Ele era sobrinho de Barnabé, o discípulo de Pedro. Sua mãe chamava-se Maria Marcos, cuja casa se havia tornado o ponto predileto dos irmãos mais dedicados ao Evangelho, em Jerusalém.
Ela era uma das seguidoras de Jesus mais desassombradas e generosas. Havia colocado seus bens à disposição de todos os necessitados e não hesitara em abrir as portas de seu lar para que as reuniões evangélicas, em sua feição mais pura, não sofressem solução de continuidade.
A palestra de Saulo a impressionou e confidenciou ao irmão Barnabé seu grande sonho. Queria que seu filho, ainda muito jovem, fosse um seguidor de Jesus, servindo ao próximo. Jerusalém respirava, então, lutas religiosas sem tréguas. Não fosse a paciência de Pedro e a Casa do Caminho estaria fechada. Quem sabe, argumenta, Antioquia seria um melhor ambiente ao garoto?
Consultado, o rapaz se disse preparado para os labores do Evangelho, além do que sabia que sua mãe o desejava aprendiz dos melhores ensinamentos nesse sentido, a fim de que viesse a se tornar um pregador das verdades de Deus.
Saulo, convidado a opinar, ponderou dos obstáculos e do bom ânimo que sempre deveria orientá-lo. Barnabé discorreu ainda sobre o espírito de sacrifício pela nobre missão, as disciplinas indispensáveis e, por fim, os três demandaram Antioquia.
Encantado com as paisagens, João Marcos realizou a viagem. Foi nesse mesmo percurso que Barnabé e Saulo programaram a primeira jornada apostólica.
Inquirido, Marcos logo se convenceu de que deveria se incorporar à missão.
Hei de encontrar as forças necessárias2– Afirmou.
O destino era Chipre. Foi em Nea-Pafos, sobrecarregados de trabalho, que o tio surpreendeu vez que outra o sobrinho entristecido e queixoso. Ele era muito jovem e a cota de trabalho, dizia, era demasiado vultosa.
Conformava-se ante o entusiasmo de Saulo, mas sua contrariedade era evidente.
Ademais, como fiel observador do judaísmo, embora a paixão pelo Evangelho de Jesus, o filho de Maria Marcos era tomado de grandes escrúpulos, face à largueza de vistas de seu tio e do Apóstolo Paulo, no que dizia respeito aos gentios.
Desejava servir a Jesus, mas sem distanciar-se das tradições do berço. Quando Paulo (após o encontro com o Procônsul Paulo Sérgio, trocara seu nome) e Barnabé resolveram visitar a Panfília, João se escandalizou. No seu conceito, naquela região somente havia criaturas ignorantes e ladrões por toda parte. Que fazer ali?
Convencido pelo verbo de Paulo, chegaram a Atália e a atividade que lhe confiaram foi a cozinha, que o constrangeu. Paulo chegou a dizer que poderia simplificar o trabalho de cozinha com a preparação de peixes assados, somente, aos quais seriam acrescentados pão, frutas e mel. Mas o rapaz continuou acabrunhado.
Quando a missão pretende ir além da Panfília, as forças de João Marcos não mais suportam e ele decide regressar a Jerusalém. Envergonhado, embora, ele afirma que procurará trabalhar e servir a Deus, com toda sua alma.
Verdadeiramente, dedicou-se ao trabalho do Cristo. É descrito como um homem do povo, que conhece a língua grega, embora não a maneje de forma superior.
Vai a Roma, possivelmente após a morte de seu tio Barnabé, estando com Paulo, quando do primeiro cativeiro do Apóstolo. Depois, entrega-se todo a Pedro, que o chama de meu filho. (I Pedro, 5:13)
A pedido da comunidade romana, é que Marcos, possivelmente entre os anos 55 e 62, reduz a escrito o que ouviu do Apóstolo Pedro. O seu Evangelho é escrito em grego e era dirigido aos cristãos de origem não judaica.
Marcos que tinha sido intérprete de Pedro, escreveu exatamente tudo aquilo de que se lembrava sobre o que o Senhor dissera ou fizera, mas sem respeitar a devida ordem. Pedro ministrava o seu ensino conforme as necessidades, sem estar a atender a qualquer ordem, e por isso Marcos não foi culpado, pois se limitava a escrever o que ouvia. O seu cuidado era nada omitir e não dizer senão a verdade.1
Por isso mesmo, ele desce a detalhes como explicar que o Jordão é um rio, e os rituais de Israel. Os seus leitores desconheciam a Palestina e tinham necessidade daqueles pormenores.
É tido como o fundador da igreja de Alexandria, isto é, do primeiro núcleo cristão daquela importante cidade do Mundo Antigo.
Foi martirizado no Egito, provavelmente pelo ano 67, pois também no Egito houve grandes e terríveis perseguições contra os cristãos.
Daniel Rops sugere que, possivelmente, a propriedade onde se efetuou a prisão de Jesus seria próxima à casa de Maria Marcos. Sugere ainda que o mancebo que, naquela noite, seguiu Jesus e que os soldados tentaram prender, seria o próprio Marcos. O fato se encontra narrado no capítulo 14 do seu Evangelho, nos versículos 51 e 52: E um certo jovem seguia Jesus, coberto somente com um lençol, e prenderam-no. Mas ele, largando o lençol, escapou-se-lhes nu.
Seu nome é citado em Atos dos Apóstolos (12, 12:35). Prisioneiro em Roma, Paulo escreve a Epístola aos Colossenses, onde registra, no capítulo 4:10: Saúda-vos Aristarco, meu companheiro na prisão, e Marcos, primo de Barnabé, sobre o qual recebestes recomendações; se ele for ter convosco, recebei-o…
Na Segunda Epístola a Timóteo, o Apóstolo dos gentios se refere outra vez a Marcos, demonstrando como ele estava envolvido no trabalho missionário: Apressa-te a vir ter comigo…Toma contigo Marcos, e traze-o, porque me é útil para o ministério. (4: 8-11)
Finalmente, quando redige sua Epístola a Filémon, um cristão rico de Colossos, termina com as saudações costumeiras, onde inclui o nome de Marcos como um de seus colaboradores.
Seu Evangelho é dividido em quatro partes, contendo dezesseis capítulos. Inicia com a pregação de João Batista, depois o Ministério de Jesus na Galileia. Na segunda parte descreve as viagens de Jesus a Tiro, Sidon, Decápolis, Betsaida, Cesareia de Filipe e o retorno à Galileia.
A ida de Jesus a Jerusalém, as predições sobre a paixão e a ida final a Jerusalém compõem a terceira parte.
A quarta parte descreve o Ministério em Jerusalém, a paixão e a ressurreição do Mestre Jesus.
Yvonne do Amaral Pereira1, ao tecer considerações a respeito de João Marcos, qualifica-o como uma doce personagem dos primeiros dias do Cristianismo, cuja obra a auxiliava e esclarecia em horas de meditação e trabalho.
Referências
01.PEREIRA, Yvonne A. Ecos de um passado de lutas. In:___. Cânticos do coração. Rio de Janeiro: CELD, 1994. v. 1, cap. I.
02.XAVIER, Francisco Cândido. Primeiros labores apostólicos. In:___. Paulo e Estêvão. Ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 2, cap. IV.
03.ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. Rio de Janeiro: Britannica, 1986. v. 9, verbete Evangelho – 15.
04.Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas, 1953.