Autora: Cristina Sarraf
A pergunta, feita por um amigo, despertou reflexões em duas vertentes. Esta é uma delas.
Entendo o que chama de pensamentos involuntários, como sendo modos de pensar, hábitos mentais, adquiridos no decorrer da vida, até por desatenção com o que sintonizamos mentalmente.
Por causa de alguns deles, os não edificantes, seria bom examinar a questão, não no sentido de vencê-los, porque essa postura é de guerra, e em toda guerra contra nós mesmos, acabamos feridos e piorando a situação. Mas, examinar o assunto, para buscar sua origem, razão de ser, e observar seu papel em nossa vida. Só assim poderemos substituí-los de forma natural, gradativa e verdadeira.
Raciocinando com os Princípios do Espiritismo, entendemos que se temos cérebro no corpo, temos no Espírito sua causa, ou seja, uma capacitação que denominamos mente. Essa estrutura, entre outras funções, tem a da memória, condição indispensável para nosso processo evolutivo.
Tudo que vai sendo muito repetido, sejam conceitos, ideias, maneiras de reagir, formas de ser, conhecimentos, emoções… vai se fixando na memória, até ficar mecanizado, condicionado. É o que se chama de hábito mental. Pode ser comparado a uma espécie de chip, cujo funcionamento, quando acionado, vem antes e superveniente à razão, ou seja, antes que examinemos a situação e façamos a escolha de como encará-la. Semelhante a um interruptor de energia elétrica, que acionado, acende ou apaga a luz, sem que tenhamos que interferir em nada.
Dizemos assim: quando vi já tinha feito… falei sem querer… Expressões que mostram reações não examinadas, não avaliadas e posicionamentos íntimos, sem escolha consciente. No entanto, são repetições costumeiras…
Alguém fez ou disse algo, a nosso favor ou contra, e imediatamente, sem observação das circunstâncias, sem sentir o que estamos sentindo, o orgulho subiu e reagimos de tal ou qual maneira. Cometemos um equívoco, e de pronto arrumamos uma desculpa, mentimos e terceirizamos a situação, sem nenhuma reflexão ou análise. Por quê? Porque há condicionamentos mentais nos guiando, fruto de acolhimento de ideias ou de escolhas feitas algum dia, e repetidas a ponto de terem se fixado na memória, de um modo que funcionam sempre que nos sintamos na mesma situação. Parece involuntário, mas demonstra falta de domínio mental sobre o que nos chega, e também, falta de posse de si mesmo.
Porém… nunca estamos na mesma situação, por mais que pareça estarmos, pois o dia e outro e nós também estamos com disposições diferentes. Então, reagir sempre do mesmo modo é viver sem contemporaneidade. Falando de outra maneira, é viver mentalmente preso, obedecendo a fórmulas prontas para pensar e ser, como um autômato; isto é, não desfrutando do sabor de cada momento e nem descobrindo, em si, novas e interessantes formas de entender, pensar e agir.
Essa capacidade de condicionamento/criar hábitos/ automatizar-se, não é ruim em si mesma, porque, por exemplo, ela é responsável por nossas funções fisiológicas involuntárias, como o batimento cardíaco ou a digestão, bem como, sem ela ninguém poderia dirigir um carro, avião, etc
O que atrapalha e limita, é nos deixarmos ficar “no automático” em tudo; e isso acontece sem percebermos, porque economiza energias mentais para pensar e escolher, e também facilita, ilusoriamente, a vida.
Habituar-se/condicionar-se a escovar os dentes é bom, mas sentir-se humilhado cada vez que alguém chama a sua atenção por algo, justa ou injustamente, é ruim. Habituar-se a alguma ocupação mental sadia, enquanto espera em filas, é bom. Habituar-se a estudar, pelo menos alguns minutos, todo dia, é bom. Reagir de uma certa maneira, a mesma, toda vez que algo parecido com….. acontece, é ruim, porque cada momento é diferente do outro e discernir como encará-lo é o que se chama de bom senso. Comer sempre a mesma coisa é ruim, porque implica em insatisfação, quando isso não é possível. Acostumar-se a ter que ser sempre simpático e cordial é ruim, porque desenvolve a hipocrisia. Fazer sempre o mesmo trajeto, por ser conhecido, sejam caminhos, reações emocionais ou formas de entender, é ruim porque impede que conheçamos outro, que poderá ser melhor ou pelo menos, ampliará nossas experiências.
