettelhut jurou que era inteiramente estranha à coisa.
Até então, não se havia conversado com o batedor. Um indivíduo de Naggan, se armando de coragem, pergunta: Espírito batedor, estás ainda aí? E um golpe se fez ouvir. – Podes me dizer como eu me chamo? Entre vários nomes que se lhe designam, o Espírito bate àquele do interrogador. – Quantos botões tenho em minha roupa? 36 golpes foram batidos.
Contam-se os botões, e são justamente 36.
A partir desse momento, a história do Espírito batedor se espalhou pela redondeza; e todas as tardes, centenas de Brunswickois se dirigiam a Dibbelsdorf, assim como os Ingleses e uma multidão de curiosos estrangeiros; a multidão tornou-se tal que a milícia local não podia contê-la; os camponeses tiveram que reforçar a guarda da noite e se lhes obrigou não deixar entrar os visitantes senão uns depois dos outros.
Esse concurso da sociedade pareceu estimular o Espírito a manifestações mais extraordinárias, elevando-se a marcas de comunicações que provavam sua inteligência.
Jamais se embaraçou em suas respostas: desejava-se saber o nome e a cor dos cavalos que estacionavam diante da casa? Ele o indicava com exatidão; abria-se um livro de canto colocando-se ao acaso o dedo sobre uma página, e perguntando o no. do trecho de melodia desconhecida do próprio interrogador, logo uma série de golpes indicava perfeitamente o no. designado. O Espírito não fazia esperar a resposta, porque ela, imediatamente, se seguia à pergunta. Anunciava também quantas pessoas havia no quarto, quantas havia fora do quarto, designava a cor dos cabelos, as roupas, a posição e a profissão dos indivíduos.
Entre os curiosos se encontrava, um dia, um homem de Hettin inteiramente desconhecido em Dibbelsdorf e há pouco residindo em Brunswick. Ele pergunta ao Espírito o local do seu nascimento e, a fim de induzi-lo em erro, cita-lhe um grande número de cidades; quando chegou no nome de Hettin, um golpe se fez ouvir. Um burguês astuto, crendo colocar o Espírito em erro, perguntou-lhe quanto tinha de pennings em seu bolso; e lhe foi respondido 681, número exato. Disse a um pasteleiro quantas bolachas tinha feito pela manhã; a um negociante quantas varas de fitas havia vendido na véspera; a um outro, a soma de dinheiro que tinha recebido, na antevéspera pelo correio. Era de um humor bastante jovial, batia a medida que era desejada, e algumas vezes tão forte que o ruído era ensurdecedor. À tarde, no momento da refeição, após a benedicite, ele bateu o Amém. Esse sinal de devoção não impediu que um sacristão, vestido com uma grande roupa de exorcizador, tentasse desalojar o Espírito de seu canto: a conjuração fracassou.
O Espírito não recusava nada, e se mostrou bastante sincero em suas respostas ao duque reinante Charles e ao seu irmão Ferdinand, assim como às outras pessoas de menor condição. A história toma, então, um aspecto mais sério. O duque encarregou um médico e um doutor em direito para examinarem o fato. Os sábios explicaram as batidas pela presença de uma fonte subterrânea. Fizeram cavar a oito pés de profundidade e, naturalmente, encontraram água, tendo em vista que Dibbelsdorf está situado em um fundo; a água jorrando inundou o quarto, mas o Espírito continuou a bater em seu canto habitual. Os homens de ciência creram, então, ser vítimas de uma mistificação e deram ao criado a honra de torná-lo pelo Espírito, tão bem instruído. Sua intenção, disseram, era seduzir a criada. Todos os habitantes da vila foram convidados a permanecer com ele em um dia fixado; o criado foi preso, porque, segundo a opinião dos sábios, ele deveria ser o culpado; mas o Espírito respondeu de novo a todas as perguntas. O criado, reconhecido inocente, foi posto em liberdade. Mas a justiça queria um autor da má ação; acusou o casal Kettelhut pelo barulho do qual se lamentavam, se bem que fossem pessoas muito benevolentes, honestas e irrepreensíveis em todas as coisas, e tenham sido os primeiros a se dirigirem à autoridade, desde a origem das manifestações. Forçou-se, por meio de promessas e ameaças, uma pessoa jovem a testemunhar contra seus patrões. Em consequência, estes foram aprisionados, apesar das retratações ulteriores da jovem, e a declaração formal de que suas primeiras declarações eram falsas e lhe foram arrancadas pelos juízes. O Espírito continuou a bater, o casal Kettelhut nem por isso deixou de estar aprisionado durante três meses, ao cabo dos quais são absolvidos sem indenização, se bem que os membros da comissão tivessem assim resumido seu relatório: ‘Todos os meios possíveis para descobrir a causa do ruído foram infrutíferos; talvez o futuro nos esclareça a esse respeito.” -O futuro ainda nada ensinou.
O Espírito batedor se manifestou desde o começo de dezembro até março, época na qual cessou de se fazer ouvir. Voltou-se à opinião de que a criada, já incriminada, deveria ser a autora de todos esses fatos; mas como pôde evitar as armadilhas que lhe estenderam os dois duques, os médicos, os juízes e tantas outras pessoas que a interrogaram?
Nota. – Querendo se reportar à data em que se passaram as coisas que acabamos de narrar, e compará-las às que ocorrem em nossos dias, encontrar-se-á uma identidade perfeita entre elas, no modo das manifestações e até na natureza das perguntas e das respostas. A América, em nossa época, não descobriu os Espíritos batedores, não mais do que os outros, assim como o demonstramos por inumeráveis fatos autênticos, mais ou menos antigos. Há, todavia, entre os fenômenos atuais e aqueles de antigamente, uma diferença capital: é que esses últimos foram quase todos espontâneos, ao passo que os nossos se produzem quase à vontade de certos médiuns especiais. Esta circunstância permitiu melhor estudá-los e aprofundar-lhes a causa. A essa conclusão dos juízes: “O futuro talvez nos esclareça a esse respeito,” o autor não responderia hoje: o futuro ainda nada ensinou.
Se esse autor vivesse, saberia que o futuro, ao contrário, tudo ensinou e a justiça de nossos dias, mais esclarecida do que há um século, não cometeria, a propósito das manifestações espíritas, os equívocos que lembram os da Idade Média. Nossos próprios sábios penetraram muito antes nos mistérios da Natureza para não saberem comunicar causas desconhecidas; são muitos sagazes para se exporem, como fizeram seus predecessores, a receberem os desmentidos da posteridade em detrimento de sua reputação. Se uma coisa desponta no horizonte, não se apressam em dizer isso não é nada, com medo de que esse na da não seja um navio; se não o veem, calam-se e esperam: aí está a verdadeira sabedoria.