Autora: Cristina Sarraf
A ideia de que o Espiritismo liberta, circula livre nos meios espíritas, e com razão!
Observando atentamente, o conteúdo doutrinário e a sabedoria dos Princípios que o caracterizam, fica fácil entender esse destino libertador.
Mas ao observar os espíritas, constata-se algo diferente, numa estranha dicotomia.
Há, no geral, rigidez, dogmatismo, exacerbação da culpa, das cobranças e da noção de sermos cheios de defeitos, precisando nos sacrificar para corrigi-los ou iremos para a lama do umbral. Essa e mais outras ideias limitantes e escravizadoras, mostram posturas íntimas, crenças e modos de pensar bastante distintos do que se possa entender por libertação.
Admite-se, pela lógica dos fatos, que nos meios espíritas haja uma espécie de sincretismo mental entre os séculos de catolicismo e o conhecimento atual do Espiritismo. Até porque ao reencarnarmos trazemos as fixações mentais e os condicionamentos do passado, que explicam, parcialmente, as amarras internas mantidas, apesar do entendimento doutrinário.
Disso resulta mais uma postura estranha à ideia libertadora: a tendência de Centros Espíritas terem uma estrutura de regras rígidas, cuja obediência acaba sendo seu primeiro objetivo, sedimentado e reforçado por uma ritualística disfarçada, por constantes cobranças de perfeição comportamental e pelo cultivo de um religiosismo temeroso e crédulo. O que é altamente incoerente com o trabalho de lucidez e análise trazido pelos Espíritos da Codificação, somado à postura científica e observadora de Kardec.
Se as fixações comportamentais do passado explicam parte dessa realidade, outra parte tem no medo o seu fator determinante.
Confundido com precaução, atenção, exame das possibilidades e cautela, que são posturas necessárias e de bom senso, o medo resulta da crença no mal, pois sempre aponta para os insucessos, as dores, os problemas, o azar, as desgraças, as perseguições, as doenças, os obsessores, as trevas e tudo o mais que de ruim possa acontecer ou supor-se que vá acontecer.
Esse foco mental no mal, determina que nosso perispírito e corpo estejam caracterizados no mesmo teor e padrão, porque o pensamento qualifica os fluidos.
Resulta, então, mais um processo, esse psicológico, da criação de impedimentos para não passarmos pelo que tememos. O que se dá, e muito eficazmente, com a produção auto estabelecida, de amarras mentais, crendices e condicionamentos limitantes, que impedem e anulam a possibilidade do conhecimento espírita produzir libertação, mesmo que essa seja sua destinação maior.
Quando tememos algo, real ou imaginário, nosso sistema psicofísico “entende” que precisamos de proteção e reage no sentido de impedir que a “ameaça” nos atinja. Estarmos protegidos é prioritário a tudo, porque faz parte da defesa instintiva da vida física.
Se mantivermos a mente bloqueada, mesmo sem querer, ou induzidos por pessoas ou instituições, acabamos revestindo os ensinos espíritas com o que já sabemos, por um processo de interpretação, o que nos impede de apreender seu diferencial libertador. Ou seja, estudamos o Espiritismo e continuamos com as mesmas formas de pensar que tínhamos antes. Nesse caso, as diferenças conceituais que ele trouxe, não conseguem elucidar nosso entendimento sobre detalhes do funcionamento da Vida.
Mas, o Espiritismo é libertador do quê? Exatamente dessas ideias, conceitos, crenças e temores que fomos adquirindo, nessa e em outras vidas, e que sem análise e reciclagem, nos mantem como estamos, embora intelectualmente aprendendo o que nos ensina.
Isso se dá pelo fato de que repetindo e reforçando, pelo comportamento, as ideias que aceitamos, elas se fixam na mente. Depois, funcionam por automatismo, sem percebermos isso, e ficam parecendo ser as nossas reações e interações naturais diante dos acontecimentos e pessoas.
Sendo o conhecimento espírita muito recente em relação ao tempo que cultivamos outros conceitos, por sermos milenares, só a maturação conquistada ou a vontade ativada por reflexões como essas, nos mostram onde estamos condicionados e mecanizados em ideias e costumes, não mais condizentes com a vida que queremos levar.
Portanto, examinar o assunto, fazendo algumas experiências de confirmação, poderá nos dar a certeza desse mecanismo e então, saberemos escolher o que nos convem: ficar com as crenças e hábitos dogmáticos ou libertar-nos deles.