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O ferreiro intransigente

Autor: Irmão X (espírito)

Comentávamos o problema da compaixão, quando se abeirou de nós antigo orientador e narrou, bem-humorado:

– Conheci um caso interessante na Idade Média.

Em que pequenina aldeia do Velho Mundo que os séculos já transformaram, jovem ferreiro apaixonou-se pelo rigor da justiça. Integrando certa facção política, considerava todas as pessoas que lhe não esposassem os pontos de vista por inimigos a combater.

Atrabiliário e sectarista, imaginava os mais difíceis processos de perseguição aos adversários. A tolerância representava para ele grave delito. Se alguém não rezasse por sua cartilha, ficava assinalado a ponto escuro. Disposto a contendas, embora a posição humilde que desfrutava, sabia complicar a situação dos desafetos, urdindo intrigas e ciladas contra eles.

Assim é que, certa feita, procurou o juiz que regia a comuna com benevolência e equidade e propôs-lhe a reconstrução do cárcere. A enxovia desmoronava-se.

Qualquer malfeitor provocava facilmente a evasão. As grades frágeis cediam ao assalto de qualquer um. Impossível o trabalho da detenção. Era necessário sustar o insulto à polícia.

Oferecia-se, desse modo, para sanar o problema. Daria novo aspecto ao cubículo. Prisão que fosse prisão.

O magistrado, velho experiente e bondoso, observou:

– Meu filho, a justiça deve ser exercida com amor, para que se não converta em crueldade, porque lá vem um dia em que precisamos ser justiçados por nossa vez.

O moço, porém, insistiu. A cadeia menosprezada não merecia respeito.

Tanto reclamou que atingiu o objetivo a que se proponha.

Recebendo a concessão para reformar o cárcere, esmerou-se quanto pôde. Deu nova feição às grades. Criou um sistema de cadeados, pelo qual era impossível a escapatória. E no centro do acanhado recinto levantou pesada coluna de ferro, com algemas laboriosamente trabalhadas, impedindo a movimentação de quem fosse jungido a semelhante pelourinho.

A ideia foi bem-sucedida. O serviço revelou-se tão eficiente que o jovem artífice foi procurado por autoridades de outros recantos e larga prosperidade abriu-lhe as portas. A novidade ofereceu-lhe fama e fortuna.

Durante vinte anos, coadjuvado por operários diversos, o nosso ambicioso amigo fabricou prisões para numerosas cidades do seu tempo. Senhor de vasto patrimônio material, transferiu residência do vilarejo provinciano para grande metrópole e, certa noite supondo defender-se, cometeu leve falta que inimigos gratuitos se incumbiram de solenizar.

O antigo ferreiro foi preso, de imediato. Internado, mentalizou a ajuda de companheiros que o auxiliassem na fuga, mas, assombrado, reconheceu, pela marca dos ferros, que fora trancafiado num cárcere de sua própria fabricação, sofrendo rigorosa pena que, começando por acabrunhá-lo, acabou por infligir lhe a morte.

Terminada a história rápida, fixou-nos de maneira expressiva e rematou:

– Somente a compaixão pode salvar-nos, soerguendo-nos do abismo de nossas próprias faltas. Qualquer punição extremada que receitarmos para os outros será como a prisão do ferreiro intransigente. Os laços que armarmos contra o próximo serão inevitável flagelo para nós mesmos.

Logo após, sem dar-nos tempo para qualquer indagação, sorriu com serenidade e seguiu adiante.

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/contos-desta-e-doutra-vida

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