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O luto e o sentimento de culpa

Autor: Arlei Bellieny

A perda de entes queridos cria sulcos profundos no nosso psiquismo. O vazio deixado pelas perdas é deveras doloroso ao ser abordado no espaço terapêutico. Revirar as emoções que ficaram gravadas e escondidas na memória atual é reviver os fatos como se fossem no presente, aqui e agora. Como esquecer ou sublimar um amor que marcou intensamente nossas vidas, cujas lembranças acendem uma chama que queima nossas entranhas, causando significativos danos emocionais, psíquicos e por conseguinte físicos? Não dá para fazer de conta que isso não existiu.

Nos últimos dois anos, em face da pandemia que assolou toda a população do nosso planeta, onde milhões de vidas foram ceifadas, confrontamo-nos sobremaneira com essa fatalidade, perdendo amigos e familiares próximos e nenhuma família passou em branco. A experiência da morte chegou em todos os recantos, deixando sua marca e sinais de dor e sofrimento nos corações dos que ainda por aqui transitam. Independente do credo religioso, da fé aprendida e praticada, a dor dói, e cada um tem o seu jeito particular para lidar com ela assim como no luto.

A conduta indicada para conviver com a dor é a paciência. É fato que ninguém se encontra preparado para perder a quem ama, a menos que ame sabendo que um dia irá perder. O luto pode trazer no seu bojo um sentimento de culpa por sentirmos alívio, quando a perda está ligada ao sofrimento de alguém que se foi, pessoa ou animal de estimação.

Vejo como legítimo fazer visitas ao local de sepultamento, guardar pertences pessoais etc. que pode expressar gesto de carinho e saudades do objeto da perda; fazer um pouco as tarefas que a pessoa fazia pode matar a saudade e poderá ter efeito positivo.  Porém, querer assumir a vida de quem foi não garante que a falta não será sentida. Que o vazio será preenchido.

Falar sobre a perda sem atribuir valores e julgamentos pode ajudar a quebrar a culpa e o luto. Sobre essas ilações, os teóricos desenvolveram estudos na tentativa de trazer alívio e/ou solucionar a questão das reações humanas diante das perdas.

Freud, no artigo intitulado Luto e Melancolia (1) assim descreve: ”O luto de modo geral é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”… ”também vale notar que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos que seja superado após um lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele”.

No meu entender, nenhuma teoria é capaz de explicar o luto, por ser uma experiência viva, intransferível, única e pessoal. Explicar a dor do luto é como explicar a alegria e o prazer do amor. Posso afirmar que o luto tem caráter personalizado e precisa ser vivido passo a passo e não se trata de uma doença e não tem prazo para terminar. Cada um tem o seu tempo e poderão ocorrer ciclos de intensidade de maior e menor teor, enquanto o sofrimento prolongado poderá acarretar somatizações, provocando baixa da imunidade e sujeitando a pessoa a várias patologias. O estado de luto nos obriga a rever valores, buscar outro sentido para a vida com novos ingredientes, como num estágio a vida de relação nos premia com a oportunidade de aprendermos a lidar com as recomposições psicológicas e emocionais, amadurecendo os nossos sentimentos. Nesse capítulo, somos impelidos a buscar respostas a questões atávicas no que diz respeito ao ser espiritual que somos. As perguntas que a ciência acadêmica não pode responder de forma satisfatória encontram-se em abundância nas religiões, nos mais variados formatos e ideologias teológicas. Destaque para a Doutrina Espírita no que concerne à continuidade da vida, enquanto espíritos imortais em trânsito pelos muitos mundos habitados.

No primeiro livro da série psicológica “O Homem Integral” pelo espírito Joanna de Ângelis, a mentora assim se expressa: “Definitivamente, as experiências psíquicas parapsicológicas, e mediúnicas, provocadas ou naturais, têm trazido importante contribuição para equacionar o problema da morte, dando sentido à existência. Conscientizando-se, o homem, da continuidade do ser pensante após as transformações do corpo através da morte da forma, alteram-se-lhe, totalmente, os conceitos sobre a vida e a sua conduta no transcurso da experiência orgânica. De qualquer forma, reservar espaço para o desapego das coisas, das pessoas e das posições, analisando a inevitabilidade da morte, que obriga o indivíduo a tudo deixar, é uma terapia saudável e necessária para um trânsito feliz pelo mundo objetivo”. (2)

Certamente, nenhum de nós deseja acelerar o carimbo do passaporte de volta à espiritualidade. No entanto, por sabermos ser inevitável esse retorno, rogamos ao Pai que seja feito a sua vontade. Mas que possamos ainda ter tempo suficiente para dar curso aos ajustes que se fizerem necessários, para uma vida repleta de atividades no caminho do amor ao próximo e saúde espiritual.

Bibliografia

(1) Freud, Sigmund, Obras Completas, Imago, 1969, volume XIV, páginas 275/6.

(2) Ângelis, Joanna, Franco Divaldo, O Homem Integral, LEAL, 1ª edição 1990, página 140.

O consolador – Artigos

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