Autor: Gebaldo José de Sousa
No livro Os mais belos contos de Natal1, há um deles, belíssimo, escrito por Joannes Joergensen, com o título de “O Quarto Rei Mago”, no qual atribui a uma lenda o fato de que Jesus não sorriu, aoreceber as ofertas dos reis Magos (Gaspar, Melchior e Baltazar), que se constituíam de ouro, incenso e mirra.
O autor, porém, refere-se à existência de um quarto rei, originário da Pérsia, que chegou atrasado… e de mãos vazias. Ao narrar por que chegara de mãos vazias, fez o pequeno Jesus se voltar para ele, estender-lhe suas mãozinhas e sorrir-lhe.
Em seu relato afirma que, ao partir de seu amado país, trazia-lhe precioso tesouro: três pérolas brancas, semelhantes a um ovo de pomba, retiradas do mar da Pérsia.
“Eu não as tenho mais. Venho separado dos três outros reis. Eles viajaram na minha frente em seus dromedários; eu fiquei para trás, numa hospedaria na beira da estrada. Eu errei. O vinho me tentou, um rouxinol cantava e me lembrava de Shiraz. Eu resolvi ali passar a noite.”
Na sala dos viajantes, viu um velho que tremia de febre, estendido num banco, próximo à lareira. Era magro e pobre, e muito parecido com seu próprio pai… Certamente seria enxotado no dia seguinte, se não morresse até lá. Comovido, ofertou a primeira delas ao hospedeiro da estalagem, para que cuidasse dele e, se fosse o caso, desse-lhe sepultura digna.
No dia seguinte, em viagem, ouviu gritos vindos de um bosque. Verificou que se tratava de soldados que iam violentar jovem mulher.
Com a segunda pérola comprou sua liberdade. Ela beijou as mãos do rei e fugiu célere para as montanhas.
Restava-lhe uma pérola e, ao menos esta – pensava consigo – seria entregue ao pequeno Rei, nascido no Ocidente.
Seguindo em frente, aproximou-se de uma cidade em chamas. Eram os soldados de Herodes, a lhe executarem as ordens de matar as crianças de dois anos para baixo.
Um deles mantinha, dependurado por uma perna, pequeno menino que se debatia e gritava. Ameaçava jogá-lo ao fogo. Sua mãe gritava desesperadamente.
Com a terceira pérolaresgatou a criança e a devolveu à mãe, que a enlaçou em seus braços, fugindo, sem ao menos agradecer-lhe, tamanha era sua angústia.
Por isso, chegara de mãos vazias… e lhe pedia perdão.
*
Aquele rei trazia, sim, as mãos vazias, mas o coração, esse, estava pleno de amor.
Suas ações, motivadas pela compaixão, nas três circunstâncias, foram o melhor presente que, afinal, ofereceu ao meigo Jesus, ainda infante. Na sua conduta, demonstrou que não apenas seguia a estrela de Belém, mas os ensinos do próprio Mestre. Nele, a vivência era visível e se tornara uma segunda natureza. Já possuía o salutar hábito da bondade, em todas as ações.
“A manjedoura assinalava… que a humildade representa a chave de todas as virtudes.”
“(…) o século que passa deve assinalar uma transformação visceral nos departamentos da vida. A dor completará as obras generosas da verdade cristã, porque os homens repeliram o amor em suas cogitações de progresso.” 2 (Grifamos.)
É ainda Emmanuel3 quem nos diz “(…) que o Mestre veio até nós para que nos amemos uns aos outros”.
O Espiritismo – Consolador prometido por Jesus – tem como objetivo primordial restabelecer, na Terra, o Cristianismo primitivo – sem os atavios e distorções que lhe acrescentaram – que não assimilamos e que não compreendemos.
Em Jesus temos “o conquistador diferente”, no dizer do Irmão X3: “Jamais humilhou e feriu. (…) recebeu sem revolta, ironias e bofetadas, (…)”. Assim ainda O temos tratado.
Pois nós, o que temos ofertado ao Divino Amigo? Que temos feito de nossas vidas?
Será que o fazemos sorrir? Ou, chorar?
Nossas mãos estão vazias porque nos despojamos do egoísmo e somos mais fraternos, mais dados à compaixão, mais caridosos material e moralmente, ou porque nada nos comove?
Temos hoje nova visão do Natal, ou permanecemos nas velhas ilusões do desperdício, da matança dos animais, das bebedeiras, da alegria exterior? Compartilhamos com o próximo, de qualquer condição social, o júbilo íntimo, os bens e os talentos?
No nosso Natal, o Cristianismo está presente, ou nos iludimos, tal como as crianças, com o Papai Noel?
*
Jesus veio ao Mundo, no dizer de Isaías 61-1, “(…) para anunciar a Boa Nova aos pobres. (…) para proclamar a libertação dos cativos e a restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos (…)”. 4
Somos cativos, sim, da ignorância e de seus efeitos. Dos vícios e do comodismo.
Por ignorarmos a Lei que Jesus resumiu no Amor a Deus e ao Próximo, é que nos mantemos escravos dos compromissos cármicos. Sofremos as reações más de ações também más. Para sairmos desse círculo vicioso de reencarnações dolorosas, indispensável aviar a receita que o Mestre nos trouxe no Evangelho do Reino.
Nossa evangelização é um processo. Não se acaba. Não se esgota na prática de uma ou outra ação generosa. Não deve restringir-se à caridade material de fins de semana; ou à frequência desatenta aos cultos periódicos de quaisquer seitas.
Para se tornar efetiva e transformadora, conscientizemo-nos de que é de todos os momentos e lugares, não se limitando a ocasiões determinadas.
É claro que o Natal é motivo para nos rejubilarmos. Jesus veio para nos libertar. Mas essa libertação depende de nossa adesão aos ensinos contidos na Boa Nova. O mensageiro celeste, ao se dirigir aos pastores, na noite de Seu nascimento, deixou bem claro:
“Não temais; eis que aqui vos trago boa nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. (Lc, 2:l0-11)
Natal e fim de ano são propícios à reflexão, ao balanço do uso do tempo que passou, à idealização de projetos novos para o ano que recomeça.
O que temos feito de nossos talentos e de nossas vidas?
Como será, quem sabe, a nossa prestação de contas?
“(…) o dia do Senhor vem como ladrão de noite.” (1 Ts 5-2.) 4
Temos buscado nos tornar dignos de tantas bênçãos?
Se nossas ações levarem alegria ao Divino Amigo, também nós seremos felizes.
Como vimos, o exercício da caridade é o que alegra Jesus, porque percebe que não foram vãos seus sacrifícios e renúncias em favor de nossa evolução!
Que tal, pois, incluirmos nos projetos para o Natal e Ano Novo – para todos os Natais e Anos Novos que virão – espaços para vivenciar as lições que Ele nos trouxe há dois mil anos?
Projetar e realizar, pois que “(…) a fé sem as obras é inoperante” (Tg 2-20).
Referências
1. Os Mais Belos Contos de Natal, Vozes, p. 47, 1993.
2. A Caminho da Luz, Emmanuel/Francisco C. Xavier, ed. de 1975, FEB.
3. Antologia Mediúnica do Natal, autores diversos, Cap. 17, FEB, 2. ed., 1982.
3. Idem, Cap. 3, idem, idem; e
4. Bíblia Sagrada, Trad. João Ferreira de Almeida, Soc. Bíblica do Brasil, 1969.
O consolador – Ano 9 – N 446