Autora: Teresinha Olivier
Pedro estava tendo outro dia daqueles.
Na firma onde trabalhava há alguns anos, a discussão ia esquentando cada vez mais.
Mais uma vez, Pedro se tornava colérico com o colega que teimava em não concordar com seu ponto de vista.
Os demais, conhecedores da intemperança de Pedro, que se descontrolava facilmente quando suas colocações sobre algum assunto eram questionadas, observavam em silêncio. Sabiam que o desfecho não seria agradável.
Era sempre assim. Pedro, dentro de suas atribuições dentro da empresa, era responsável, mas, seu temperamento agressivo era conhecido de todos. A maioria dos colegas evitava ter com ele conversas com temas polêmicos, pois ele não aceitava críticas ao seu modo de pensar. Encolerizava-se com facilidade. Gritava, gesticulava, seu rosto ficava vermelho e parecia que ia fuzilar o opositor com o olhar injetado.
Mais de uma vez, os mais prudentes tiveram que segurá-lo para que não avançasse no pescoço do outro. A maioria, porém, gostava de “ver o circo pegar fogo” e torciam por uma “boa briga”.
Isso estava pondo em perigo sua estabilidade no emprego.
Seu chefe o advertira várias vezes. Se não aprendesse a controlar o mau gênio, acabaria despedido. Já provocara muitas confusões e, se chegasse aos ouvidos do supervisor, ele não poderia fazer mais nada.
– Rafael, o Pedro está brigando de novo! Está quase batendo no Marcos!
Rafael, que se preparava para ir para casa, largou sua maleta e correu para o pátio. Atravessou o aglomerado de funcionários que rodeava os opositores, alcançou Pedro e procurou acalmá-lo, segurando-o pelo braço:
– Vamos, Pedro, acalme-se. O chefe vem vindo aí. Deixe isso pra lá.
Rafael era o único colega que Pedro ouvia. Era mais que um colega, considerava-o um amigo verdadeiro.
Porém, Pedro estava por demais alterado para parar. O outro que, ouvindo Rafael dizer que o chefe estava chegando, resolveu desistir da discussão. Virou as costas e foi embora.
– Vamos, Pedro, vamos para casa. – Disse Rafael procurando tranquilizar o amigo que tremia de raiva.
Os dois saíram da firma e Pedro, ainda sob o efeito do calor da discussão, dizia inconformado:
– Aquele Marcos é um idiota! É um ignorante! Não entende de nada e se acha no direito de discutir comigo. Amanhã vou pegá-lo de jeito. Ele vai ver…
– Pedro, você não acha que o Marcos, como qualquer pessoa, tem o direito de ter suas próprias opiniões?
– Você não entende, Rafael. Você não estava lá para ver o “cabeça dura” teimando comigo.
Rafael, conhecendo o amigo, sabia que não era hora de tentar convencê-lo de alguma coisa.
– Tudo bem, meu amigo. Amanhã conversaremos melhor. Nada como uma boa noite de sono.
– Nem sei se vou conseguir dormir. Estou com uma dor de cabeça terrível por causa daquele sujeito.
Pedro parou na calçada, apoiando-se no braço do amigo. Estava pálido. Rafael preocupou-se.
– O que você tem, Pedro? O que está sentindo?
– Eu não sei. Me deu uma tontura, um mau estar… E minha cabeça parece que vai estourar…
– Esses acessos de raiva não fazem bem para ninguém, Pedro. O nosso físico se ressente de toda essa energia negativa. Olhe, hoje eu vou ao centro, você gostaria de ir comigo? Eu ligo para minha mulher e aviso que irei diretamente para a reunião. Podemos tomar um lanche na padaria e em seguida iremos até lá. Você ouve uma palestra, toma um passe e se sentirá melhor, tenho certeza. O que você acha?
Pedro sabia que Rafael era espírita há muito tempo. Já o convidara algumas vezes para ir ao centro que frequentava, mas ele nunca se interessara. Mas, dessa vez sentiu vontade de ir. Ficou preocupado com aquele mal-estar.
– Tudo bem. Hoje eu vou com você. Mas não vai aparecer nenhum espírito lá, vai?
– Não, Pedro. Os espíritos não “aparecem” assim, não. Tem uma médium que psicografa ótimas mensagens. E as palestras também são bastante esclarecedoras.
Na padaria, conversavam:
– Sabe, Rafael, com todo o respeito que você me merece, eu não concordo com essa história de reencarnação que vocês espíritas apregoam.
– É um direito que você tem de não acreditar, Pedro. Você não é obrigado a aceitar, só que, antes de rejeitar ou aceitar uma ideia, você tem que conhecê-la, estudá-la, analisá-la…
– Sabe por que eu não aceito? É pelo fato de não nos lembrarmos de quem fomos na vida passada.
– É, Pedro, mas se Deus criou as leis dessa forma, é porque é o melhor para nós. Será que, se nos lembrássemos de tudo, não seria pior? Será que a lembrança não nos atrapalharia, em vez de nos ajudar?