No entanto: habituar-se a escovar os dentes continua sendo bom se a pessoa entende a função higiênica e preventiva que essa prática possui, mas torna-se ruim, se a pessoa condicionou-se a isso pelo medo do “motorzinho” do dentista. Habituar-se a colaborar com os outros é muito bom, desde que não seja por medo de ser malvisto… O que mostra ser necessário examinar as motivações por trás dos costumes e condicionamentos, se queremos “tomar as rédeas” de nós mesmos.
Por isso, ocupar-se em dar atenção ao que sente e pensa, sem julgamentos, mas observando como é, porque reage assim, anotando as emoções mais constantes, examinando se costuma aceitar tudo que vem à cabeça, é muitíssimo importante para quem pretende administrar a própria vida. É um exercício de autoconhecimento, que por menor que seja, traz benefícios. E poderá ser expandido, se a pessoa investir nele.
Deixar que os hábitos/condicionamentos mentais ideológicos nos comandem, é o que a grande maioria faz. Por isso, a vida vai ficando sem graça e rotineira, embora tenhamos tudo para fazer dela uma alegre aventura, todos os dias, apesar dos desafios, complicações e frustrações naturais.
Um pensamento não edificante, que esteja sempre em nossa mente, não pode ser extirpado. Ele foi cultivado na própria estrutura mental; não é um tumor! Foi ficando, sem percebermos, fruto de nosso modo de ser, e criando consequências naturais.
A única solução é substituí-lo, com inteligência e vontade de ser feliz!
Ao perceber, por autoexame caridoso, que uma das nossas formas costumeiras de pensar ou reagir, está nos prejudicando, trazendo, sempre, perturbação e más consequências, a solução é escolher outro pensamento e investir nele. Esse investimento em nosso bem estar interior, implica em estarmos alertas para usá-lo, quando for o caso. Mas atenção: brigar com o pensamento antigo, condenar-se pelas recaídas ou desanimar, só piora a situação.
Modos de pensar, reações emocionais, condicionamentos… são “alimentados” pelas energias que lhes damos, entregando-lhes nossa fé, ao considerá-los bons, ou então, quando pomos atenção neles. Por isso, a melhor tática, após descobrir um que precisa ser modificado, é fazer de conta que o pensamento não veio, ou seja, não dar-lhe energia, “matá-lo de fome”. E desviar a mente para outra coisa, por mais boba que seja. – Como esse azulejo brilha! – Qual a cor que eu mais gosto? ….
Depois que mudou o foco mental, é hora de pensar no pensamento que escolheu como substituto. Mas ele ainda não está fixado na memória, o que significa que em momentos inesperados, é provável que reajamos da maneira antiga, pois ainda é um hábito. Quando acontecer, encare como um fato natural, dentro de uma etapa transitória, e não como um fracasso.
Elogiemo-nos pelos momentos de sucesso e entendamos as dificuldades de mudança, como um processo feito em etapas, uma construção!
A sabedoria está em persistir sem autopunição, pois está só serve para acionar mecanismos psicológicos de autodefesa, que provocam esquecermos esse recurso da substituição, fazendo com que pareça uma tolice cansativa, firmando assim, o hábito anterior.
Boa vontade consigo mesmo, paciência e algum tempo, são suficientes para a mudança ocorrer. É sempre um ganho em favor do zelo pela própria mente, condição de viver de forma mais satisfatória e gratificante.
Para melhor nos localizarmos nesse assunto, saindo das crendices, lembremos que os estudos recentes sobre partículas atômicas têm confirmado que não há uma delimitação estanque entre matéria densa e energética, desde que a fórmula e=mc2, criada por Einstein, estabelece que massa se transforma em energia e vice-versa.
Também se sabe hoje, que matéria densa é energia condensada.
Esse avanço científico divulgado, facilita o entendimento do ensino espírita de que com exceção dos Espíritos, tudo o mais que existe é matéria, em variadíssimos graus de agregação e condensação, e com infinitas propriedades e características.
Enquanto para a Ciência, matéria e energia são distintas, para o Espiritismo ambas são matéria, em estados diferentes de agregação. E vai mais além, indicando que todo o Universo é preenchido por matéria muito rarefeita, que não pode ser reconhecida nem pelos atuais aparelhos humanos e nem pelos órgãos dos sentidos. Denomina-a genericamente, de fluido (1), cuja existência é perceptível por nossa capacidade extrassensorial. Onde há matéria densa, há a sua origem, que é a fluídica, sobre a qual exercemos ação pelo pensamento, estando encarnados ou desencarnados e quer saibamos ou não.
