Autor: Rogério Miguez
É muito comum que os iniciantes no estudo da Doutrina Espírita, após tomarem conhecimento da lei das reencarnações, questionem qual a razão de esquecermos o que fizemos e o que fomos nas vidas passadas. Têm a impressão de que seria muito melhor se nos lembrássemos de tudo, argumentam, adicionando ainda que, com a ciência do que fizemos poderíamos melhor nos conduzir na vida atual e aproveitar as oportunidades presentes.
Uma primeira abordagem que poderíamos fazer, bastante simplista, esclarecendo estes novos espíritas, é de que, se cremos em Deus, e Ele assim determinou é que há nisso vantagem e sabedoria: É Lei de Deus, ponto final!
Contudo, nada impede que tentemos entender e aprofundar o tema um pouco mais, pois isto nos ajuda a construir a fé que pode encarar a razão a qualquer momento. Entretanto, de modo a não criarmos uma expectativa muito grande neste aprofundamento da questão, podemos adiantar que o homem não pode, nem deve saber de tudo.
A Doutrina nos ensina que, esquecido de seu passado o homem é mais senhor de si, tem condição de melhor conduzir a própria vida.
Esclarece ainda que, se lembrássemos de tudo, pode-se afirmar, não seria mais fácil lidar com as situações do dia a dia, muito pelo contrário, haveria perturbações nas relações sociais e mesmo dentro do ambiente familiar. Basta recordar que, frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, cercado de muitos com quem dividiu experiências no passado.
Imaginemos lembrar que tiramos a vida de um familiar; fomos o responsável pela doença ou problema mental que nosso filho agora apresenta; levamos à morte milhares de pessoas; destruímos, queimamos e conquistamos pela força; semeamos o medo e a desgraça entre os povos. Não há dúvida de que se nos recordássemos destes feitos teríamos sentimentos nada tranquilizadores de vergonha, humilhação, remorso e acentuada culpa.
Além disso, existiriam perseguições intermináveis por parte daqueles que ainda poderiam se sentir prejudicados por atos passados, lutas dificílimas se estabeleceriam, caso pudéssemos nos reconhecer inequivocamente.
Mais ainda, o processo de educação dos pais seria altamente prejudicado. Imagine se um pai ou mãe, tentando dar bons conselhos e orientações a um filho, escutasse: “Meus pais, que história é esta de me dizerem o que fazer, alegando preocupação comigo! Ora, na vida passada vocês me abandonaram, não foi? Será que eu posso confiar em vocês nesta vida? Que garantias tenho de que o interesse de vocês agora é verdadeiro? O que mudou?”.
A recordação das afeições especiais e de momentos positivos no passado poderia também favorecer e estreitar relacionamentos particulares, o que de igual modo não é o desejado na busca da construção da família universal. E se o oposto se desse, ou seja, quando inimigos se reconhecessem dentro de uma mesma família? haveria a ruptura imediata do grupo.
Quantas vezes nos perguntamos em tantas situações: “Se eu tivesse de recomeçar, não faria mais o que fiz, certamente teria feito de modo diverso”. Existe mesmo o famoso ditado que diz: “Se arrependimento matasse!”. Nada a estranhar, uma vez que é a realidade em um mundo de provas e de expiações, habitado ainda por grande maioria de Espíritos muito distantes da perfeição. Apenas os orgulhosos não reconhecem os seus desvios às leis de Deus, não admitem que já se equivocaram em muitas ocasiões. Afinal, só não se equivoca quem é perfeito, estado evolutivo que ainda não alcançamos neste mundo.
Como reagiríamos se lembrássemos dos nossos deslizes de vidas passadas com os executados na vida presente! Isso poderia levar muitos à loucura e desequilíbrios inimagináveis. O Espírito de evolução mediana, como todos nós, não consegue suportar tal pressão sobre si mesmo.
Observando, por outro lado, feitos de destaque no passado, esses poderiam também fazer surgir ou reacender o tão indesejado orgulho, bem como a vaidade, traços de personalidade nada construtivos para quem necessita de um novo começo, de uma nova vida.
Observemos que, de modo geral, na vida presente, colocamos as faltas ou deslizes e os atos que nos comunicam certa vergonha e arrependimento, nos porões da consciência, alojando-os o mais fundo possível. É um mecanismo de defesa do Espírito, e o fazemos com tamanha intensidade que de ordinário o Espírito de fato se “esquece” temporariamente daquele ato infeliz. São necessárias certas técnicas para fazê-lo recordar do acontecido. Assim, tentamos fazer exatamente o que Deus faz naturalmente e sabiamente, pois quem quer lembrar-se dos erros passados e da vida presente?
A razão de afirmarmos que o esquecimento é provisório reside no fato de que nos lembraremos das nossas vidas quando estivermos desencarnados. Sabe-se, contudo, que as lembranças não se apresentarão de imediato, com todos os detalhes de inúmeras vidas, mas irão clareando na medida em que estivermos preparados para nos ver face a face com as nossas antigas personalidades.
Lembremos mais uma vez que colocamos no porão da consciência, quando encarnados, os atos e situações que nos desgostam. Na vida espiritual há processo semelhante, embora seja o perispírito como que um imenso baú de memórias, conservando o registro de todos os nossos atos. Pela bondade de Deus, quando desencarnados, não acessaremos de imediato, na lucidez da consciência, tudo o que fizemos, visto que se tal acontecesse, nos desequilibraríamos intensamente, não nos aceitando como atores e partícipes de lances infelizes que certamente protagonizamos em diversas vidas regressas.
É fato que existe a possibilidade de acessar algo do nosso passado quando estamos dormindo, pois, parcialmente liberto do corpo, o Espírito adquire certa lucidez que permite ter relances ou vislumbres de certos momentos do passado. Essas lembranças podem funcionar como avisos ao encarnado sobre certas condutas e posições que na vida presente experimenta e que não interessam no momento. Representam mais uma demonstração da bondade de Deus alertando-nos para seguir as leis morais.
É de se observar que a sociedade comumente age, em relação aos seus ex-condenados, de modo contrário à lei de Deus. É raro esquecer-se do que fez o ex-detento e, por conta disto, não se lhe dá novas oportunidades. Deus não age assim e, como o seu amor é incondicional e imensurável, como nos deseja o melhor e que conquistemos a nossa perfeição, dá-nos esta benção provisória de esquecermos o passado, possibilitando ainda a vivência de novas oportunidades, tantas quantas forem necessárias, para que de fato aprendamos o que é preciso aprender.
Se nem sempre podemos nos honrar do nosso passado, melhor é esquecê-lo temporariamente.
Todavia, chegará o tempo, e isto é certo, quando, pela força das nossas aquisições morais, da melhora ética em nossa conduta, passaremos a ter boas, excelentes lembranças do que fizemos, e nesta hora, então, será tudo alegria, felicidade. Teremos imenso prazer em recordar o que construímos de bom para nós mesmos e para o próximo. Poderemos manter as portas dos porões da consciência destrancadas, sem ferrolhos, uma vez que nada mais nos envergonhará, nada mais temeremos e nada nos incomodará. A certeza de um passado totalmente superado pelas boas obras será a nossa garantia de paz e tranquilidade interior.
Nada obstante, na nossa situação atual, mais vale esquecer do que lembrar!