– Ah! Eu não acho. Se eu soubesse quem eu fui e tudo o que eu fiz, eu saberia encaminhar melhor minha vida hoje. Mas eu não sei de nada, não me lembro de nada. Como posso me corrigir se não sei onde errei?
– Tudo bem, Pedro. Vamos embora que a reunião começa daqui a pouco. Depois conversaremos melhor sobre isso.
Na reunião, Pedro sentiu-se muito bem. Ouviu atentamente a palestra. As colocações do expositor eram claras, simples, porém, profundas. Gostou muito.
Observou que, numa mesa ao lado, uma senhora de meia idade escrevia, concentrada. Rafael explicou, sussurrando:
– É a D. Rosa. É médium de psicografia. Está psicografando uma mensagem.
Terminada a palestra, o público foi encaminhado para receber o passe. Pedro recebeu as irradiações fluídicas e sentiu-se mais tranquilo.
O dirigente proferiu a prece final e a senhora que escrevia se prontificou a ler a mensagem que psicografara. Todos ficaram atentos.
“Meus caros amigos.
Muitos companheiros perguntam por que não se lembram de suas vidas passadas, chegando por isso a duvidar da lei da reencarnação, essa lei divina que demonstra a grande sabedoria e a grande bondade do Pai pelas suas criaturas.”
Ao ouvir essas primeiras palavras, Pedro arregalou os olhos e voltou-se para Rafael, como que perguntando o que estava acontecendo.
Rafael apenas lhe sorriu tranquilamente e continuou a prestar atenção na leitura da mensagem.
“A esses companheiros, pergunto: Irmãos, será que vocês gostariam mesmo de saber quem vocês foram e o que vocês fizeram? Será que estão preparados para isso?
Quem gostaria de saber, por exemplo, que foi um tirano em existência passada e que detinha um grande poder nas mãos e que, através desse poder, impunha sua vontade através da força, da violência e do crime?
Quem gostaria de saber que no passado usou e abusou da força para derrubar e destruir os que não comungavam com os mesmos interesses que os seus?
Quem gostaria de saber que hoje, numa posição social humilde, esconde-se um espírito que foi um tirano, tendo a oportunidade de aprender a respeitar seu semelhante?
A medida em que a mensagem ia sendo lida, Pedro ia se encolhendo na cadeira. Olhos arregalados, coração disparado.
A médium continuava, serenamente:
“Não se esqueçam, irmãos: se vocês se lembrassem de suas vidas e de seus feitos das existências anteriores, os outros também se lembrariam, porque a lei é para todos. As vítimas e os algozes de ontem estão juntos hoje para a reconciliação, para a reparação, para a harmonização e isso seria impossível com a lembrança do passado. As vítimas sentiriam a revolta aflorar a cada conflito e o algoz, tomado pela vergonha, teria o seu caminhar perturbado pelo remorso e pela humilhação.
Portanto, amigos, confiemos na sabedoria das leis universais do Criador. Lembremo-nos das sábias palavras do codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, quando disse que se quisermos saber o que fomos em vidas passadas, analisemos profundamente o que somos hoje. Analisando o seu modo de pensar, de sentir, de falar e de agir hoje, você vai ter ideia do que foi no passado. Assim, você vai ter a oportunidade de reformular seus pensamentos e sentimentos e aprenderá a relacionar-se com o seu irmão de forma mais caridosa e fraterna.”
A reunião terminou. Os dois amigos saíram e Pedro, muito abalado, perguntou:
– Rafael, como pode ser isso? Aquela mensagem foi escrita para mim! Como aquela senhora poderia saber da nossa conversa? Você nem conversou com ela, ficou comigo o tempo todo! Por favor, me explique o que aconteceu!
– O que aconteceu é que você recebeu uma grande ajuda hoje. Com certeza, Espíritos amigos seus, que se preocupam com você, usaram da mediunidade da D. Rosa para transmitiressa mensagem.
– Mas, eu nunca me liguei nessas coisas, Rafael, eu nunca acreditei em nada disso! Como isso pode ter acontecido comigo?
– Você tem uma explicação melhor para o que aconteceu hoje? Pense nisso como uma oportunidade muito valiosa, Pedro. Pense bem a respeito e conversaremos o quanto você quiser.
Despediram-se. Pedro foi para sua casa. Quase não conversou com a esposa. Disse que estava cansado e foi deitar-se. Precisava pensar.
Ficou muito tempo acordado, pensando naquela mensagem. Será que ele tinha sido aquele tirano cruel e que tinha feito todas aquelas barbaridades?
Sentiu-se aflito, desconfortável, incomodado com essa possibilidade.
– Não! Não pode ter sido sobre mim aquela mensagem. Mas, e se foi? Afinal, seria muita coincidência aquela senhora escrever justamente sobre o assunto que eu… Não, não pode ser! – cobrindo a cabeça – Quer saber de uma coisa? Eu não quero saber se era sobre mim ou não. Eu vou é dormir e amanhã converso com o Rafael.