Considerando o pensamento uma elaboração íntima dos Espíritos, que se expande caracterizando-se fluidicamente no perispírito e ganhando o meio ambiente, através dos fluidos, também sabemos que na fase humana ele é revestido de palavras, ideias, conceitos, preconceitos, crenças, condicionamentos, regras, leis…
Esses elementos culturais são adotados nessa vida e trazidos de outras, entrando nas cogitações e escolhas, de maneira transparecida do íntimo, mas não conscientizada como tal, na maior parte das vezes. No geral “sobem” como intuição. A pessoa intui por si e também pode receber sugestões vindas de Espíritos, para ajudar ou para trazer à tona, situações e problemas não resolvidos. Em qualquer dos casos, a maioria de nós já é dotada de arbítrio e tem o suficiente discernimento evolutivo para saber o que é certo, bom e digno.
Equipados mentalmente com os recursos linguísticos, as crenças, as ideias, os conhecimentos, a memória e as formas habituais de pensar e reagir, temos um tipo fluídico particular, que nos identifica, fruto de nossa maneira de ser. Assim, formatamos, nosso jeito próprio, com características pessoais, que podem até tornar-se um padrão, nos aspectos que ficam imutáveis. O padrão pode ser reconhecido pela repetição de uma forma de pensar e reagir, sempre que algo daquele tipo ocorra. São os condicionamentos mentais, fruto de repetição e memorização, que perduram sem análise e sem contemporaneidade.
Pensamentos padrão ou qualquer outro pensamento e as crenças (2), emanam seu teor em forma energética/fluídica, o que provoca emoções que disparam a produção de substâncias no interior das células; isso significa que o corpo foi afetado, de forma positiva ou negativa, na medida do que se pensa.
Essas emanações energéticas nos sintonizam com pessoas e Espíritos que pensam de forma igual ou próxima, estabelecendo assim, campos vibratórios que independem do espaço físico, astral e espiritual. São as chamadas correntes vibratórias, que percorrem os espaços siderais, das quais participamos mesmo sem saber.
Que ninguém se assuste por isso, na medida em que é natural que haja ligação mental por causa dos pensamentos em comum, e portanto, podemos ficar sintonizados com encarnados e desencarnados.
Estar inserido numa corrente vibratória, significa participar de tudo que esteja nela, vindo de seus componentes, o que representa ter sua ideia ou modo de ser fortalecidos.
Esse fato fica nítido quando se percebe a necessidade de mudar e ficamos fazemos insistentes e fracassados esforços para vencer o tal pensamento. Chegamos a desistir, considerando-nos incapazes e inferiores, até porque a ideia/conduta que queremos modificar fica cada vez mais forte, quanto mais lutamos contra ela. Ocorre que “brigar” apenas nos insere, mais e mais, nessa corrente mental formada e sustentada por milhares de mentes.
Pedidos aos amigos espirituais, ao anjo de guarda, preces, estudos, determinações, no geral acabam por não produzir os resultados esperados, se a pessoa não tomar a iniciativa de alterar seu pensamento ou conduta, posto ter sido ela mesma que se inseriu nesse campo de força de ideias semelhantes. Mas na hora que pensa de outra forma, sai automaticamente, porque estar ali é fruto de sintonia; e outro pensamento sintoniza noutra faixa, como as de Rádio e TV.
Pensamentos involuntários de caráter não edificante, que a pessoa já quer recusar, só deixarão de existir quando a própria pessoa desligar-se do pensamento, na hora que ele vier. Ou seja, distrair a mente, olhando outra coisa ou pensando em algo diferente, agindo como se não estivesse acontecendo nada; sem brigar com o que pensa, sem autocondenação e sem autopunição. Apensa mudar o foco mental, entrando, em consequência, noutra sintonia fluídica.
“Vire a página”, como se vira a de um livro, quantas vezes forem necessárias, até não mais retornar ao hábito mental anterior e à corrente vibratória onde estava, e se fixar na nova, escolhida em função do teor do que escolheu para pensar.
O condicionamento, enquanto não dissolvido, nos puxa para trás; por isso, durante algum tempo há necessidade de persistência corajosa e confiante na vitória que está sendo construída.
Notas
1 – O fato do termo fluido, no século XIX, ter servido para designar muita coisa, não é nenhum impedimento para usá-lo nomeando a matéria não densa, porque está indicando de modo genérico e representativo, toda matéria que foge aos padrões do sólido, do líquido, do gasoso e do plasmático. Além do que, a palavra fluido foi caracterizada como a forma espírita de designar a matéria do “mundo” dos Espíritos, aquela sobre a qual os desencarnados podem agir e o estado da matéria que conduz os pensamentos; e também essa “atmosfera” astral que nos envolve 100%.
2 – E não em refiro a religião e sim a tudo que é considerado verdade para cada pessoa, incluindo as religiosas.